quarta-feira, 24 de julho de 2019

Bruno Boghossian: Bolsonaro vê inimigos fictícios dentro do próprio governo

- Folha de S. Paulo

Presidente adapta teoria do 'Estado profundo', mas não é vítima de conspiração

O governo Bolsonaro vê inimigos dentro do armário, atrás das cortinas e debaixo da cama. Desde o início do mandato, o presidente e seus auxiliares dizem que agências estatais estão cheias de defensores da maconha, que órgãos de pesquisa são financiados pela esquerda e que até satélites de monitoramento ambiental são manipulados por ONGs.

Os tiros dentro de casa se intensificaram nos últimos dias. Defensor do endurecimento da política de drogas, Osmar Terra (Cidadania) disse ao site Jota que o governo pode fechar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária caso seus dirigentes insistam em regulamentar o plantio de Cannabis para fins medicinais.

O ministro não tem poder sobre a Anvisa, mas se irritou ao reclamar da presença de uma "turma pró-droga" na agência. Terra acusou o presidente do órgão, William Dib, de liderar o movimento pela liberação.

A Anvisa trabalha para dar aval ao plantio apenas para pesquisa e produção de medicamentos. O cultivo deve seguir regras rígidas de segurança, mas o ministro não se importou com os detalhes. Ele afirma que a ideia partiu de gente infiltrada na administração pública para agir contra os interesses do governo.

A explicação é muito conveniente para Bolsonaro. A história lembra a teoria da conspiração do "deep state" de Donald Trump. Aliados do líder americano já disseram que funcionários entranhados na burocracia do "Estado profundo" trabalham contra as decisões do presidente.

O ataque a peças da máquina administrativa faz parte da estratégia populista contra o que se conhece como "sistema". Dessa maneira, um governante tenta minar a credibilidade de estudos técnicos e de qualquer órgão que possa limitar seus poderes ou sua plataforma política.

Na semana passada, o presidente insinuou que o chefe do Inpe infla dados de desmatamento para atender ao interesse de ONGs internacionais. O governo tentará culpar traidores fictícios sempre que as pesquisas não confirmarem suas visões ou quando algo não sair como previsto.

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