quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Bernardo Mello Franco - Milagres de Adriano

- O Globo

Premiado pela família Bolsonaro, o miliciano Adriano da Nóbrega começou a produzir milagres. Depois de morto, fez o presidente defender os direitos humanos e criticar a brutalidade policial

Abatido no interior da Bahia, o miliciano Adriano da Nóbrega começou a produzir milagres. Depois de morto, fez Jair Bolsonaro defender os direitos humanos e criticar a brutalidade policial.

O presidente passou a vida repetindo que “bandido bom é bandido morto”. Subitamente, pôs-se a protestar contra o passamento de um pistoleiro de aluguel.

No sábado, ele reclamou que a polícia baiana “não procurou preservar a vida de um foragido, e sim sua provável execução sumária”. O autor da frase é o mesmo político que, anos atrás, subiu à tribuna da Câmara para elogiar um grupo de extermínio da... Bahia.

O capitão também disse que a morte de Adriano “não pode deixar de ser esclarecida”. A polícia do Rio matou 1.810 pessoas no ano passado, mas ele não manifestou interesse em apurar um único caso.

Além de converter Bolsonaro ao pacifismo, a morte de Adriano fez nascer um novo defensor da presunção de inocência. No domingo, o presidente disse que não havia “nenhuma sentença tramitada e julgada” contra o miliciano. Pode ser, mas ele acumulava três passagens pela cadeia e estava em fuga para não ser preso pela quarta vez.

O capitão também disse que Adriano era “um herói” quando seu filho Flávio resolveu condecorá-lo com a Medalha Tiradentes. O discurso poderia colar se a honraria não tivesse sido entregue na cadeia.

Num lapso de memória, Bolsonaro se esqueceu de explicar por que o gabinete do Zero Um empregava a mãe e a mulher do miliciano. Na época, ele já havia sido expulso da PM por envolvimento com bicheiros.

Ontem o presidente sugeriu que Adriano foi vítima de queima de arquivo, mas fez questão de dizer que não tinha interesse em seu silêncio. “O que ele teria para falar? Contra mim é que não era nada”, jurou.

Bolsonaro também se mostrou preocupado com os 13 celulares apreendidos no esconderijo do milagreiro. “Quem fará a perícia nos telefones do Adriano? Poderiam forjar trocas de mensagens e áudios recebidos? Inocentes seriam acusados do crime?”, questionou.

Pelo tom das perguntas, parece que ele já sabe o que vem por aí.

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