Sob ataque, aos 99 – Editorial | Folha de S. Paulo
Bolsonaro reincide na ofensiva ao jornalismo; alvo é o edifício constitucional
Ao completar 99 anos de fundação, esta Folha está mais uma vez sob ataque de um presidente da República. Jair Bolsonaro atiça as falanges governistas contra o jornal e seus profissionais, mas seu alvo final não é um veículo nem tampouco a imprensa profissional. Ele faz carga contra o edifício constitucional da democracia brasileira.
Frustraram-se, faz tempo, as expectativas de que a elevação do deputado à suprema magistratura pudesse emprestar-lhe os hábitos para o bom exercício do cargo. É a Presidência que vai se contaminando dos modos incivis, da ignorância entranhada, do machismo abjeto e do espírito de facção trazidos pelo seu ocupante temporário.
O chefe de Estado comporta-se como chefe de bando. Seus jagunços avançam contra a reputação de quem se anteponha à aventura autoritária. Presidentes da Câmara e do Senado, ministros do Supremo Tribunal Federal, governadores de estado, repórteres e organizações da mídia tornaram-se vítimas constantes de insultos e ameaças.
Há método na ofensiva. Os atores agredidos integram o aparato que evita a penetração do veneno do despotismo no organismo institucional. Bolsonaro não tem força no Congresso nem sequer dispõe de um partido. Testemunha a redução de prerrogativas da Presidência, arriscada agora até de perder o pouco que lhe resta de comando orçamentário.
Escolhe a tática de tentar minar o sistema de freios e contrapesos. Privilegia militares com verbas, regras e cargos, e o exemplo federal estimula o apetite de policiais nos estados. Governadores são expostos por uma bravata presidencial sobre preços de combustíveis a um embate com caminhoneiros.
Pistoleiros digitais, milicianos e uma parte dos militares compõem o contingente dos sonhos do presidente para compensar a sua pequenez, satisfazer a sua índole cesarista e desafiar o rochedo do Estado democrático de Direito.
Não tem conseguido conspurcar a fortaleza, mas os choques vão ficar mais frequentes e incisivos caso a resposta das instituições esmoreça. A democracia é o regime da responsabilidade, o que implica a necessidade de punir a autoridade que se desvia da lei.
Defender o reemprego de um ato que fechou o Congresso Nacional, como fez o deputado Eduardo Bolsonaro ao invocar o AI-5, não deveria ser considerado deslize menor pelos colegas que vão julgá-lo no Conselho de Ética.
As imunidades para o exercício da política não foram pensadas para que mandatários possam difamar, injuriar e caluniar cidadãos desprovidos de poder, como está ocorrendo. Dignidade, honra e decoro são requisitos legais para a função pública. O presidente que os desrespeita comete crime de responsabilidade.
Ao entrar no seu centésimo ano, a Folha está convicta de que o jogo sujo encontrará a resposta das instituições democráticas. Elas, como o jornalismo, têm vocação de longo prazo. Jair Bolsonaro, não.
Falta grave – Editorial | Folha de S. Paulo
Entidades não devem transigir com racismo e homofobia nos estádios de futebol
Em medida inédita no futebol brasileiro, a Procuradoria do Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro denunciou o Flamengo em razão de cantos homofóbicos entoados por sua torcida contra o Fluminense, em partida realizada em 12 de fevereiro, no Maracanã.
A decisão atende a um novo ordenamento disciplinar e jurídico que, em boa hora, vem se desenhando no âmbito do esporte.
Trata-se de estipular procedimentos e sanções específicos para casos de discriminação no contexto do desporto, em consonância, diga-se, com o arcabouço jurídico democrático. No Brasil, não apenas a Constituição veda tratamento desigual com base em sexo, raça ou religião como foi aprovada legislação para punir criminalmente ofensas racistas e homofóbicas.
No meio futebolístico, tradicionalmente machista e conservador, custa-se a entender que os tempos mudaram. Tornou-se insustentável transigir com violência, intolerância e pessoas ou grupos que insistem em insultos preconceituosos.
É esse, aliás, o cerne da nova versão do Código Disciplinar da Fifa, a entidade máxima do futebol, que passou a vigorar no ano passado. O regulamento prevê medidas disciplinares para coibir a “discriminação de qualquer tipo” —contra países, opiniões políticas, cor da pele, etnia, origem social, gênero, orientação sexual, língua, religião etc.
Durante as partidas, diante de comportamentos discriminatórios, os árbitros estão autorizados até mesmo a suspender o evento. Também foram prescritas punições mais rigorosas para jogadores, clubes e entidades.
Na Europa, os episódios de racismo são mais antigos e frequentes. No domingo (16), em Portugal, novamente se testemunhou um desses casos, quando o atacante Marega, do Porto, que enfrentava o Vitória de Guimarães, viu-se alvo de ataques de cunho racial e abandonou o campo de jogo.
Por mais que mudanças culturais demandem tempo, esse é um terreno em que polícia e Justiça, e não apenas entidades esportivas, precisam atuar. A própria visibilidade propiciada pelo esporte deve estimular medidas que possam se mostrar exemplares.
Bolsonaro e os governadores – Editorial | O Estado de S. Paulo
Vinte governadores, de todas as tendências políticas, assinaram uma carta aberta a Jair Bolsonaro para cobrar do presidente da República “equilíbrio, sensatez e diálogo”. A mensagem foi uma reação às declarações de Bolsonaro segundo as quais o governador da Bahia, Rui Costa (PT), “mantém fortíssimos laços” com bandidos e que a “PM da Bahia, do PT”, teria praticado uma “queima de arquivo”, no caso da morte do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega em confronto com a polícia no dia 9.
Pode-se dizer que as afirmações de Bolsonaro na verdade foram a gota d’água numa relação já bastante tumultuada entre o presidente e os governadores. Há poucos dias, Bolsonaro desafiou os governadores a zerarem o ICMS incidente sobre os combustíveis, afirmando que o preço da gasolina continuava alto nos postos porque os Estados não querem abrir mão de receita. Os governadores reagiram, afirmando, também por meio de mensagem coletiva, que não se pode discutir questões tributárias importantes como essa de maneira tão ligeira e populista. Em julho do ano passado, Bolsonaro ofendeu os governadores dos Estados do Nordeste, chamando-os de “governadores de paraíba”. Em resposta, esses governadores assinaram uma mensagem para manifestar “profunda indignação”.
Nas três cartas, os governadores enfatizaram a necessidade de interlocução e colaboração entre os Estados e o governo federal. Esse deveria ser o espírito a presidir as relações da União com os entes da Federação.
É natural que eventualmente haja algum estremecimento do presidente com este ou aquele governador, em circunstâncias próprias do jogo de poder – e não é possível ignorar que alguns governadores acalentam o sonho de chegar à Presidência na eleição de 2022, sendo, portanto, potenciais adversários de Bolsonaro nas urnas. Mas o que se vê entre Bolsonaro e os governadores extrapola os limites do simples embate político. O presidente tem inviabilizado qualquer forma de diálogo com a maioria dos governadores, além de complicar-lhes a administração naquilo que pode, mesmo quando isso representa prejuízo para as populações locais, justamente no momento em que o governo mais precisa de apoio para aprovar as reformas que pretende encaminhar ao Congresso.
Uma das reformas mais importantes, a tributária, por exemplo, depende de dura negociação com os Estados, que vivem situação fiscal precária e precisam da manutenção ou até da ampliação da receita para fechar as contas.
“O presidente Bolsonaro não quer aproximação com o Congresso, não quer aproximação com os governadores. Mas nós todos fomos eleitos”, disse o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que desde sempre apoiou o presidente. “Só estamos pedindo um pacto federativo para recuperar a República. Se ele quer se afastar da política, não quer os governadores, isso é uma decisão dele”, declarou o governador.
Bolsonaro faria bem se prestasse atenção aos apelos dos governadores, expressos em declarações e nas cartas abertas que assinaram em resposta aos ataques presidenciais. Na mais recente, os governadores dizem que essas ofensas “não contribuem para a evolução da democracia no Brasil”. Afirmam também que “é preciso observar os limites institucionais com a responsabilidade que nossos mandatos exigem”. Finalmente, lembram que somente “trabalhando unidos conseguiremos contribuir para melhorar a qualidade de vida dos brasileiros”. A carta termina dizendo que “juntos podemos atuar pelo bem do Brasil e dos brasileiros” e convida Bolsonaro a participar do Fórum Nacional dos Governadores, marcado para o dia 14 de abril.
Esse gesto de conciliação dos governadores é uma oportunidade de ouro para que Bolsonaro finalmente se mostre à altura do cargo que ocupa, exercendo a Presidência no interesse de toda a Federação, sem criar atritos desnecessários ou perder energia com assuntos pouco relevantes para os destinos do País. O momento exige que considerações eleitoreiras, e principalmente familiares, sejam colocadas em segundo plano diante da necessidade urgente de convergência para a aprovação das reformas.
Duas corporações vorazes – Editorial | O Estado de S. Paulo
Magistrados e procuradores insistem que não são iguais aos demais cidadãos
A menos de duas semanas da entrada em vigor das novas alíquotas de contribuição aprovadas pela reforma da Previdência Social, prevista para 1.º de março, cinco associações de juízes e procuradores pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão da aplicação da alíquota de contribuição previdenciária progressiva dos membros do Judiciário e do Ministério Público.
Até o ano passado, a legislação estabelecia uma alíquota fixa de 11% sobre os vencimentos para quem entrou no funcionalismo público até 2013. Com a aprovação da reforma previdenciária, as alíquotas passaram de 7,5% a 22%, aumentando de acordo com a faixa salarial dos servidores. No final do ano passado, as mesmas associações de juízes e procuradores já haviam impetrado uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra essa mudança. Agora, apresentaram um pedido de medida cautelar. Movidas por integrantes das duas corporações, tramitam no STF outras ações contra a reforma previdenciária.
O que chama a atenção em todas essas medidas judiciais é sua fundamentação. Em vez de se limitar a apontar eventuais vícios jurídicos, os clubes de juízes e procuradores alegam que, com as novas alíquotas, a carga tributária sobre os salários de seus associados passará a ser de 46,5%, por causa da “cobrança simultânea do Imposto de Renda. Isso sem contar a tributação sobre o consumo e a propriedade”, o que “devorará mais de 50%” dos rendimentos das duas classes. Para seus membros, as novas alíquotas configuram uma “violação inadmissível às prerrogativas das corporações e às limitações ao poder de tributar, notadamente a vedação ao confisco sem base atuarial”.
Esses argumentos dão a medida do grau de irrealismo e desconhecimento da comprometedora situação financeira do poder público por parte de duas corporações que sempre foram as mais bem remuneradas do funcionalismo. Embora os vencimentos da magistratura e dos procuradores variem conforme os braços especializados do Judiciário e do Ministério Público, a média salarial das duas corporações é mais do que o dobro da média dos servidores do Executivo. Além disso, elas há muito se valem de variados artifícios para burlar o teto constitucional, de R$ 39.293,00. Graças a esses penduricalhos como auxílio-transporte, auxílio-livro, auxílio-paletó e até auxílio para quem trabalha em comarca de “difícil acesso”, no final de 2019 os 360 desembargadores ativos e os 400 aposentados do Tribunal de Justiça de São Paulo estavam recebendo R$ 56 mil por mês, em média, segundo reportagem do Estado. Em outros Estados, a média salarial da magistratura estadual é ainda mais alta. E como a maioria desses penduricalhos é paga a título de “verba indenizatória”, seus valores não são levados em conta no cálculo do teto do funcionalismo e para pagamento de Imposto de Renda, o que aumenta ainda mais os vencimentos líquidos dos membros da magistratura e das procuradorias, pois seus salários e benefícios são alinhados, em nome do princípio da isonomia.
Por isso, quando se queixam de que têm de pagar alíquotas previdenciárias mais altas e progressivas, os membros das duas corporações desprezam um princípio tributário básico – o de que quem ganha mais paga mais. E, quando se queixam de que custa caro pagar “simultaneamente” impostos sobre renda, consumo e propriedade e reclamam direitos que não são concedidos aos demais trabalhadores dos setores público e privado, desprezam um princípio elementar do Estado de Direito – o de que todos são iguais perante a lei.
O pedido de suspensão imediata das regras que aumentaram as alíquotas previdenciárias, levado ao STF por cinco associações de juízes e procuradores, não deixa margem a dúvidas. Para seus membros, justiça é um princípio que eles parecem esquecer, quando veem no cargo que exercem apenas um instrumento que lhes garante um bem-estar que é negado aos demais cidadãos.
Sinais de anemia econômica – Editorial | O Estado de S. Paulo
O Brasil foi mal em 2019, com crescimento econômico de apenas 1,2%, quase igual ao do ano anterior, e menor expansão do investimento em capacidade produtiva, segundo o Monitor do PIB recém-divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). O valor investido em máquinas, equipamentos e construções aumentou 2,7%, bem menos que no ano anterior, quando havia crescido 3,9%. O mau desempenho em dezembro, já apontado por dados setoriais e pelo índice de atividade econômica do Banco Central, foi indicado também pelo Monitor. Houve estagnação na comparação com novembro. O primeiro ano do governo Bolsonaro terminou com os negócios emperrados e prenúncios pouco animadores para 2020. Analistas do mercado já haviam reduzido suas projeções para este ano quando os números da FGV foram apresentados. Esse relatório é normalmente uma excelente antecipação do Produto Interno Bruto (PIB). Está prevista para o começo de março a apresentação oficial do PIB.
O modesto crescimento de 1,2% resultou da expansão dos três grandes setores – agropecuária, indústria e serviços. O consumo das famílias, com aumento de 1,8%, foi o principal motor da atividade. O investimento em máquinas, equipamentos e construções, 2,7% maior que o de 2018, continuou muito abaixo do necessário para a formação de uma economia mais dinâmica. O valor investido correspondeu a 15,3% do PIB, uma das menores taxas da série iniciada em 2001. Só em 2003 (15,1%), 2017 (14,7%) e 2018 (15,1%) as taxas foram inferiores à do ano passado, segundo a FGV.
Em países mais dinâmicos, esse tipo de investimento, conhecido no jargão dos economistas como formação bruta de capital fixo, é igual ou superior a 24% do PIB, ultrapassando, em alguns países emergentes, os 30%. No Brasil, algum crescimento ainda é possível, mesmo com a escassa formação de capital, porque a maior parte das empresas dispõe de capacidade ociosa. Também há alguma ociosidade na infraestrutura, mas a baixa qualidade e a má conservação de boa parte da malha de transportes são um grave problema para a produção e a circulação de mercadorias.
A solução dessas e de outras deficiências da infraestrutura só virá com a participação de capital privado, porque o aperto financeiro do setor público vai perdurar. Não bastará, no entanto, apenas abrir concessões, leiloar oportunidades de participação e atrair grupos interessados em explorar sistemas de transportes, produção e distribuição de eletricidade e serviços de saneamento, alguns dos itens mais importantes. Será necessário eleger prioridades. Para isso o governo terá de ser capaz de pensar as necessidades do Brasil sem se prender em limites ideológicos.
Economistas do mercado estimam para este ano um crescimento na faixa de 2% a 2,3%. Para os anos seguintes a projeção continua engessada em 2,5%. Não se trata de um número mágico, mas de uma referência ao potencial de expansão econômica do Brasil.
Não se antevê – este é o ponto relevante – um aumento significativo desse potencial nos próximos anos. Esse aumento poderá resultar, inicialmente, de maiores investimentos em capital fixo, isto é, em bens de produção físicos. Isso dependerá de algo além da disponibilidade de recursos, provenientes de crédito, de capital próprio ou de investidores estrangeiros. Dependerá crucialmente de confiança e de expectativas de negócios crescentes. Essa expectativa aparentemente faltou em 2019, embora muitos empresários tenham continuado a declarar confiança na ação econômica do governo.
Mas um crescimento mais rápido, duradouro e compatível com maior presença global dependerá também de capital intangível – maior oferta de mão de obra qualificada, mais pesquisa e mais inovação. Isso resulta de políticas educacionais adequadas e de estratégias de estímulo à ciência e à tecnologia. Todas as manifestações do governo apontam na direção oposta a qualquer desses esforços.
Comissão de Ética arquiva denúncia contra Wajngarten – Editorial | Valor Econômico
A Comissão de Ética da Presidência da República deu ontem um passo rumo à inutilidade ao arquivar a representação contra o secretário especial de Comunicação Social, Fábio Wajngarten, por conflito de interesses. Wajngarten é sócio, com 95% de participação, da FW Comunicação e Marketing, cujos clientes recebem verbas da Secretaria da Comunicação destinadas à publicidade oficial em redes de TV, outros meios de comunicação e agências de publicidade. Votaram contra o arquivamento dois dos seis integrantes do Conselho, Erick Vidigal e Ruy Altenfelder.
O titular da Secom é uma peça importante para as intenções políticas e eleitorais do presidente Jair Bolsonaro. Às primeiras reportagens da “Folha de S. Paulo” mostrando a posição dupla de Wajngarten - tem o comando do destino das verbas que remuneram também a empresa da qual é proprietário - Bolsonaro foi evasivo, como sempre é quando denúncias envolvem apaniguados de sua família ou aliados ideológicos. “Se for ilegal, a gente vê lá na frente”, disse. Perguntado sobre o mesmo assunto dias depois, nas aparições que faz para admiradores em frente ao Palácio da Alvorada, indagou ao repórter da “Folha” se estava se referindo à própria mãe.
O caso de Wajngarten não deixa dúvidas à luz da legislação. Ela proíbe “a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão dele ou de colegiado do qual participe”. O secretário ganhou um emprego no qual alia suas preferências ideológicas com a chance de dupla remuneração por seus serviços. A lei veda ainda “praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão”.
Wajngarten, segundo a “Folha de S. Paulo”, omitiu informações sobre as atividades de sua empresa. Em defesa enviada à Comissão de Ética, porém, confirmou inequivocamente sua dupla posição ao sugerir que poderia transferir suas cotas na sociedade para sua esposa, Sophie Wajngarten. A FW Comunicação é gerida pelo empresário Fabio Liberman, irmão do secretário-adjunto da Secom, Samy Liberman.
Wajngarten, indicado por Carlos Bolsonaro, é peça central na guerra do presidente contra a imprensa independente e na busca da reeleição - hipótese que o candidato Bolsonaro rejeitava. Ele reduziu os recursos da propaganda oficial a jornais e emissoras que têm uma atitude crítica em relação a agressões do governo contra a democracia e aos direitos humanos, e privilegiou com verbas os meios de comunicação que não têm essa conduta. Há nisso vários erros, que podem ser corrigidos por intermédio da Justiça. O primeiro deles é que se trata de dinheiro público, que não pertence aos que comungam do extremismo e sectarismo do grupo que está no poder. O dinheiro da comunicação tem de ser bem aplicado, isto é, levar em conta critérios técnicos para que seja usado com toda a eficácia.
Bolsonaro teria ainda mais um motivo para não admitir o que seu secretário faz, sob suas ordens. Ele criticou acerbamente os presidentes petistas por usarem esse dinheiro para financiar correntes que os apoiavam, prometeu acabar com o “aparelhamento do Estado” promovido pelos petistas, mas está fazendo algo semelhante, mas agora sob o signo da extrema-direita. Prometeu também combater corrupção e males correlatos, mas mantém no cargo o ministro do Turismo, Marcelo Antonio, envolvido no grande “laranjal” que foi o uso das verbas eleitorais do partido que serviu de veículo para que Bolsonaro chegasse à Presidência, o até então inexpressivo PSL.
A Comissão de Ética chegou a advertir o mal-educado ministro da Educação, Abraham Weintraub, por comparar os ex-presidentes Lula e Dima Rousseff a “drogas”, algo relativamente inofensivo em relação ao dano que pode produzir o conflito de interesses de alguém que ocupa o cargo de Wajngarten. Ontem, a Secom afirmou em nota que o arquivamento pela Comissão de Ética “é um atestado de idoneidade” a Wajngarten.
Seria prudente o secretário aguardar o inquérito aberto pela Polícia Federal para apurar supostas práticas de corrupção passiva, peculato e advocacia administrativa (patrocínio de interesses privados na administração pública).
Witzel inviabiliza privatização da Cedae – Editorial | O Globo
Depois de apoiar modelagem do BNDES, governador defende mudança que destrói a proposta
O governador Wilson Witzel oscila diante da privatização da Cedae. Na campanha, colocou-se contra, talvez em busca de votos das corporações que capturaram a estatal. Ao assumir, pode ser que a realidade irrefutável do descalabro em que se transformou a empresa, com tantos anos de subjugação a esquemas políticos e de outros tipos, o tenha feito começar a defender a privatização. Witzel rendia-se à lógica e, na semana passada, como presidente do Conselho Deliberativo da Região Metropolitana do Rio, deu seu voto, ao lado dos representantes de 15 das 17 prefeituras locais, em favor da execução de um projeto elaborado pelo BNDES para a passagem da estatal ao setor privado.
Venceu-se, enfim, a primeira etapa para que a Região Metropolitana possa apresentar índices de coleta e tratamento de esgoto pelo menos aceitáveis. Para o bem da saúde da população carioca e fluminense e até do turismo. O Rio, segunda capital brasileira, aparece no ranking de saneamento do Instituto Trata Brasil apenas no 51º lugar, enquanto Niterói, do outro lado da Baía, está em 10º, porque concedeu seu serviço de esgoto e água a um grupo privado.
Na segunda-feira, porém, indo contra o modelo desenhado pelo banco — em que a área de atuação da Cedae será dividida em quatro blocos, e a atual empresa continuará com a captação e o tratamento da água — ,Witzel anunciou o que seria uma grande ideia: a Cedae da captação e distribuição também será privatizada. Mais ainda, surgirá uma Cedae II para explorar outro manancial e concorrer com a I.
Numa visão superficial, faz sentido, porque se privatiza tudo de vez. Mas, na vida real, Witzel impõe um grande atraso a todo o plano de privatização. Além de o BNDES precisar ser convencido da eficácia do novo modelo, há um enorme trabalho com a finalidade de se preparar a Cedae para ser privatizada agora.
Não se sabe com segurança, por exemplo, o real tamanho dos passivos escondidos da empresa, os chamados “esqueletos”. Quando se começou a recuperação das contas públicas, no Plano Real, com a inflação baixa, viu-se que o verdadeiro rombo fiscal era bem maior que o registrado. A Cedae tem perfil de uma volumosa caixa-preta: pratica salários 70% acima dos de mercado; paga indenizações trabalhistas milionárias a funcionários, e ainda tem lucros, entre outros mistérios.
Será uma trabalheira que paralisará a montagem dos blocos e impedirá sua licitação. Porque nenhuma empresa privada entrará no negócio sem conhecer o seu fornecedor de água. Já no modelo que Witzel escolheu no Conselho da Região Metropolitana, com os municípios, e engavetou poucos dias depois, as concessionárias privadas poderiam começar a operação nos blocos e a pressionar a Cedae para melhorar a qualidade da água. Witzel, querendo ou não, inviabiliza a privatização da Cedae.
Episódios de violência no carnaval de rua precisam ser contidos – Editorial | O Globo
No Rio, três pessoas morreram no fim de semana. Em São Paulo, cinco foram baleados em bloco
A ideia de carnaval costuma estar associada à festa, à alegria, à liberdade. Portanto, nada mais anticarnavalesco do que a violência. No entanto, nos últimos dias, episódios desse tipo têm marcado os desfiles nas maiores cidades do país, pondo em xeque a segurança desses eventos de massa. Na tarde de domingo, cinco pessoas foram baleadas durante a passagem de um bloco na Avenida Luís Carlos Berrini, no Brooklin, Zona Sul de São Paulo. A confusão teria começado quando um policial civil, que estava de folga, reagiu a um assalto, atirando contra os ladrões e provocando cenas de pânico e correria. Três suspeitos e duas mulheres que participavam do cortejo ficaram feridos.
O fim de semana de pré-carnaval também foi violento no Rio. Em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, um adolescente de 15 anos e um jovem de 22 morreram baleados no desfile do Bloco das Caveiras. Em Ramos, Zona Norte, um homem morreu e um ficou ferido num cortejo não oficial — não teria apresentado a documentação exigida. Em nota, a prefeitura do Rio alertou para o perigo dos blocos sem autorização, que não dispõem de segurança. Porém, este é um problema que não deve ser transferido ao cidadão. Primeiro, porque a cidade está repleta de eventos desse tipo — existe inclusive uma abertura não oficial do carnaval. E, segundo, porque cabe ao poder público garantir a segurança da população, independentemente de permissões para desfilar.
Além do mais, alvará não é salvo-conduto para afastar confusões. A abertura oficial do carnaval carioca, com o Bloco da Favorita, no dia 12 de janeiro, em Copacabana, acabou em tumulto. Durante a dispersão do bloco, que chegou a reunir 300 mil pessoas em frente ao Copacabana Palace, ambulantes entraram em confronto com guardas municipais, dando origem a um conflito generalizado, em que não faltaram bombas de gás lacrimogênio voando pelos ares. Não demorou para que o fato repercutisse na imprensa internacional.
Diga-se que, depois disso, estado e prefeitura criaram normas mais rígidas para os megablocos. O esquema inclui uso de drones e pontos de bloqueio onde são feitas revistas com detectores de metal. Por enquanto, o sistema tem funcionado.
Rio e São Paulo têm carnavais de rua vigorosos, que atraem turistas e geram receitas. Mas precisam zelar por esse patrimônio. Episódios de violência são devastadores para a folia, as cidades e seus moradores. Precisam ser contidos. Afinal, as pessoas estão ali para se divertir, não para serem baleadas. Nesse sentido, o pré-carnaval serve de alerta. Segurança é quesito básico na festa.
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