- O Globo
PEC 187 obedece a uma ordem lógica que afronta boas práticas da gestão governamental
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 187, que extingue os fundos públicos hoje existentes nas três esferas de Governo – União, estados e municípios – está tramitando no âmbito do Senado Federal. Apesar disso, o governo não tem apresentado números nem estudos consistentes sobre essa proposta.
Para começar, não há 248 fundos públicos federais engessando o processo orçamentário, segundo consta na justificativa da PEC 187. A maioria só existe no papel, sem execução orçamentária. Bastaria uma lei para revogá-los. A equipe econômica argumenta que fundos e vinculações só existem em democracias não civilizadas, onde o Congresso Nacional não tem poder para alocar os recursos públicos. A tese revela uma estratégia de convencimento baseada no desconhecimento, pois a experiência internacional aponta para outra direção.
O Orçamento federal americano, por exemplo, é infestado de fundos públicos – chamados de Trust Funds – que administram receitas vinculadas (earmarking revenues). Nesse país, os recursos vinculados podem ser acumulados ao longo dos anos.
Assim, o Old-Age and Survivors Insurance Trust Fund está programado para entesourar US$ 3,0 trilhões de receitas excedentes. É interessante lembrar que as rodovias americanas apresentam alto padrão de qualidade porque recebem volumosos recursos do Highway Trust Fund, cujas receitas são provenientes de impostos sobre consumo de combustíveis.
Além disso, deixemos claro que o Poder Legislativo pode rever vinculações e fundos em qualquer momento do processo legislativo. Falta entre nós, sim, um processo sistematizado de revisão de gastos e vinculações – prática adotada nas democracias civilizadas.
É bom ter claro que a PEC 187 obedece a uma ordem lógica que afronta boas práticas da gestão governamental. Busca-se primeiro extinguir os fundos públicos, inclusive os estaduais e municipais, dando prazo para o Legislativo ratificar ou não a existência de cada um deles. O governo federal teria o direito de gastar os recursos acumulados por estes fundos antes do prazo de ratificação concedido ao Poder Legislativo, que, em muitos casos, validaria “fundos fantasmas” – já sem recursos disponíveis.
É preciso reconhecer que as regras gerais para funcionamento de fundos públicos no Brasil precisam ser aperfeiçoadas. Não faz sentido, por exemplo, que aqueles destinados a garantir operações financeiras no mercado estejam submetidos ao processo orçamentário comum, que envolve barreiras burocráticas e contingenciamentos. Mas não se justifica acabar com todos eles, inclusive com os fundos garantidores que estão sendo criados pelo próprio governo na Medida Provisória nº 897. Por isso mesmo, o relator da PEC 187, senador Oto Alencar, acertou ao propor mudanças que blindam o Orçamento das tesouradas instantâneas pretendidas pelo Ministério da Economia.
O Senado deveria apostar em uma lógica inversa para melhorar a institucionalidade dos fundos públicos no país. Primeiro, aprovando uma lei complementar que contivesse normas gerais para regulamentar o funcionamento de tais fundos, dando prazo para que o Legislativo avalie seus custos e benefícios. Os que não fossem prioritários seriam extintos no prazo de dois anos, permitindo-se então a desvinculação dos recursos. Os prioritários continuariam existindo com um desenho operacional adaptado às novas regras
Precisamos aperfeiçoar a legislação nacional, mas não devemos apostar em medidas que transformem o Orçamento federal em um saco sem fundo. A proposta atual do Governo de desvincular previamente os recursos pode levar ao desperdício fiscal, tendo em vista os grupos de interesses que atuam no Parlamento em busca de novas fontes de recursos, além de comprometer o planejamento fiscal de longo prazo das políticas públicas. É imperativo mudar a lógica da PEC 187, a fim de trazer maior racionalidade ao processo orçamentário, sem rompantes ideológicos.
*José Serra é senador (PSDB-SP)
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