- Valor Econômico
Mudança de gerência dá início a nova etapa do governo Bolsonaro
O governo Jair Bolsonaro entra em uma nova fase. A nova etapa se inicia num momento em que as cobranças por um calendário mais próspero de entregas não são direcionadas apenas à equipe econômica. Elas crescem também, a cada dia, sobre os ombros do próprio presidente da República. A reformulação da Casa Civil, mais do que um novo capítulo da disputa entre as alas militar e ideológica do governo, pode ser considerada uma medida tomada para renovar a capacidade gerencial do Palácio do Planalto.
Questiona-se, por exemplo, por que ainda não há uma retomada mais vigorosa da economia, do investimento e do emprego. Mas basta checar as agendas de Bolsonaro, ministros e secretários para se relativizar a credibilidade das críticas segundo as quais o governo federal está paralisado.
Também esperava-se mais agilidade e interesse do governo nas reformas tributária e administrativa. Mesmo assim, a despeito do julgamento do mérito - ou demérito - de cada uma das outras propostas legislativa do Executivo, diversas delas seguem sendo enviadas ao Congresso diariamente. O desafio do governo é evitar que se cristalize a percepção de que a administração Jair Bolsonaro não possui o torque necessário para garantir o avanço de programas, ações e políticas públicas.
Desde o fim de 2019, o presidente e seus auxiliares têm um diagnóstico do desempenho de cada área do governo. Uma radiografia que já fundamentava as discussões sobre possíveis mudanças no primeiro escalão.
Como sinalizado desde então, não se viu neste início de 2020 uma reforma ministerial. O presidente Jair Bolsonaro executou mudanças pontuais em sua equipe para atacar alguns dos gargalos identificados: alinhou de vez o Ministério do Desenvolvimento Regional ao Ministério da Economia, deslocou um aliado de primeira hora com projeto político pessoal da Casa Civil para tocar a área social do governo e, por fim, deu novo vigor à pasta para coordenar e cobrar os ministérios.
Bolsonaro aproveitou um deslize dos subordinados do ministro Onyx Lorenzoni para desencadear as mudanças na Casa Civil, que já havia perdido atribuições na articulação política e viu o Ministério da Economia novamente ser contemplado. Agora, com a gestão do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). O episódio ainda rendeu ao presidente a oportunidade de procurar microfones e câmeras de televisão, para criticar o uso do avião da Força Aérea Brasileira pelos servidores da Casa Civil, apresentar-se como defensor da ética na política e protetor dos bons costumes administrativos.
É nesse contexto que ocorre a substituição de um deputado por um general na chefia da Casa Civil.
Não é a primeira vez que Walter Souza Braga Netto, o novo ministro da Casa Civil, é convocado por um presidente da República para uma missão de perfil administrativo. No governo Michel Temer, foi alcançado por um telefonema num início de noite com o aviso de que a partir do dia seguinte seria o interventor na área de segurança do Estado do Rio de Janeiro.
Quando fala dessa experiência em palestras ou entrevistas, ele sublinha o caráter gerencial do período em que cuidou da segurança pública de uma unidade da federação em estado falimentar, com um número considerável de políticos locais na cadeia e parte importante de seu território dominado por criminosos.
O general diz ser cartesiano e positivista. Durante a intervenção, dizia a interlocutores que estava comprometido a apresentar resultados concretos, mesmo sabendo que a percepção de segurança é algo subjetivo e pode variar de pessoa a pessoa. Uma medida colocada em destaque por Braga Netto e outros participantes da intervenção é a criação da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância. Outra foi o restabelecimento do direto de ir e vir em determinadas localidades.
Para ele, segurança pública começa no município e ordenamento urbano. Também tem relação com a capacidade do Estado de garantir serviços públicos, como a coleta de lixo. Seu foco era na gestão, integração e fortalecimento institucional dos órgãos que estavam sob seu comando.
No ano passado, em palestra no Superior Tribunal Militar (STM), Braga Netto citou algumas de suas características como gestor. Tão logo iniciou os trabalhos no Rio, disse, percebeu que o sucesso da missão dependeria do fim da busca pelo protagonismo dos diferentes órgãos de segurança. Braga Netto cobrava integração e cooperação. Por outro lado, buscava construir laços de confiança entre as partes.
Na cadeia de comando e organograma, acredita, cada um tem que ser responsável pela sua esfera. Recomendações e indicações políticas não eram ignoradas, contou, mas precisavam se encaixar em seu critério meritocrático.
Em um formato de trabalho já observável na Casa Civil, Braga Netto montou uma assessoria jurídica e orçamentária. Aproximou-se também do Tribunal de Contas da União e conectou todas as despesas das unidades que geria a objetivos estratégicos, justamente para poder prestar conta ao TCU. Tais objetivos constavam de um longo e detalhado plano estratégico, que alinhava também metas, planos de ação, comandos e projetos monitorados. Tudo isso com metodologia adaptada do modelo de gestão do Exército.
Nessa mesma palestra ocorrida no ano passado, o general falou da sua estratégia de comunicação, o uso das redes sociais, contato com influenciadores digitais de comunidades. A batalha de narrativas deve ser baseada em fatos e sem viés ideológico, pontuou.
Um outro tema atual foi citado no STM, a greve dos caminhoneiros ocorrida durante o governo Temer. Para Braga Netto, a integração promovida pela intervenção levou o Rio a ser o primeiro Estado a solucionar a questão e se reconectar com outras unidades da federação.
Seu currículo dá pistas sobre o perfil que ele poderá dar à Casa Civil. No entanto, ainda é precoce qualquer julgamento dos potenciais resultados da decisão presidencial de mudar um dos ministérios mais estratégicos do governo.
*Fernando Exman é chefe da redação
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