- O Globo
Dinheiro para financiar a folha de pagamento das empresas não chega na ponta pelas exigências e demoras do próprio governo
O crédito para pequenas e médias empresas, anunciado como parte do pacote de ajuda há dez dias, estava parado ontem à tarde em dois obstáculos: havia uma exigência de que só empresas sem débito previdenciário poderiam receber, e isso eliminaria um terço delas. E o Tesouro não havia ainda transferido o dinheiro para o BNDES. Os bancos ofereceram então antecipar os recursos, com a garantia de que eles realmente chegarão.
A informação que me foi dada ontem por um executivo de banco mostra a crônica incapacidade do governo de pôr em prática as medidas tomadas. O auxílio emergencial aos informais foi anunciado há quase três semanas, no valor de R$ 200, e só hoje será anunciado o calendário de pagamento, de R$ 600, após aprovação no Congresso, sendo que o governo começará pelo mais fácil que são os beneficiários do Bolsa Família, política pública que existe há 16 anos.
Na verdade, o governo tem anunciado muita coisa e parece que todos aqueles bilhões apresentados estão indo para a economia, mas não. Entre o anúncio e a realização há muitos obstáculos. Esse foi, inclusive, o tema central da conversa de empresários do comércio com o ministro Paulo Guedes. A ideia do socorro às empresas através de um crédito para pagar a folha foi proposta pelos próprios bancos ao governo há três semanas. O presidente do Banco Central, Roberto Campos, gostou da proposta, mas disse aos banqueiros que eles teriam que ter skin in the game, ou seja, teriam que correr risco também. A proposta inicial era de que os bancos entrassem com 20%, os bancos disseram que entrariam com 10%, e acabaram fechando em 15%. O resto vai ser do Tesouro. Mas só que o dinheiro tem que chegar ao BNDES, que vai operacionalizar essa linha. Serão R$ 20 bilhões por mês.
– Nós dissemos que não precisa o dinheiro chegar agora, que tiramos do nosso caixa, depois eles nos repassam. Mas precisamos saber que repassarão, porque são 36 meses para pagar. O BNDES parece que demora umas três semanas, mas nós podemos fazer amanhã. O que a gente não pode é ficar sem a certeza de que o dinheiro vai ser repassado em algum momento – relatou o dirigente de um grande banco.
Só que agora apareceu essa nova dificuldade: as empresas com débito previdenciário não podem receber. Mas como levantar certidão de cada empresa? Os bancos sugerem que seja autodeclaração e que quem não tiver sido fiel à realidade depois seja punido. Isso para agilizar, porque se todo mundo for tirar certidão negativa de débito previdenciário pode demorar ainda mais.
A economia real tem tentando encontrar os caminhos mais rapidamente para superar a crise. O economista-chefe da Acrefi, Nicolas Tingas, diz que o momento é de emergência e explica que o setor financeiro está tendo que se adaptar rapidamente. Ele contou que está sendo reinventada a maneira de formalizar um refinanciamento, sem que o cliente tenha que ir pessoalmente na agência.
– Estamos em uma emergência, mas o circuito não estava preparado para os detalhes. Há regras de compliance que precisam ser adaptadas. A operação funcionava de outra forma. Algumas financeiras já estão utilizando contrato verbal, fazendo gravação de voz para tentar formalizar isso, ou por meio de contratos eletrônicos. Estão todos trabalhando sete dias por semana, porque o momento exige rapidez – explicou.
O que os bancos garantem é que mesmo com essas dificuldades eles rolaram por 60 dias todos os empréstimos que os tomadores pediram. Já as empresas reclamam que os juros subiram. Um grande banqueiro diz que um dos maiores trabalhos para evitar o agravamento da crise foi o de dar liquidez aos fundos.
– Houve um movimento extraordinário de preços e nenhum fundo fechou. Por quê? O BC abriu linhas de compulsório e pediu que a gente desse liquidez aos fundos e nós fizemos isso. Compramos papéis deles. Eles compraram papéis de dois ou três anos mas deram resgate em 30 dias. Havia um descasamento entre prazos de resgate e prazos dos ativos.
Claro que eles mantêm em caixa de 10% a 15%. É suficiente em tempos de paz, mas não de guerra. Esta crise estourou todos os nossos cenários de estresse. De longe. Aí todo mundo buscou liquidez. Os fundos foram obrigados a vender papéis, mas ninguém queria comprar, não tinha preço. Os bancos então deram liquidez comprando esses papéis. É como enterrar cano, ninguém vê, mas tem efeitos concretos na economia.
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