- Folha de S. Paulo
Como há mal no mundo, um deus onisciente, onipotente e benevolente não existe
Domingo passado eu almocei duas vezes. Fi-lo porque comer é gostoso e para me contrapor ao jejum anticoronavírus convocado pelo presidente Jair Bolsonaro e por lideranças evangélicas. Se existe um deus com as características apregoadas pelas principais religiões monoteístas, então a culpa pela epidemia e o sofrimento que ela causa é toda dele —e parece inútil apelar para sua misericórdia.
O problema do mal, que já abordei neste espaço, é filosófico e, ao que tudo indica, foi levantado pela primeira vez por Epicuro (341 a.C.-270 a.C.). Numa formulação mais moderna e técnica, o argumento reza: se há um deus onisciente, onipotente e benevolente, então não existe mal. Ora, há mal no mundo.
Portanto, um deus onisciente, onipotente e benevolente não existe.
A forma lógica do raciocínio, "modus tollens", é impecável. Se as premissas são verdadeiras, a conclusão necessariamente também o é. Daí que, para esboçar uma resposta, é preciso negar a onipotência/onisciência de deus, ou sua benevolência ou a existência do mal.
Teólogos e filósofos teístas experimentaram um pouco de tudo. Especialmente entre os cristãos, é comum tentar resolver o imbroglio refugiando-se no livre-arbítrio humano —que não deixa de ser uma limitação do poder divino. Outra saída popular é jogar tudo para o além. A justiça divina se realiza mesmo é na próxima vida, na qual cada um receberá o que de fato merece. Assim, o que vemos hoje como mal não passa de uma ilusão de momento, que será sanada na eternidade.
Ainda que engenhosas, nenhuma dessas réplicas parece muito satisfatória. A solução mais econômica e elegante, creio, é aceitar a conclusão lógica de que não existe nenhum criador com as características que as religiões monoteístas lhe atribuem. A vantagem adicional desse caminho é que podemos comer à vontade e responsabilizar com mais veemência governantes pelas decisões que tomam.
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