- Folha de S. Paulo
Pandemia expõe a natureza do populismo de direita no mundo todo
A crise revelou os caráteres de nossas lideranças. Revelou que o Brasil não tem um líder, e sim um presidente covarde, que é não apenas irrelevante para o esforço coletivo de combate à epidemia, como sabota quem participa. O ministro Mandetta segue no cargo, por enquanto, tendo que passar pela indignidade de ser atacado por seu próprio chefe.
Mas além do caráter pessoal de cada liderança, a epidemia da Covid-19 nos revela a natureza do populismo de direita que cresceu no mundo todo.
No momento de necessidade, quando precisamos fortalecer os vínculos de solidariedade e cooperação (interna e internacional), a direita populista se despe de qualquer disfarce e se revela aquilo que sempre foi: a defesa do interesse do mais forte, ou seja, a lei da selva.
A conduta dos EUA neste momento é a de um verdadeiro pirata. Primeiro, quis comprar da Alemanha os direitos de monopólio sobre uma possível vacina. Agora age como um bandoleiro internacional em busca de insumos médicos da China, cortando quem tiver de cortar para colocar as mãos no butim.
Ironicamente, é a China, um país de governo autoritário e sem liberdade de imprensa, que adota a postura cooperativa de ajudar outros países a atravessar a crise, fornecendo médicos e equipamentos. É preocupante ver a China ocupar o espaço dos EUA na ordem mundial liberal que ele ajudou a criar; mas é a consequência direta do egoísmo americano atual.
O Brasil, nessa história, faz papel de palhaço. De um lado, cria desavenças gratuitas com a China. Que o ministro Weintraub não tenha sido sumariamente demitido depois do deboche vergonhoso que fez da China é um índice da miséria moral deste governo. Ela já começa a nos preterir na agenda de importações.
Do outro lado, se comporta como o cachorrinho de Trump, que como bom nacionalista jamais nos retribuirá. Em poucos dias, os EUA não só se apoderaram de insumos médicos que viriam para nós como já fechou com a China um contrato de venda de soja. Não nos damos bem na lei da selva global.
A mesma dinâmica se repete aqui dentro: enquanto grandes empresas como Itaú Unibanco e Magazine Luiza se colocam de maneira solidária e buscam ao mesmo tempo cumprir as regras e ajudar seus trabalhadores, o empresariado bolsonarista parte para uma insana campanha contra o isolamento social.
Como acreditar na preocupação social de Luciano Hang ou Junior Durski, se ao primeiro sinal de dificuldade eles já ameaçam demitir milhares de trabalhadores? E que solidariedade é essa, que quer forçar os mais pobres a escolher entre a fome e a doença?
O mesmo vale para os pastores alinhados ao poder: o contágio de seus fiéis não os preocupa; querem garantir o dízimo farto e ponto final. Foi essa a mentalidade que elegeu Bolsonaro: os mais fortes se impõem e os mais fracos que se virem.
A crise envolve sacrifícios de todos os lados, mas há um caminho claro: isolamento social e auxílio do governo; cooperação no esforço comum e solidariedade para quem precisa. Mas mesmo um mero ato de solidariedade é demais para quem julga ter o direito sacrossanto ao autointeresse irrestrito.
Em outros tempos, solidariedade, firmeza no cumprimento do dever e autossacrifício eram valores conservadores. Hoje, a direita que está no poder ostenta orgulhosa o egoísmo, do deboche e da psicopatia. Propõe, como resposta à epidemia, o “cada um por si”. Salve-se quem puder!
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
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