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Caneta cheia de tinta à espera do melhor momento
Atribuir aos militares a permanência de Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde seria supor que, se contrariados, eles derrubariam o presidente Jair Bolsonaro ou o abandonariam. Não fariam nem uma coisa nem outra.
Mandetta ficou porque as forças que queriam que ele ficasse foram por ora superiores às forças que queriam vê-lo decaído. A não ser que se acomode à situação, em parte alguma presidente da República vira Rainha da Inglaterra.
Bolsonaro não se acomodará. Não dá sinais disso. É o maior fabricante de crises que já vestiu a faixa presidencial. E assim continuará até o último dos seus dias na cadeira que é demasiada larga para ele. O prazo de validade de Mandetta acabou.
E daí que ele seja o mais popular dos ministros e que sua aprovação na pesquisa Datafolha (76%) tenha ultrapassado de longe a de Bolsonaro? E daí que apenas 18% dos brasileiros sejam contra a política de confinamento total defendida por Mandetta?
Bobagem imaginar que secou a tinta da caneta de Bolsonaro. Ou que o tsunami de mensagens postadas nas redes sociais a favor do ministro fará Bolsonaro recuar da decisão de mandá-lo embora. Assim como não se governa governador, não se preside presidente.
Bolsonaro pode ter-se transformado em um estorvo para o país, mas o ministro da Saúde tornou-se um estorvo para ele. Bolsonaro tem mandato de quatro anos, e sonha com outro de mais quatro. Mandetta não tem mandato. Um sopro de Bolsonaro o derruba.
Há muitas razões para que o derrube. A principal: Bolsonaro está convencido de que o coronavírus matará quem tiver de morrer, e que só a recuperação da Economia salvará suas chances de reeleição. Mandetta, antes de tudo, quer salvar vidas.
Bolsonaro sofre de complexo de inferioridade e não é de hoje. É desde os seus tempos como militar, agravado com o afastamento forçado do Exército por indisciplina e conduta antiética. A família Bolsonaro foi proibida de frequentar clubes e escolas militares.
Mandetta recusa-se a obedecer às ordens de Bolsonaro. E seu desempenho na luta contra o coronavírus promoveu-o à condição de o administrador e político mais admirado pelo país. O contraste com Bolsonaro é amplamente desfavorável ao presidente.
Acrescente-se a paranoia, talvez o traço mais forte e negativo da personalidade de Bolsonaro. Ele enxerga um adversário em cada esquina – adversário, não, inimigo. Só confia nos filhos e em mais ninguém. Só dá ouvido a eles e a alguns poucos amigos.
E se Mandetta for um agente do deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara, infiltrado no governo para criar problemas a Bolsonaro? Maia e Mandetta são do mesmo partido, o DEM. O presidente do Senado, David Alcolumbre, também é.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal? Ricardo Lewandowski é petista. Dias Toffoli, por mais que finja que não, é petista. Quem foi petista nunca mais deixa de ser. Edson Fachin é petista. Gilmar Mendes, tucano de carteirinha. Marco Aurélio Mello é ele mesmo.
Está tudo armado entre o Congresso e o Supremo para tentar apear Bolsonaro do poder. A ele só resta precaver-se mantendo sua tropa unida, paparicando os militares, mas não a ponto de se deixar tutelar, e bem dizendo a Deus para alegria dos evangélicos.
Assessores de Mandetta não só limparam, ontem, suas gavetas como limparam as do ministro. A portaria de Bolsonaro demitindo Mandetta estava pronta para ser publicada no Diário Oficial. Para poupar trabalho, recomenda-se que as gavetas continuem limpas.
O nome e o sobrenome de quem será o culpado pelo pior
Aposta errada
Garotos aprendem nos seus primeiros meses de bancos escolares que não se deve brigar com o garoto mais forte, mais bonito e mais popular da escola. O melhor é aliar-se a ele, fazer parte de sua turma e desfrutar de sua proteção. Ou então manter distância.
Se o enfrentamento for inevitável, há que se esperar o momento propício quando os ventos estiverem soprando em desfavor dele. Nada de precipitação. É aconselhável acumular forças atraindo outros garotos que também desgostam do garoto mais forte.
Foco, planejamento, organização, como ensina o ministro Henrique Mandetta, da Saúde. Mas a essa aula faltou o presidente Jair Bolsonaro que foi um aluno medíocre quando era apenas estudante. Destacava-se no aprendizado de educação física.
Seus anos na Câmara dos Deputados de pouco lhe serviram devido à sua limitada capacidade de aprender observando, uma vez que ler, estudar e fazer cursos nunca foi sua praia. Ali foi apresentado a esperteza barata de tentar tirar vantagem do que fosse possível.
A hora escolhida por Bolsonaro para livrar-se de Mandetta não poderia ter sido pior. Mandetta é o garoto mais forte, mais bonito e mais popular da escolinha da Esplanada dos Ministérios. Servidores o tratam como o herói que venceu mais uma batalha.
Se, lá atrás, Bolsonaro tivesse se aliado a ele, não estaria ladeira a baixo. Mas fez a aposta errada ao preferir salvar a Economia ao invés de salvar vidas, ao eleger governadores como seus inimigos, e ao encantar-se com uma poção mágica capaz de derrotar o vírus.
Se desse errado a política de confinação total, de exames, exames e exames e de socorro à Economia com a injeção de muito dinheiro, não seria culpado. Parte da culpa recairia em Mandetta e nos governadores. Bolsonaro escaparia ileso ou quase.
Agora é tarde. Se o coronavírus não provocar por aqui a mortandade que tanto se teme, o mérito será dos governadores e de Mandetta, mesmo que o ministro já não seja ele. Se provocar, o culpado tem nome e sobrenome: Jair Messias Bolsonaro.
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