- Revista Época
O sistema bancário brasileiro já é muito concentrado. Na ausência de um Banco Central atuante em meio a uma crise de magnitude inédita, o risco de concentração aumenta brutalmente
Bancos. Todo mundo tem uma opinião formada sobre os bancos. Geralmente, essa opinião não é das melhores. “Os bancos têm lucros excessivos e não deveriam receber dinheiro do Banco Central.” “Os bancos esfolam as pessoas; por que estamos dando dinheiro para eles?” Muitos bancos têm, sim, lucros excessivos. Muitos bancos praticam, sim, spreads bancários elevados, ou seja, trabalham com uma diferença grande entre a taxa sobre o passivo (depósitos) e os ativos (empréstimos). Essas são distorções existentes no mercado bancário brasileiro, que sofre de elevado grau de concentração. Contudo, elas não justificam afirmar que o Banco Central não deve exercer seu papel de garantidor da estabilidade financeira, sobretudo em momento de crise sem precedentes, como o atual.
Dia desses resolvi dar, em meu canal do YouTube, uma explicação técnica sobre o papel dos bancos. O tema é árido e não há como torná-lo sedutor, aprazível, palatável, ainda que possa dar gosto entendê-lo. É verdade que, ao contrário do papel, o vídeo permite usar recursos visuais para tornar o tema mais atraente. Por exemplo, é possível recorrer a desenhos, em meu caso manuais, para explicar um conteúdo teórico denso. Mas tentarei descrever o cerne do argumento teórico aqui.
“Considerem uma situação em que não há bancos”
Há alguém — um empreendedor — com uma ideia boa na cabeça, mas sem dinheiro na mão. Esse empreendedor quer, por exemplo, fabricar respiradores mecânicos em escala e precisa de um empréstimo para isso. Evidentemente, o projeto trará ganhos para a sociedade. Sem um banco, esse empreendedor dificilmente conseguirá obter junto às pessoas o volume de recursos de que necessita. Por quê? Porque há o que chamamos de assimetria de informação: o empreendedor sabe mais sobre a chance de sucesso de seu projeto do que o punhado de pessoas que o venha financiar diretamente. Há outro problema: o projeto é de longa maturação. Isso significa que quem decidir financiar o empreendedor terá de deixar o projeto chegar ao final para receber o retorno esperado. Portanto, o financiamento direto exigiria das pessoas a capacidade de nada receber por um tempo maior do que elas talvez possuam. E se, por exemplo, ficarem desempregadas antes de o projeto se concretizar? Uma vez investido o dinheiro, não há como o empreendedor devolvê-lo — a isso damos o nome de “iliquidez”. O projeto, em suma, é ilíquido.
Entra o banco. O banco recolhe depósitos de todos, mas guarda em caixa uma fração do que coleta para aquelas pessoas que possam precisar de dinheiro antes da fábrica de respiradores operar a pleno vapor. O restante, o banco empresta ao empreendedor. Vejam o papel social duplo que o banco cumpriu: para a sociedade, agora haverá uma nova fábrica de respiradores. Para os depositantes que podem esperar, haverá uma renda em forma de retorno que talvez não houvesse. A existência do banco permitiu que o investimento fosse feito, gerando ganhos para a economia. Sim, esse exemplo é reducionista, mas capta a essência do papel do banco.
Agora vejam: por construção, o banco nunca tem em caixa todo o estoque de depósitos nele depositado, já que empresta uma parte. Essa parte não tem liquidez. Se ocorrer algo na economia que faça todos acreditarem que o banco não será capaz de ressarcir os depósitos antes de terminar o prazo de maturação do investimento, haverá uma corrida bancária. Por definição, algumas pessoas receberão seu dinheiro de volta; outras, não. É para evitar isso que o Banco Central faz o que chamamos de “injeções de liquidez”, termo que, em bom português, significa “dar dinheiro para os bancos”. Se o Banco Central nada fizer, perdem os bancos, sim. Mas sabem quem mais perde? O pequeno depositante que havia colocado lá seu dinheiro. Ou seja, perdem todos.
Há mais. O papel do Banco Central nessas horas é sistêmico, isto é, ele tem de preservar o ecossistema bancário, que inclui bancos grandes, pequenos e médios. Como escrevi no início do artigo, o sistema bancário brasileiro já é muito concentrado. Na ausência de um Banco Central atuante em meio a uma crise de magnitude inédita, o risco de concentração aumenta brutalmente. Afinal, as primeiras instituições a quebrar serão as pequenas e médias. Se a concentração bancária aumentar, adivinhem o que acontece? Os lucros bancários pós-crise serão ainda maiores, os spreads ainda mais elevados, as distorções ainda mais severas.
Portanto, é um argumento falacioso aquele que vê na superfície uma apelação tentadora, sedutora, até. Em se tratando de bancos, não há sedução possível. Fujam de tudo que lhes pareça óbvio demais.
*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins
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