É inequívoca a contribuição de Bolsonaro para ampliar tragédia sanitária sem precedentes
O Brasil ultrapassou no sábado a marca fatídica dos 50 mil mortos pela Covid-19, doença a que o presidente Jair Bolsonaro se referiu em março como uma “gripezinha”. Não é um número estático, pois, considerando a marcha insana do novo coronavírus pelos rincões do país, trata-se de uma tragédia inacabada, e que, portanto, ainda nos reserva altas doses de horror. É como se, entre 16 de março, quando o país registrou o primeiro óbito, e anteontem, desaparecesse uma cidade pouco maior que Paraty (43.165 moradores), município na Costa Verde fluminense que sedia a Feira Literária Internacional (Flip). Ou, para ficar no campo das tragédias, sofrêssemos quase 200 desastres como o da Barragem de Brumadinho (259 mortos). Ou ainda 50 dilúvios como o que devastou a Região Serrana do Rio em 2011, matando quase mil pessoas.
Sim, o Brasil é um país de dimensões continentais, com uma população que já passa dos 211 milhões. Pode-se alegar que o dado é coerente com a demografia — não demorarão a aparecer cálculos para mostrar que, na relação mortes por habitante, não estamos tão mal. Balela. Berço da epidemia, a China, com 1,4 bilhão de habitantes, soma menos de 5 mil mortos, número inferior aos óbitos registrados apenas na cidade do Rio. A Índia, com população de 1,3 bilhão, tem cerca de 13 mil baixas.
Esse número se explica de muitas formas. A verdade é que governo federal, estados e municípios falharam em conter a transmissão da doença. Embora governadores e prefeitos, amparados por decisão do STF, tenham decretado medidas de restrição de circulação, mesmo contra a vontade de Bolsonaro, apenas isso não se mostrou suficiente. Em alguns lugares, como no Rio de Janeiro, inépcia administrativa e corrupção se juntaram para degradar os esforços de combate à pandemia.
De qualquer forma, é inequívoca a contribuição de Bolsonaro para que o Brasil atingisse esse número nefasto. A começar pela decisão de minimizar a mais letal pandemia dos últimos cem anos. O discurso dúbio, pregando contra o isolamento, única forma de frear a transmissão, o esvaziamento do Ministério da Saúde em momento crucial — está há mais de um mês sem titular —, o desprezo pela Ciência e pelas diretrizes da OMS, a insistência na cloroquina, apesar da comprovada ineficácia contra a Covid-19, a inócua tentativa de manipular estatísticas, a sucessão de crises que se somam à sanitária, o desgoverno, tudo isso explica por que chegamos a esse ponto.
O que mais assusta é que, segundo especialistas e a própria OMS, o Brasil — país com o segundo maior número de mortes no mundo, atrás dos EUA — não atingiu ainda o pico da epidemia. Significa que a curva do número de vítimas continua sua escalada mórbida, ao ritmo de cerca de mil mortes a cada dia — ontem já eram 50.659. Sem falar nas subnotificações, que sugerem dados ainda mais expressivos — conforme reportagem do GLOBO de ontem, já estariam perto de 70 mil. Nesse sentido, infelizmente, a triste marca alcançada sábado é apenas mais uma estação nessa via crucis imposta aos brasileiros.
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