terça-feira, 22 de dezembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Mesmo na crise, há opções – Opinião | O Estado de S. Paulo

A lição de 2016 revela que os caminhos estão disponíveis. Cabe ao presidente escolher como será o restante de seu mandato

Próximo a completar dois anos, o governo de Jair Bolsonaro tem diante de si enormes desafios. O País atravessa uma forte crise social, econômica e sanitária, agravada por uma situação fiscal muito difícil e um cenário político fragmentado e conturbado. Além disso, as oportunidades perdidas e as confusões criadas ao longo da primeira metade do mandato não fornecem muitos motivos para otimismo em relação aos dois anos que faltam. Sem nenhum exagero, o quadro atual é preocupante. Veja-se, por exemplo, a situação do emprego. No trimestre terminado em agosto, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua registrou taxa de desemprego de 14,4%, o pior porcentual da série histórica, iniciada em 2012.

Com tal situação, pode-se ter a ideia de que os próximos dois anos estão inexoravelmente fadados ao fracasso. Vale, então, recordar o alerta feito pelo ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, em recente artigo no Estado (Faltam dois anos, 8/11). “Situações difíceis não são sinônimo (...) de falta de opções.”

Pedro Malan não falava de uma ideia alentadora, mas irreal. Referia-se concretamente ao dificílimo ano de 2016. “O governo Temer teve início sob situação extraordinariamente adversa. O investimento havia começado a declinar no terceiro trimestre de 2013, a recessão começara em abril de 2014. 2016 seria o terceiro ano de déficit primário e a pressão estrutural por gastos públicos era crescente”, lembrou. No entanto, mesmo com esse cenário, o presidente Michel Temer foi capaz de fazer opções. “A primeira, na área econômica, envolvia (...) escolher pessoas certas para posições-chave, que, por sua vez, pudessem atrair e reter outros profissionais competentes. Na área política, criar base de sustentação no Congresso e com isso definir agenda legislativa que atendesse a prioridades claras.”

As opções do governo de Michel Temer produziram resultados significativos para o País. Com apoio e coordenação do Executivo, o Congresso aprovou a PEC do Teto dos Gastos, a reforma trabalhista e a reforma do ensino médio. Ainda que não tenha sido votada a reforma da Previdência, o caminho político para sua aprovação foi efetivamente aberto, como se pôde constatar em 2019, com a Emenda Constitucional (EC) 103, alterando as regras previdenciárias.

Assim, a lição de 2016 revela que, por mais grave que seja a crise, o presidente da República sempre tem opções e caminhos possíveis. Essa realidade tem duas consequências imediatas. Em primeiro lugar, significa que o presidente Jair Bolsonaro não precisa simplesmente repetir o que fez na primeira metade do mandato. Ele pode fazer diferente. Se quiser, poderá adotar outras decisões, que gerarão outras consequências. Ou seja, o governo dos próximos dois anos não tem de ser mera cópia do que foi em 2019 e 2020.

Se o presidente Jair Bolsonaro quiser, ele pode ser nos próximos dois anos apoio efetivo para as reformas de que o País precisa. Ele pode, por exemplo, colaborar para que o Congresso faça uma boa reforma tributária e uma boa reforma administrativa. Pode também contribuir de forma decisiva para uma melhora da assistência social do Estado, melhorando a estrutura, a racionalidade e a eficiência dos programas sociais. E o mesmo se aplica a muitos outros temas, como saúde, educação, saneamento básico, infraestrutura logística, abertura econômica e inserção internacional do País nas cadeias de produção.

Em segundo lugar, o reconhecimento de que, mesmo na crise, existem opções para o governante significa assumir responsabilidades. Se os próximos dois anos não estão definidos – há caminhos de compromisso com o interesse público e há também caminhos de omissão, de populismo, de confusão –, o que ocorrerá na segunda metade do mandato não é decorrência apenas da pandemia, da crise econômica deixada pelo PT ou de decisões do Congresso. Será também, de forma muito direta, o resultado das opções que o presidente Jair Bolsonaro fizer.

Os caminhos estão disponíveis. Cabe ao presidente escolher como será o restante de seu mandato.

O custo do labirinto tributário – Opinião | O Estado de S. Paulo

Empresas brasileiras gastam 2 mil horas, em média, para cumprir obrigações tributárias

Entre janeiro e setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou 37 recursos em matéria de direito tributário, dos quais 31 foram decididos em favor da Fazenda Nacional. O número de causas tributárias julgadas nesses nove meses foi maior do que o da soma dos três últimos anos. Com as 31 decisões favoráveis à União, a Corte evitou uma saída estimada em R$ 500 bilhões do Tesouro Nacional, num período de escassez de recursos fiscais. 

Esses julgamentos têm duas facetas. Se por um lado as decisões favoráveis à Fazenda são importantes para o controle das contas públicas, em tempos de pandemia, por outro dão a dimensão do grau de incerteza jurídica em que vivem os contribuintes, dado o cipoal normativo no campo do direito tributário. Segundo relatório do Tribunal de Contas da União sobre a burocracia para o cumprimento de obrigações tributárias, atualmente há mais de 26 mil normas em vigor nesse campo do direito. 

O relatório também mostra que, desde a promulgação da Constituição, há 32 anos, as matérias tributárias foram objeto de 15% das emendas constitucionais, de 19% das leis ordinárias e complementares e de 27% das medidas provisórias. Além disso, só em 2017 a Receita Federal publicou 3 mil atos normativos, entre portarias, instruções e pareceres. A situação não é diferente nos Estados, onde a legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) já foi alterada mais de 500 vezes, entre 2013 e 2017.

Outros levantamentos revelam que, da data de promulgação da Constituição aos dias de hoje, o governo federal editou 20 normas por dia útil, em média, das quais 4 são da área tributária. Nos meios jurídicos, estima-se que, para conhecer a legislação tributária brasileira, um advogado tem de ler 327 mil artigos com 763 mil parágrafos, 2,4 milhões de incisos e 321 mil alíneas. Diante dessa enxurrada de dispositivos, para evitar autuações as empresas têm de contratar mais tributaristas e de usar softwares específicos, o que as obriga a transferir recursos da atividade-fim para custear atividades-meio. Segundo o relatório Doing Business, do Banco Mundial, as empresas brasileiras gastam anualmente 2 mil horas, em média, para cumprir obrigações tributárias. Na América Latina, a média é de 317 horas. O custo anual das empresas brasileiras com pessoal técnico e robôs para acompanhar as modificações da legislação é de R$ 162 bilhões.

A insegurança causada pelo labirinto tributário brasileiro é um dos fatores responsáveis pela enxurrada de ações não apenas nos órgãos administrativos, como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, vinculado ao Ministério da Economia, mas também no Poder Judiciário. Essas ações envolvem litígios que totalizam cerca de R$ 800 bilhões – o equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB).

O mais grave é que esse quadro de insegurança jurídica pode aumentar ainda mais. Em vez de reformar um sistema tributário confuso e pouco funcional, dado o número excessivo de regras, o Ministério da Economia está mais preocupado em criar e aumentar impostos, a pretexto de promover uma reforma tributária. Ao mesmo tempo que defende a criação de tributos ineficientes, como uma CPMF travestida de imposto sobre operações digitais, ele é omisso no que se refere à desburocratização do sistema tributário. Também não vai além do discurso quando tem de lidar com o problema das concessões de excepcionalidades tributárias a certos setores econômicos. Essas concessões podem até ser justificadas como forma de incentivo, mas aumentam a complexidade do sistema tributário, tornando-o ainda mais ineficiente. 

Por isso, a vitória da Fazenda Nacional em 31 dos 37 recursos em matéria tributária que foram julgados entre janeiro e setembro pelo Supremo não deve ser vista apenas pela economia que propiciou ao Tesouro. Também tem de ser encarada como reflexo de um sistema tributário cuja anacrônica operacionalidade custa um alto preço pago não só pelas empresas, mas por toda a sociedade. 

O Censo da Educação Superior – Opinião | O Estado de S. Paulo

Ensino virtual vem crescendo, sem, contudo, melhorar a qualidade da educação

O Censo da Educação Superior de 2019, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), mostrou que nos últimos dez anos o número de matrículas aumentou 43,7%, passando de 5,9 milhões para 8,6 milhões. Desse total, 75,8% dos alunos de graduação estudam em instituições privadas e os 24,2% restantes cursam universidades públicas. 

Ainda que em termos quantitativos o aumento do número de universitários seja uma informação importante, do ponto de vista qualitativo ele tem de ser visto com cuidado. Entre outros motivos, porque o Censo detectou que, de dez alunos que ingressaram no primeiro ano do ensino superior em 2019, quatro optaram por se matricular em cursos de graduação a distância. 

O Censo também revela que as matrículas no ensino a distância vêm crescendo a cada ano, enquanto as dos cursos presenciais vêm se reduzindo. Em 2009 o número de ingressantes nos cursos virtuais representava 16,1% do total de calouros no ensino superior. Em 2018, já eram 39,8% do total. E, no ano passado, foram 43,8%, o que equivale a cerca de 1,6 milhão de estudantes. Por causa da pandemia, as estimativas são de que o próximo Censo registrará um crescimento ainda mais vigoroso do ensino remoto em todos os anos da graduação, uma vez que a política de isolamento suspendeu as aulas presenciais em todo o País. 

Com relação a 2019, o Censo revela que a escolha do ensino remoto foi mais expressiva entre os calouros das universidades privadas, chegando a 50,8% do total, enquanto o número de matrículas no primeiro ano do ensino presencial caiu. Isso mostra que as universidades privadas vêm apostando na educação virtual. 

Esses números causam preocupação entre os especialistas em ensino superior. Em primeiro lugar, porque a educação presencial é sabidamente mais eficiente do que a virtual, em termos de aprendizagem dos alunos. E, em segundo lugar, porque a qualidade do ensino nas universidades privadas é mais baixa do que nas universidades públicas. Segundo o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) de 2019, divulgado pelo Inep dias antes da publicação do Censo, só 1% dos cursos de graduação das universidades particulares obteve a nota máxima – ante 24% nas universidades federais.

Além disso, há outro ponto que já vinha sendo duramente criticado pelos especialistas em ensino superior. Em dezembro do ano passado, o MEC baixou uma polêmica portaria, autorizando as instituições de ensino superior a ampliar para até 40% a carga horária do ensino remoto nos cursos presenciais de graduação, inclusive nas áreas das engenharias e saúde (com exceção de medicina). Essa era uma antiga aspiração dos grupos educacionais privados, uma vez que as plataformas digitais permitem cortar gastos com a demissão de professores e redução dos custos com espaços físicos. 

Outra informação importante do Censo diz respeito às licenciaturas, cuja função é formar professores. Segundo o levantamento, um em cada cinco estudantes do ensino superior está matriculado em cursos de licenciatura. E mais da metade estuda, justamente, em instituições particulares, cujo ensino é em geral fraco. A má formação dos futuros docentes sempre foi um dos principais obstáculos para a melhoria da educação básica. 

Ao anunciar o Censo, as autoridades educacionais asseguraram que a distância entre o ensino presencial e o virtual não será tão grande, em matéria de aprendizagem. Alegaram que esses cursos se destinam a realidades diferentes e públicos com perfil socioeconômico distinto. De fato, os alunos do ensino virtual são, em média, mais velhos e trabalham durante o dia. Contudo, se for tomado pelo seu valor de face, esse argumento é uma justificativa para um nivelamento por baixo do ensino superior. Isso explicaria por que o Brasil há muito vem perdendo a corrida educacional, não conseguindo formar o capital humano de que necessita para ganhar mais espaço nos mercados mundiais. 

O equilíbrio fiscal em risco no Congresso – Opinião | O Globo

Projetos que tramitam sem alarde poderão comprometer as finanças do Estado por até uma década

A proposta do Orçamento de 2021 já prevê um déficit primário de quase R$ 250 bilhões, sem considerar projetos que tramitam no Congresso, acompanhados com atenção pelo Tesouro. São, no conjunto, uma bomba fiscal de alto poder de destruição. A recessão da pandemia levou os parlamentares a aprovar linhas bilionárias de ajuda para estados e municípios, programas de apoio a empresas e auxílio emergencial a cidadãos. Era necessário. Mas a busca incessante de governadores e prefeitos por recursos da União embute um risco fiscal nada pequeno.

Relatório do Tesouro Nacional calcula que o pacote de projetos de socorro a estados e municípios poderá custar à União R$ 589 bilhões em dez anos. É indiscutível que esses entes federativos não têm como se reerguer sem a ajuda do governo federal. Mas tudo depende das condições do socorro. Depende, sobretudo, das contrapartidas exigidas — e de serem ou não cumpridas. O socorro a estados e municípios em apuros pode até ser inevitável, mas não a qualquer preço.

Já foi aprovada neste mês a flexibilização do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), criado pelo próprio Tesouro. As condições iniciais de adesão e contrapartidas só permitiram o credenciamento do Rio de Janeiro. Com as mudanças, o RRF poderá abrigar outros estados. Passou também pelo Congresso um projeto de lei complementar derivado do “Plano Mansueto”— assim chamado por ter sido lançado pelo ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida —, para ajudar municípios, não abrangidos pelo RRF. Como se trata de auxílios voltados ao alívio das dívidas de governos, por meio de empréstimos com aval da União, não há impacto direto nos gastos do Tesouro. Mas isso não significa que deixem de representar uma ameaça para um endividamento público já astronômico.

Outras ameaças estão em gestação no Parlamento. Entre elas, o relatório do Tesouro cita a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que estabelece uma transferência adicional de 1% ao Fundo de Participação dos Municípios na arrecadação de impostos federais (basicamente Imposto de Renda e sobre Produtos Industrializados). Custará R$ 35,2 bilhões em uma década. A PEC já foi aprovada no Senado e em um dos dois turnos da Câmara.

Outra PEC amplia o Fundo de Participação dos Estados, aumentando de 21,5% para 26% a alíquota que incide sobre a arrecadação dos impostos federais para calcular os recursos transferidos ao fundo. Nesse caso, a conta para a União será de R$ 165,7 bilhões em uma década. Apoiam a proposta 30 senadores, entre eles alguns da base do governo.

O momento é politicamente delicado no Congresso, ocupado com os embates sobre os futuros presidentes de Câmara e Senado. Mas é preciso que lideranças lúcidas impeçam que se comprometa hoje, por ao menos mais uma década, uma segurança fiscal que já está longe de garantida. Preocupa que nem o presidente nem sua base parlamentar, o Centrão, demonstrem muito apreço pela responsabilidade fiscal.

É preciso rigor para combater o racismo no futebol brasileiro – Opinião | O Globo

Bahia agiu rápido afastando o jogador acusado de ofensas racistas, e CBF promete investigar

Flamengo e Bahia fizeram, na noite de domingo, no Maracanã, uma partida espetacular pelo Campeonato Brasileiro, considerada uma das mais eletrizantes de toda a competição. Mas nem os sete gols, alguns belíssimos, nem as duas viradas sensacionais foram o mais importante no jogo, vencido pelo rubro-negro por 4 a 3. Tristemente, o fato mais marcante da disputa foi uma denúncia de racismo feita por Gerson, volante do Flamengo.

O jogador rubro-negro acusou o colombiano Índio Ramírez, do Bahia, de lhe ter dirigido ofensas racistas. “Quando tomamos um gol, o Bruno Henrique ia chutar uma bola, o Ramírez reclamou e fui falar com ele, que disse: ‘Cala a boca negro’”, relatou Gerson. O episódio, ocorrido aos 7 minutos do segundo tempo, causou enorme confusão. O bate-boca envolveu jogadores e até o técnico do Bahia, Mano Menezes, demitido após a partida.

Chama a atenção que o árbitro, Flavio Rodrigues de Souza, tão ágil em expulsar Gabigol, do Flamengo, e Daniel, do Bahia, ao se sentir ofendido pelos dois, tenha passado batido pelas acusações graves de racismo diante de seus olhos. É como se alguém a quem cabe ditar as regras da partida pudesse lançar para escanteio um crime cometido no meio do gramado.

A indignação de Gerson viralizou nas redes. Não fosse o time profissional do Flamengo, a repercussão seria a mesma? No ano passado, o goleiro rubro-negro Hugo Souza disse ter sido chamado de “macaco” na final do carioca sub-20, contra o Vasco. Ficou por isso mesmo. Também em 2019, o zagueiro Miranda, da equipe sub-20 do Vasco, disse ter sofrido injúria racial na partida contra o Independiente, pela Copa RS Sub-20. O caso parou por aí.

Desta vez, contudo, a reação dos clubes foi encorajadora. O Bahia agiu prontamente. Demitiu Menezes, afastou Ramírez e prestou solidariedade a Gerson. Diversas equipes, como Vasco da Gama, Fluminense e Botafogo, repudiaram a atitude. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pediu à procuradoria do Superior Tribunal de Justiça Desportiva a abertura imediata de uma investigação sobre o caso.

As instituições enfim se movem para coibir a prática odiosa que cobre de vergonha os gramados, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Em 2014, quando jogava pelo Barcelona, Daniel Alves fez um protesto solitário contra o racismo comendo uma banana atirada por um torcedor. Recentemente, jogadores do PSG e do Istanbul Basaksehir simplesmente deixaram o campo após ofensas racistas dirigidas pelo quarto árbitro a um integrante da comissão técnica turca. Tais episódios não podem mais prosperar. “O cala boca negro é justamente o que não vai mais acontecer”, disse Gerson. Que suas palavras sejam ouvidas.

Sem auxílio – Opinião | Folha de S. Paulo

Fim do benefício emergencial gera incerteza; ação social deve ser redesenhada

Com o cinismo usual, o presidente Jair Bolsonaro encenou mais uma pantomima ao jogar sobre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) a responsabilidade por não ter sido aprovado um 13º pagamento para os beneficiários do Bolsa Família.

O ilusionismo não durou mais do que algumas horas, quando a própria base de apoio do Palácio do Planalto se ocupou de obstruir a votação de uma medida provisória que poderia tratar do tema.

A MP, editada em setembro, dizia respeito à prorrogação do auxílio emergencial no valor de R$ 300 até o final do ano. Nunca foi a voto devido ao medo do próprio governo de que os parlamentares elevassem o valor do benefício.

Com o fim do estado de emergência —que permitiu que as despesas com a pandemia ficassem fora do teto constitucional— em 31 de dezembro, a discussão em torno da MP é, na prática, ociosa.

A legalidade de novos pagamentos dependeria de rearranjo no Orçamento, mas o governo não se interessou em fazer as escolhas necessárias e levá-las ao Congresso.

Assim como nunca quis de fato o 13º do Bolsa Família, Bolsonaro não se preocupou em construir técnica e politicamente uma alternativa ao fim do auxílio emergencial.

Foram meses de hesitações, ora com menções a programas grandiosos fora do teto de gastos e custeados por novos impostos, ora com negativas peremptórias.

Agora, no apagar de 2020, não restam mais do que cerca de R$ 29 bilhões —menos de 10% do montante total autorizado para o auxílio— em desembolsos que ficarão para 2021, segundo estimativa da Instituição Fiscal Independente.

A esperança é que a retomada da economia, já em andamento, e a poupança acumulada com os pagamentos facilitem uma transição não muito traumática.

As incertezas se concentram no primeiro trimestre de um ano que, acredita-se, tende a ser mais favorável —com as expectativas para o crescimento da economia a rondar os 3,5%, ainda modestos diante da queda de mais de 4% em 2020.

O episódio deixou mais evidente a necessidade de aperfeiçoar os programas de renda. A sociedade civil entrou no debate com ampla gama de estudos e alternativas.

Um deles, elaborado com apoio do Centro de Debates de Políticas Públicas, defende ampliar e melhorar a focalização do Bolsa Família, além da criação de um seguro de renda para trabalhadores informais e de uma modalidade de poupança vinculada à educação.

A proposta já é debatida no Senado, com o nome de Lei de Responsabilidade Social e previsão de remanejamento de recursos orçamentários dentro do teto de gastos. Não será surpresa se o governo andar a reboque do Legislativo mais uma vez nessa seara.

Racismo em campo – Opinião | Folha de S. Paulo

Mostras de preconceito no futebol, recorrentes, são cada vez menos toleradas

Manifestações racistas resistem no cotidiano do futebol e de outros esportes, como ficou evidenciado mais uma vez neste 2020.

Verdade que a ausência de torcida nos estádios durante a maior parte da temporada calou o preconceito que costuma emanar das arquibancadas. Esse silêncio forçado, porém, teve o efeito de jogar luz sobre a discriminação que ocorre dentro das quatro linhas.

Apenas em dezembro, dois casos ganharam repercussão. O mais recente ocorreu no domingo (20), no jogo entre Flamengo e Bahia, pelo Campeonato Brasileiro. Na partida, Gerson, jogador do clube carioca, acusou com indignação o colombiano Índio Ramirez, da equipe adversária, de insulto racista.

O outro episódio se deu no dia 8, no confronto europeu entre o Paris Saint-Germain e o Istanbul Basaksehir, quando o quarto árbitro teria ofendido um integrante da comissão técnica do clube turco.

A reação, nesse caso, foi não só exemplar como histórica. Os times deixaram o campo em protesto, recusando-se a continuar a partida.

Embora atos racistas pareçam mais disseminados num continente marcado por tensões étnicas como a Europa, é errado imaginar que no Brasil, por ser um país miscigenado e no qual jogadores negros se destacaram como protagonistas, eles não seriam comuns.

Não só são como não dão sinal de queda. Segundo o Observatório da Discriminação Racial no Brasil, 67 jogadores foram alvo de preconceito no país em 2019. O número é 235% maior do que o registrado em 2014, quando esse tipo de ataque começou a ser monitorado.

Apesar da profusão de casos, as recentes reações de jogadores mostram que episódios dessa natureza vão deixando de ser tolerados.

As próprias normas do esporte já refletem esse espírito. O novo Código Disciplinar da Fifa, instituição máxima do futebol, prevê medidas disciplinares para coibir discriminação de qualquer tipo, inclusive étnico-racial.

É indispensável, ao mesmo tempo, que se aplique a lei. No Brasil, não apenas a Constituição veta a discriminação com base em sexo, raça ou religião como existe legislação que penaliza criminalmente ofensas racistas e homofóbicas.

Os transgressores, pois, devem ser julgados e punidos. Fundamental também é que as próprias entidades esportivas ajam. Os tempos, felizmente, mudaram.

Pandemia agrava fraquezas em IDH e competitividade – Opinião | Valor Econômico

Brasil tem a segunda maior concentração de renda do mundo, ficando atrás apenas do Qatar

Dois novos estudos globais ajudam a dimensionar os gigantescos desafios que o Brasil terá que enfrentar assim que superar a crise sanitária causada pela pandemia do novo coronavírus. Um deles é o do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pela Organização das Nações Unidas (ONU); e o outro é a avaliação de como um grupo de quase quatro dezenas de países podem emergir da crise, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês).

O levantamento feito pela ONU mostra que o Brasil já entrou em desvantagem na pandemia na comparação com os demais países, no ranking do IDH, que leva em consideração saúde, educação e distribuição de renda. Apesar de ter melhorado ligeiramente sua pontuação, de 0,761 de 2018 para 0,765 pontos em 2019, o Brasil caiu cinco posições no ranking atual, recuando do 79º para o 84º lugar entre 189 países avaliados. O simples motivo é que os outros países avançaram mais.

A Colômbia, por exemplo, que estava empatada com o Brasil em 2018, ficou um posto à frente no ano passado. Até a Argentina em aguda crise econômica, fica à frente, no 46º lugar. O IDH do Brasil é também menor do que o do Chile, do Uruguai e do Peru. Na América Latina, está à frente apenas do Suriname, Paraguai, Bolívia, Venezuela e Guiana.

Os dados da ONU mostram que é a falta de avanços na educação que está afetando o desempenho do Brasil. O período em que as pessoas ficam na escola estagnou em 15,4 anos desde 2016. A média de tempo de estudo foi de 7,8 anos em 2018 para 8 anos em 2019. Já a expectativa de vida era de 75,9 anos em 2019, um pouco maior que a registrada um ano antes (75,7). Em 2015, eram 75 anos. A renda per capita anual também não ajuda: era de US$ 14.775 em 2015, quando começou o recente período recessivo, desabou para US$ 14.182 em 2018 e recuperou um pouco para US$ 14.263 em 2019.

Quanto o ranking é ajustado levando em conta a igualdade social de acordo com o índice de Gini, a posição do Brasil despenca 20 pontos, para o 104º lugar. O índice de desigualdade de renda do Brasil é maior do que a média da América Latina, aponta o levantamento. A parcela dos 10% mais ricos do país concentra 42,5% da renda total; e o 1% mais rico abocanha 28,3% da renda. É a segunda maior concentração do mundo, ficando atrás apenas do Qatar, que tem 29% da riqueza nas mãos de 1%.

O Fórum Econômico Mundial complementa a análise ao expor como executivos avaliam que 37 países vão sair da crise sanitária, levando com conta o ambiente, novos mercados, inovação e capital humano, desdobrados em onze áreas. O Brasil fica abaixo da média em todos os pontos, segundo as entrevistas. O Brasil é o segundo pior país, quando se examina o currículo abordado na educação e sua preocupação em oferecer a qualificação necessária para o mercado de trabalho do futuro, ficando à frente só da Grécia.

Segundo o relatório do WEF, os países têm que oferecer uma educação focada nas habilidades necessárias para os empregos e “mercados de amanhã”. Requalificação, aprimoramento e atualizações de currículos de educação são fundamentais para preparar os trabalhadores e alcançar a prosperidade inclusiva, sublinha o WEF. A educação formal tradicional não é mais suficiente para fornecer oportunidades de emprego e construir capital humano. Os sistemas educacionais devem ser atualizados para fornecer habilidades digitais e de pensamento crítico, bem como aprendizagem contínua e qualificação por meio de programas públicos e privados.

O Brasil também fica entre os três piores países em termos de confiança no governo e corrupção, só atrás do México e da Rússia. A pesquisa do WEF constatou que os executivos avaliam que as instituições públicas não possuem princípios de governança sólidos e visão de longo prazo, nem inspiram confiança entre os cidadãos. Para o Fórum, as instituições precisam ser cada vez mais transparentes e eficientes e trabalhar pela equidade.

A pandemia terá impacto devastador nesses números, que já partem de patamares ruins. Pela primeira vez, o Programa da ONU para Desenvolvimento (Pnud) prevê uma queda no IDH global e o Brasil não será exceção. A pandemia afetou fortemente as três dimensões analisada -- saúde, educação e PIB. Tudo reforça a necessidade de mudanças, que já deveriam ter começado, especialmente no campo da educação, que tem a vantagem de repercutir diretamente na redução da desigualdade.

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