A
lição de 2016 revela que os caminhos estão disponíveis. Cabe ao presidente
escolher como será o restante de seu mandato
Próximo a completar dois anos, o governo de Jair Bolsonaro tem diante de si enormes desafios. O País atravessa uma forte crise social, econômica e sanitária, agravada por uma situação fiscal muito difícil e um cenário político fragmentado e conturbado. Além disso, as oportunidades perdidas e as confusões criadas ao longo da primeira metade do mandato não fornecem muitos motivos para otimismo em relação aos dois anos que faltam. Sem nenhum exagero, o quadro atual é preocupante. Veja-se, por exemplo, a situação do emprego. No trimestre terminado em agosto, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua registrou taxa de desemprego de 14,4%, o pior porcentual da série histórica, iniciada em 2012.
Com
tal situação, pode-se ter a ideia de que os próximos dois anos estão
inexoravelmente fadados ao fracasso. Vale, então, recordar o alerta feito pelo
ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, em recente artigo no Estado (Faltam dois
anos, 8/11). “Situações difíceis não são sinônimo (...) de falta de
opções.”
Pedro
Malan não falava de uma ideia alentadora, mas irreal. Referia-se concretamente
ao dificílimo ano de 2016. “O governo Temer teve início sob situação
extraordinariamente adversa. O investimento havia começado a declinar no
terceiro trimestre de 2013, a recessão começara em abril de 2014. 2016 seria o
terceiro ano de déficit primário e a pressão estrutural por gastos públicos era
crescente”, lembrou. No entanto, mesmo com esse cenário, o presidente Michel
Temer foi capaz de fazer opções. “A primeira, na área econômica, envolvia (...)
escolher pessoas certas para posições-chave, que, por sua vez, pudessem atrair
e reter outros profissionais competentes. Na área política, criar base de
sustentação no Congresso e com isso definir agenda legislativa que atendesse a
prioridades claras.”
As opções do governo de Michel Temer produziram resultados significativos para o País. Com apoio e coordenação do Executivo, o Congresso aprovou a PEC do Teto dos Gastos, a reforma trabalhista e a reforma do ensino médio. Ainda que não tenha sido votada a reforma da Previdência, o caminho político para sua aprovação foi efetivamente aberto, como se pôde constatar em 2019, com a Emenda Constitucional (EC) 103, alterando as regras previdenciárias.
Assim,
a lição de 2016 revela que, por mais grave que seja a crise, o presidente da
República sempre tem opções e caminhos possíveis. Essa realidade tem duas
consequências imediatas. Em primeiro lugar, significa que o presidente Jair
Bolsonaro não precisa simplesmente repetir o que fez na primeira metade do
mandato. Ele pode fazer diferente. Se quiser, poderá adotar outras decisões,
que gerarão outras consequências. Ou seja, o governo dos próximos dois anos não
tem de ser mera cópia do que foi em 2019 e 2020.
Se
o presidente Jair Bolsonaro quiser, ele pode ser nos próximos dois anos apoio
efetivo para as reformas de que o País precisa. Ele pode, por exemplo,
colaborar para que o Congresso faça uma boa reforma tributária e uma boa
reforma administrativa. Pode também contribuir de forma decisiva para uma
melhora da assistência social do Estado, melhorando a estrutura, a
racionalidade e a eficiência dos programas sociais. E o mesmo se aplica a
muitos outros temas, como saúde, educação, saneamento básico, infraestrutura
logística, abertura econômica e inserção internacional do País nas cadeias de
produção.
Em
segundo lugar, o reconhecimento de que, mesmo na crise, existem opções para o
governante significa assumir responsabilidades. Se os próximos dois anos não
estão definidos – há caminhos de compromisso com o interesse público e há
também caminhos de omissão, de populismo, de confusão –, o que ocorrerá na
segunda metade do mandato não é decorrência apenas da pandemia, da crise
econômica deixada pelo PT ou de decisões do Congresso. Será também, de forma
muito direta, o resultado das opções que o presidente Jair Bolsonaro fizer.
Os
caminhos estão disponíveis. Cabe ao presidente escolher como será o restante de
seu mandato.
O custo do labirinto tributário – Opinião | O Estado de S. Paulo
Empresas
brasileiras gastam 2 mil horas, em média, para cumprir obrigações tributárias
Entre janeiro e setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou 37 recursos em matéria de direito tributário, dos quais 31 foram decididos em favor da Fazenda Nacional. O número de causas tributárias julgadas nesses nove meses foi maior do que o da soma dos três últimos anos. Com as 31 decisões favoráveis à União, a Corte evitou uma saída estimada em R$ 500 bilhões do Tesouro Nacional, num período de escassez de recursos fiscais.
Esses
julgamentos têm duas facetas. Se por um lado as decisões favoráveis à Fazenda
são importantes para o controle das contas públicas, em tempos de pandemia, por
outro dão a dimensão do grau de incerteza jurídica em que vivem os
contribuintes, dado o cipoal normativo no campo do direito tributário. Segundo
relatório do Tribunal de Contas da União sobre a burocracia para o cumprimento
de obrigações tributárias, atualmente há mais de 26 mil normas em vigor nesse
campo do direito.
O
relatório também mostra que, desde a promulgação da Constituição, há 32 anos,
as matérias tributárias foram objeto de 15% das emendas constitucionais, de 19%
das leis ordinárias e complementares e de 27% das medidas provisórias. Além
disso, só em 2017 a Receita Federal publicou 3 mil atos normativos, entre
portarias, instruções e pareceres. A situação não é diferente nos Estados, onde
a legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) já
foi alterada mais de 500 vezes, entre 2013 e 2017.
Outros
levantamentos revelam que, da data de promulgação da Constituição aos dias de
hoje, o governo federal editou 20 normas por dia útil, em média, das quais 4
são da área tributária. Nos meios jurídicos, estima-se que, para conhecer a
legislação tributária brasileira, um advogado tem de ler 327 mil artigos com
763 mil parágrafos, 2,4 milhões de incisos e 321 mil alíneas. Diante dessa
enxurrada de dispositivos, para evitar autuações as empresas têm de contratar
mais tributaristas e de usar softwares específicos, o que as obriga a
transferir recursos da atividade-fim para custear atividades-meio. Segundo o
relatório Doing Business, do Banco Mundial, as empresas brasileiras gastam
anualmente 2 mil horas, em média, para cumprir obrigações tributárias. Na
América Latina, a média é de 317 horas. O custo anual das empresas brasileiras
com pessoal técnico e robôs para acompanhar as modificações da legislação é de
R$ 162 bilhões.
A
insegurança causada pelo labirinto tributário brasileiro é um dos fatores
responsáveis pela enxurrada de ações não apenas nos órgãos administrativos,
como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, vinculado ao Ministério da
Economia, mas também no Poder Judiciário. Essas ações envolvem litígios que
totalizam cerca de R$ 800 bilhões – o equivalente a 10% do Produto Interno
Bruto (PIB).
O
mais grave é que esse quadro de insegurança jurídica pode aumentar ainda mais.
Em vez de reformar um sistema tributário confuso e pouco funcional, dado o
número excessivo de regras, o Ministério da Economia está mais preocupado em
criar e aumentar impostos, a pretexto de promover uma reforma tributária. Ao
mesmo tempo que defende a criação de tributos ineficientes, como uma CPMF
travestida de imposto sobre operações digitais, ele é omisso no que se refere à
desburocratização do sistema tributário. Também não vai além do discurso quando
tem de lidar com o problema das concessões de excepcionalidades tributárias a
certos setores econômicos. Essas concessões podem até ser justificadas como
forma de incentivo, mas aumentam a complexidade do sistema tributário,
tornando-o ainda mais ineficiente.
Por
isso, a vitória da Fazenda Nacional em 31 dos 37 recursos em matéria tributária
que foram julgados entre janeiro e setembro pelo Supremo não deve ser vista
apenas pela economia que propiciou ao Tesouro. Também tem de ser encarada como
reflexo de um sistema tributário cuja anacrônica operacionalidade custa um alto
preço pago não só pelas empresas, mas por toda a sociedade.
O Censo da Educação Superior – Opinião | O Estado de S. Paulo
Ensino
virtual vem crescendo, sem, contudo, melhorar a qualidade da educação
O Censo da Educação Superior de 2019, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), mostrou que nos últimos dez anos o número de matrículas aumentou 43,7%, passando de 5,9 milhões para 8,6 milhões. Desse total, 75,8% dos alunos de graduação estudam em instituições privadas e os 24,2% restantes cursam universidades públicas.
Ainda
que em termos quantitativos o aumento do número de universitários seja uma
informação importante, do ponto de vista qualitativo ele tem de ser visto com
cuidado. Entre outros motivos, porque o Censo detectou que, de dez alunos que
ingressaram no primeiro ano do ensino superior em 2019, quatro optaram por se
matricular em cursos de graduação a distância.
O
Censo também revela que as matrículas no ensino a distância vêm crescendo a
cada ano, enquanto as dos cursos presenciais vêm se reduzindo. Em 2009 o número
de ingressantes nos cursos virtuais representava 16,1% do total de calouros no
ensino superior. Em 2018, já eram 39,8% do total. E, no ano passado, foram
43,8%, o que equivale a cerca de 1,6 milhão de estudantes. Por causa da
pandemia, as estimativas são de que o próximo Censo registrará um crescimento
ainda mais vigoroso do ensino remoto em todos os anos da graduação, uma vez que
a política de isolamento suspendeu as aulas presenciais em todo o País.
Com
relação a 2019, o Censo revela que a escolha do ensino remoto foi mais
expressiva entre os calouros das universidades privadas, chegando a 50,8% do
total, enquanto o número de matrículas no primeiro ano do ensino presencial
caiu. Isso mostra que as universidades privadas vêm apostando na educação virtual.
Esses
números causam preocupação entre os especialistas em ensino superior. Em
primeiro lugar, porque a educação presencial é sabidamente mais eficiente do
que a virtual, em termos de aprendizagem dos alunos. E, em segundo lugar,
porque a qualidade do ensino nas universidades privadas é mais baixa do que nas
universidades públicas. Segundo o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
(Enade) de 2019, divulgado pelo Inep dias antes da publicação do Censo, só 1%
dos cursos de graduação das universidades particulares obteve a nota máxima –
ante 24% nas universidades federais.
Além
disso, há outro ponto que já vinha sendo duramente criticado pelos
especialistas em ensino superior. Em dezembro do ano passado, o MEC baixou uma
polêmica portaria, autorizando as instituições de ensino superior a ampliar
para até 40% a carga horária do ensino remoto nos cursos presenciais de
graduação, inclusive nas áreas das engenharias e saúde (com exceção de
medicina). Essa era uma antiga aspiração dos grupos educacionais privados, uma
vez que as plataformas digitais permitem cortar gastos com a demissão de
professores e redução dos custos com espaços físicos.
Outra
informação importante do Censo diz respeito às licenciaturas, cuja função é
formar professores. Segundo o levantamento, um em cada cinco estudantes do
ensino superior está matriculado em cursos de licenciatura. E mais da metade
estuda, justamente, em instituições particulares, cujo ensino é em geral fraco.
A má formação dos futuros docentes sempre foi um dos principais obstáculos para
a melhoria da educação básica.
Ao
anunciar o Censo, as autoridades educacionais asseguraram que a distância entre
o ensino presencial e o virtual não será tão grande, em matéria de
aprendizagem. Alegaram que esses cursos se destinam a realidades diferentes e
públicos com perfil socioeconômico distinto. De fato, os alunos do ensino
virtual são, em média, mais velhos e trabalham durante o dia. Contudo, se for
tomado pelo seu valor de face, esse argumento é uma justificativa para um nivelamento
por baixo do ensino superior. Isso explicaria por que o Brasil há muito vem
perdendo a corrida educacional, não conseguindo formar o capital humano de que
necessita para ganhar mais espaço nos mercados mundiais.
O equilíbrio fiscal em risco no Congresso – Opinião | O Globo
Projetos
que tramitam sem alarde poderão comprometer as finanças do Estado por até uma
década
A
proposta do Orçamento de 2021 já prevê um déficit primário de quase R$ 250
bilhões, sem considerar projetos que tramitam no Congresso, acompanhados com
atenção pelo Tesouro. São, no conjunto, uma bomba fiscal de alto poder de
destruição. A recessão da pandemia levou os parlamentares a aprovar linhas
bilionárias de ajuda para estados e municípios, programas de apoio a empresas e
auxílio emergencial a cidadãos. Era necessário. Mas a busca incessante de
governadores e prefeitos por recursos da União embute um risco fiscal nada
pequeno.
Relatório
do Tesouro Nacional calcula que o pacote de projetos de socorro a estados e
municípios poderá custar à União R$ 589 bilhões em dez anos. É indiscutível que
esses entes federativos não têm como se reerguer sem a ajuda do governo
federal. Mas tudo depende das condições do socorro. Depende, sobretudo, das
contrapartidas exigidas — e de serem ou não cumpridas. O socorro a estados e
municípios em apuros pode até ser inevitável, mas não a qualquer preço.
Já
foi aprovada neste mês a flexibilização do Regime de Recuperação Fiscal (RRF),
criado pelo próprio Tesouro. As condições iniciais de adesão e contrapartidas
só permitiram o credenciamento do Rio de Janeiro. Com as mudanças, o RRF poderá
abrigar outros estados. Passou também pelo Congresso um projeto de lei
complementar derivado do “Plano Mansueto”— assim chamado por ter sido lançado
pelo ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida —, para ajudar municípios, não
abrangidos pelo RRF. Como se trata de auxílios voltados ao alívio das dívidas
de governos, por meio de empréstimos com aval da União, não há impacto direto
nos gastos do Tesouro. Mas isso não significa que deixem de representar uma
ameaça para um endividamento público já astronômico.
Outras
ameaças estão em gestação no Parlamento. Entre elas, o relatório do Tesouro
cita a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que estabelece uma
transferência adicional de 1% ao Fundo de Participação dos Municípios na
arrecadação de impostos federais (basicamente Imposto de Renda e sobre Produtos
Industrializados). Custará R$ 35,2 bilhões em uma década. A PEC já foi aprovada
no Senado e em um dos dois turnos da Câmara.
Outra
PEC amplia o Fundo de Participação dos Estados, aumentando de 21,5% para 26% a
alíquota que incide sobre a arrecadação dos impostos federais para calcular os
recursos transferidos ao fundo. Nesse caso, a conta para a União será de R$
165,7 bilhões em uma década. Apoiam a proposta 30 senadores, entre eles alguns
da base do governo.
O
momento é politicamente delicado no Congresso, ocupado com os embates sobre os
futuros presidentes de Câmara e Senado. Mas é preciso que lideranças lúcidas
impeçam que se comprometa hoje, por ao menos mais uma década, uma segurança
fiscal que já está longe de garantida. Preocupa que nem o presidente nem sua
base parlamentar, o Centrão, demonstrem muito apreço pela responsabilidade
fiscal.
É preciso rigor para combater o racismo no futebol brasileiro – Opinião | O Globo
Bahia
agiu rápido afastando o jogador acusado de ofensas racistas, e CBF promete
investigar
Flamengo
e Bahia fizeram, na noite de domingo, no Maracanã, uma partida espetacular pelo
Campeonato Brasileiro, considerada uma das mais eletrizantes de toda a
competição. Mas nem os sete gols, alguns belíssimos, nem as duas viradas
sensacionais foram o mais importante no jogo, vencido pelo rubro-negro por 4 a
3. Tristemente, o fato mais marcante da disputa foi uma denúncia de racismo
feita por Gerson, volante do Flamengo.
O
jogador rubro-negro acusou o colombiano Índio Ramírez, do Bahia, de lhe ter
dirigido ofensas racistas. “Quando tomamos um gol, o Bruno Henrique ia chutar
uma bola, o Ramírez reclamou e fui falar com ele, que disse: ‘Cala a boca
negro’”, relatou Gerson. O episódio, ocorrido aos 7 minutos do segundo tempo,
causou enorme confusão. O bate-boca envolveu jogadores e até o técnico do
Bahia, Mano Menezes, demitido após a partida.
Chama
a atenção que o árbitro, Flavio Rodrigues de Souza, tão ágil em expulsar
Gabigol, do Flamengo, e Daniel, do Bahia, ao se sentir ofendido pelos dois,
tenha passado batido pelas acusações graves de racismo diante de seus olhos. É
como se alguém a quem cabe ditar as regras da partida pudesse lançar para
escanteio um crime cometido no meio do gramado.
A
indignação de Gerson viralizou nas redes. Não fosse o time profissional do
Flamengo, a repercussão seria a mesma? No ano passado, o goleiro rubro-negro
Hugo Souza disse ter sido chamado de “macaco” na final do carioca sub-20,
contra o Vasco. Ficou por isso mesmo. Também em 2019, o zagueiro Miranda, da
equipe sub-20 do Vasco, disse ter sofrido injúria racial na partida contra o
Independiente, pela Copa RS Sub-20. O caso parou por aí.
Desta
vez, contudo, a reação dos clubes foi encorajadora. O Bahia agiu prontamente.
Demitiu Menezes, afastou Ramírez e prestou solidariedade a Gerson. Diversas
equipes, como Vasco da Gama, Fluminense e Botafogo, repudiaram a atitude. A
Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pediu à procuradoria do Superior
Tribunal de Justiça Desportiva a abertura imediata de uma investigação sobre o
caso.
As
instituições enfim se movem para coibir a prática odiosa que cobre de vergonha
os gramados, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Em 2014, quando jogava pelo
Barcelona, Daniel Alves fez um protesto solitário contra o racismo comendo uma
banana atirada por um torcedor. Recentemente, jogadores do PSG e do Istanbul
Basaksehir simplesmente deixaram o campo após ofensas racistas dirigidas pelo
quarto árbitro a um integrante da comissão técnica turca. Tais episódios não
podem mais prosperar. “O cala boca negro é justamente o que não vai mais
acontecer”, disse Gerson. Que suas palavras sejam ouvidas.
Sem auxílio – Opinião | Folha de S. Paulo
Fim
do benefício emergencial gera incerteza; ação social deve ser redesenhada
Com
o cinismo usual, o presidente Jair Bolsonaro encenou mais uma pantomima ao jogar
sobre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) a
responsabilidade por não ter sido aprovado um 13º pagamento para os
beneficiários do Bolsa Família.
O
ilusionismo não durou mais do que algumas horas, quando a própria base de apoio
do Palácio do Planalto se ocupou de obstruir a votação de uma medida provisória
que poderia tratar do tema.
A
MP, editada em setembro, dizia respeito à prorrogação do auxílio emergencial no
valor de R$ 300 até o final do ano. Nunca foi a voto devido ao medo do próprio
governo de que os parlamentares elevassem o valor do benefício.
Com
o fim do estado de emergência —que permitiu que as despesas com a pandemia
ficassem fora do teto constitucional— em 31 de dezembro, a discussão em torno
da MP é, na prática, ociosa.
A
legalidade de novos pagamentos dependeria de rearranjo no Orçamento, mas o
governo não se interessou em fazer as escolhas necessárias e levá-las ao
Congresso.
Assim
como nunca quis de
fato o 13º do Bolsa Família, Bolsonaro não se preocupou em construir
técnica e politicamente uma alternativa ao fim do auxílio emergencial.
Foram
meses de hesitações, ora com menções a programas grandiosos fora do teto de
gastos e custeados por novos impostos, ora com negativas peremptórias.
Agora,
no apagar de 2020, não restam mais do que cerca de R$ 29 bilhões —menos de 10%
do montante total autorizado para o auxílio— em desembolsos que ficarão para
2021, segundo estimativa da Instituição Fiscal Independente.
A
esperança é que a retomada da economia, já em andamento, e a poupança acumulada
com os pagamentos facilitem uma transição não muito traumática.
As
incertezas se concentram no primeiro trimestre de um ano que, acredita-se,
tende a ser mais favorável —com as expectativas para o crescimento da economia
a rondar os 3,5%, ainda modestos diante da queda de mais de 4% em 2020.
O
episódio deixou mais evidente a necessidade de aperfeiçoar os programas de
renda. A sociedade civil entrou no debate com ampla gama de estudos e
alternativas.
Um
deles, elaborado com apoio do Centro de Debates de Políticas Públicas, defende
ampliar e melhorar a focalização do Bolsa Família, além da criação de um seguro
de renda para trabalhadores informais e de uma modalidade de poupança vinculada
à educação.
A
proposta já é debatida no Senado, com o nome de Lei de Responsabilidade Social
e previsão de remanejamento de recursos orçamentários dentro do teto de gastos.
Não será surpresa se o governo andar a reboque do Legislativo mais uma vez
nessa seara.
Racismo em campo – Opinião | Folha de S. Paulo
Mostras
de preconceito no futebol, recorrentes, são cada vez menos toleradas
Manifestações
racistas resistem no cotidiano do futebol e de outros esportes, como ficou
evidenciado mais uma vez neste 2020.
Verdade
que a ausência de torcida nos estádios durante a maior parte da temporada calou
o preconceito que costuma emanar das arquibancadas. Esse silêncio forçado,
porém, teve o efeito de jogar luz sobre a discriminação que ocorre dentro das
quatro linhas.
Apenas
em dezembro, dois casos ganharam repercussão. O mais recente ocorreu no domingo
(20), no jogo entre Flamengo e Bahia, pelo Campeonato Brasileiro. Na
partida, Gerson,
jogador do clube carioca, acusou com indignação o colombiano Índio Ramirez,
da equipe adversária, de insulto racista.
O
outro episódio se deu no dia 8, no confronto europeu entre o Paris
Saint-Germain e o Istanbul Basaksehir, quando o quarto árbitro teria ofendido
um integrante da comissão técnica do clube turco.
A
reação, nesse caso, foi não só exemplar como histórica. Os times
deixaram o campo em protesto, recusando-se a continuar a partida.
Embora
atos racistas pareçam mais disseminados num continente marcado por tensões
étnicas como a Europa, é errado imaginar que no Brasil, por ser um país
miscigenado e no qual jogadores negros se destacaram como protagonistas, eles
não seriam comuns.
Não
só são como não dão sinal de queda. Segundo o Observatório da Discriminação
Racial no Brasil, 67 jogadores foram alvo de preconceito no país em 2019. O
número é 235% maior do que o registrado em 2014, quando esse tipo de ataque
começou a ser monitorado.
Apesar
da profusão de casos, as recentes reações de jogadores mostram que episódios
dessa natureza vão deixando de ser tolerados.
As
próprias normas do esporte já refletem esse espírito. O novo Código Disciplinar
da Fifa, instituição máxima do futebol, prevê medidas disciplinares para coibir
discriminação de qualquer tipo, inclusive étnico-racial.
É
indispensável, ao mesmo tempo, que se
aplique a lei. No Brasil, não apenas a Constituição veta a
discriminação com base em sexo, raça ou religião como existe legislação que
penaliza criminalmente ofensas racistas e homofóbicas.
Os
transgressores, pois, devem ser julgados e punidos. Fundamental também é que as
próprias entidades esportivas ajam. Os tempos, felizmente, mudaram.
Pandemia agrava fraquezas em IDH e competitividade – Opinião | Valor Econômico
Brasil
tem a segunda maior concentração de renda do mundo, ficando atrás apenas do
Qatar
Dois
novos estudos globais ajudam a dimensionar os gigantescos desafios que o Brasil
terá que enfrentar assim que superar a crise sanitária causada pela pandemia do
novo coronavírus. Um deles é o do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),
calculado pela Organização das Nações Unidas (ONU); e o outro é a avaliação de
como um grupo de quase quatro dezenas de países podem emergir da crise,
elaborado pelo Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês).
O
levantamento feito pela ONU mostra que o Brasil já entrou em desvantagem na
pandemia na comparação com os demais países, no ranking do IDH, que leva em
consideração saúde, educação e distribuição de renda. Apesar de ter melhorado
ligeiramente sua pontuação, de 0,761 de 2018 para 0,765 pontos em 2019, o
Brasil caiu cinco posições no ranking atual, recuando do 79º para o 84º lugar entre
189 países avaliados. O simples motivo é que os outros países avançaram mais.
A
Colômbia, por exemplo, que estava empatada com o Brasil em 2018, ficou um posto
à frente no ano passado. Até a Argentina em aguda crise econômica, fica à
frente, no 46º lugar. O IDH do Brasil é também menor do que o do Chile, do
Uruguai e do Peru. Na América Latina, está à frente apenas do Suriname,
Paraguai, Bolívia, Venezuela e Guiana.
Os
dados da ONU mostram que é a falta de avanços na educação que está afetando o
desempenho do Brasil. O período em que as pessoas ficam na escola estagnou em
15,4 anos desde 2016. A média de tempo de estudo foi de 7,8 anos em 2018 para 8
anos em 2019. Já a expectativa de vida era de 75,9 anos em 2019, um pouco maior
que a registrada um ano antes (75,7). Em 2015, eram 75 anos. A renda per capita
anual também não ajuda: era de US$ 14.775 em 2015, quando começou o recente
período recessivo, desabou para US$ 14.182 em 2018 e recuperou um pouco para
US$ 14.263 em 2019.
Quanto
o ranking é ajustado levando em conta a igualdade social de acordo com o índice
de Gini, a posição do Brasil despenca 20 pontos, para o 104º lugar. O índice de
desigualdade de renda do Brasil é maior do que a média da América Latina,
aponta o levantamento. A parcela dos 10% mais ricos do país concentra 42,5% da
renda total; e o 1% mais rico abocanha 28,3% da renda. É a segunda maior
concentração do mundo, ficando atrás apenas do Qatar, que tem 29% da riqueza
nas mãos de 1%.
O
Fórum Econômico Mundial complementa a análise ao expor como executivos avaliam
que 37 países vão sair da crise sanitária, levando com conta o ambiente, novos
mercados, inovação e capital humano, desdobrados em onze áreas. O Brasil fica
abaixo da média em todos os pontos, segundo as entrevistas. O Brasil é o
segundo pior país, quando se examina o currículo abordado na educação e sua
preocupação em oferecer a qualificação necessária para o mercado de trabalho do
futuro, ficando à frente só da Grécia.
Segundo
o relatório do WEF, os países têm que oferecer uma educação focada nas
habilidades necessárias para os empregos e “mercados de amanhã”.
Requalificação, aprimoramento e atualizações de currículos de educação são
fundamentais para preparar os trabalhadores e alcançar a prosperidade
inclusiva, sublinha o WEF. A educação formal tradicional não é mais suficiente
para fornecer oportunidades de emprego e construir capital humano. Os sistemas
educacionais devem ser atualizados para fornecer habilidades digitais e de
pensamento crítico, bem como aprendizagem contínua e qualificação por meio de
programas públicos e privados.
O
Brasil também fica entre os três piores países em termos de confiança no
governo e corrupção, só atrás do México e da Rússia. A pesquisa do WEF
constatou que os executivos avaliam que as instituições públicas não possuem
princípios de governança sólidos e visão de longo prazo, nem inspiram confiança
entre os cidadãos. Para o Fórum, as instituições precisam ser cada vez mais
transparentes e eficientes e trabalhar pela equidade.
A pandemia terá impacto devastador nesses números, que já partem de patamares ruins. Pela primeira vez, o Programa da ONU para Desenvolvimento (Pnud) prevê uma queda no IDH global e o Brasil não será exceção. A pandemia afetou fortemente as três dimensões analisada -- saúde, educação e PIB. Tudo reforça a necessidade de mudanças, que já deveriam ter começado, especialmente no campo da educação, que tem a vantagem de repercutir diretamente na redução da desigualdade.
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