Obscurantismo,
negacionismo e terraplanismo estão passando. Bolsonaro é capaz de entender?
Uma
pergunta envolta de desânimo se alastra pelos meios políticos e
diplomáticos: Jair Bolsonaro vai dar um cavalo de pau na política
externa para repor o Brasil nos trilhos, abrir um diálogo produtivo com os
Estados Unidos de Joe Biden, reencontrar os parceiros tradicionais e retomar o
pragmatismo, a tradição diplomática e a defesa dos interesses nacionais?
Assim como serão necessárias décadas para tentar recuperar nossas perdas na Amazônia e demais biomas, há também previsões nada otimistas sobre o tempo e as condições de Bolsonaro para liderar o recomeço da política externa. E assim como a culpa pelo desmanche do Meio Ambiente recai sobre o ministro Ricardo Salles, também a culpa pela política externa é jogada diretamente sobre o chanceler Ernesto Araújo. O responsável pelas políticas de governo, porém, é o presidente. Ministros só executam.
O
que esperar de quem nomeia para o Meio Ambiente do Brasil um cidadão que jamais
havia sequer pisado na Amazônia? E para o Itamaraty um embaixador júnior que
escreve coisas sem nexo, muda de ideia de acordo com os ventos e compara Donald
Trump a “Deus”, único capaz de salvar o Ocidente da China?
O governo Bolsonaro e, aliás, o próprio Bolsonaro, deram caneladas na China, França, Alemanha, Noruega, Argentina, Chile, Mundo Árabe... E jogaram todas as fichas não nos Estados Unidos, mas em Trump – que perdeu. Como em tudo, como na Saúde, que opera entre a vida e a morte, Bolsonaro não se deu por satisfeito e dobrou a aposta. Manteve-se firme e resolutamente trumpista e levou o Brasil a ser o último país do G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo) a fazer o óbvio: reconhecer a vitória do democrata Joe Biden.
Os
telegramas do embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster, divulgados
pelo Estadão, mostram constrangedoramente que ele estava mais preocupado
em falar o que Bolsonaro queria ouvir e em escrever o que Planalto e Itamaraty
queriam ler, do que em relatar a realidade. Em live do Cebri, Celso Lafer
disse que, se ainda fosse chanceler, demitiria o embaixador do cargo na hora.
Forster, porém, é um coadjuvante, seguiu a linha do general Eduardo Pazuello de
que “uns mandam, o outro obedece”. Apenas compactuou, mas não interferiu na
realidade paralela de Bolsonaro e Araújo.
Com
ou sem as 22 páginas papagaiando Trump, presidente e chanceler insistiriam na
versão de “fraude”, “judicialização”, “guinadas”. Uma maluquice. Fica no ar: é
possível recolocar a política externa no trilho do pragmatismo e do interesse
nacional com Forster em Washington, Araújo no Itamaraty e Bolsonaro na
Presidência? Mais: como corrigir a imagem do Brasil com Salles e o desastre
ambiental?
Nunca
a imagem do País esteve tão deteriorada entre governos, parlamentos, mídias,
entidades e cidadãos do mundo inteiro. O chanceler tem de parar de achar bacana
a posição de “pária internacional”, Bolsonaro tem de dar sinais para Biden,
Eduardo Bolsonaro tem de torrar seu boné “Trump 2022”, todos têm de sentar com
diplomatas, generais, políticos, acadêmicos e a ministra da Agricultura, Tereza
Cristina, para tentar entender o mundo, parar de atacar a China, voltar à
racionalidade com Europa e vizinhos.
Biden já começou a mudar os EUA, a voltar ao Acordo de Paris e ao multilateralismo, a trocar retrocessos por avanços. É esse o caminho que o Brasil precisa fazer, abandonando as pisadas tortuosas de Trump e olhando para a frente. Não porque “um manda (os EUA) e outro obedece (o Brasil)”, mas porque os tempos de obscurantismo, terraplanismo e negacionismo estão passando. O difícil é acreditar que Bolsonaro, que chegou atrasado nas vacinas e na era Biden, esteja entendendo alguma coisa. Provavelmente, não. Nem quer.
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