- O Estado de S.Paulo
Qualquer sismo na economia pode jogar esses ‘brasileiros do meio’ na pobreza
Chico Buarque fez jingle para Fernando Henrique. Bruna Lombardi deu apoio aos que se opunham à ditadura. A campanha eleitoral de 1978 foi uma das primeiras a trazer artistas para os palanques – e reuniu, do mesmo lado, futuros protagonistas da política nacional. FHC saiu para senador com o apoio de Lula. Eduardo Suplicy se elegeu deputado estadual. Na mesma chapa, José Serra deveria sair para federal. Serra, no entanto, foi barrado pela ditadura, pois era considerado “comunista” – mais perigoso que Lula, FHC ou Suplicy.
Suplicy passou grande parte da vida defendendo um programa de renda mínima. Agora é Serra quem apresenta, no Senado, uma proposta ao estilo de seu ex-colega de palanque. Ah, esses comunistas... (A palavra “comunista”, nesta coluna, é sempre usada como piada.
Como se sabe, nunca houve comunismo a sério no Brasil. Ontem como hoje, usa-se o termo para aterrorizar adultos impressionáveis, da mesma maneira que a expressão “homem do saco” assustava crianças malcriadas).
O auxílio emergencial desencadeou no Brasil um debate sobre renda mínima. Políticos do PP à Rede, passando pelo PSDB de Serra, apresentaram ideias ou escreveram artigos. As filas para receber o auxílio emergencial – imagem que se tornou emblema da tragédia brasileira do coronavírus – chamaram atenção para um contingente que precisamos conhecer melhor: o dos “brasileiros do meio”.
A expressão foi utilizada pelo sociólogo Marcelo Medeiros, professor visitante na universidade Princeton, durante live promovida pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso, da qual também participou a economista Monica De Bolle. Medeiros observou que os brasileiros de baixíssima renda estão visíveis para o Estado, cadastrados em programas como o Bolsa Família. Entre eles e os mais ricos, existe um enorme contingente que não aparece nos cadastros. Mas são igualmente vulneráveis: qualquer sismo na economia pode jogar esses “brasileiros do meio” na pobreza.
Tal fenômeno, comum na América Latina, é mapeado num texto do economista Francisco Ferreira, do Banco Mundial. Segundo o estudo, 2/3 dos cidadãos latino-americanos se enquadram na categoria – no Brasil, algo como 140 milhões de pessoas. Destes, 2/3 têm alta probabilidade de cair na pobreza num espaço de dez anos – no Brasil, 93 milhões de cidadãos. O auxílio emergencial cobre apenas parte do contingente. Estendê-lo a todos seria inviável do ponto de vista fiscal. O que fazer?
Para os “brasileiros do meio”, poderia ser criado o que Medeiros chama de “rede de bombeiro” – um mecanismo que, num momento de vulnerabilidade, fizesse algum tipo de auxílio chegar a eles, e rapidamente. Para isso, a chave seria fazer um cadastro melhor – e diminuir entraves burocráticos. Medeiros lembra que a Índia conseguiu incluir a maioria de seus cidadãos vulneráveis no sistema bancário. Seria uma solução possível.
Na versão digital desta coluna publicamos alguns estudos, minipodcasts de Marcelo Medeiros e projetos relacionados ao assunto no Congresso. Participe da conversa sugerindo links no e-mail acima. Medeiros lembra que o debate sobre cidadãos vulneráveis tornou-se central no mundo em que vivemos, cada vez mais sujeito a pandemias, oscilações no mercado de trabalho e instabilidades provocadas pela mudança climática. Não é apenas coisa dos “comunistas”, que, no passado, subiam no palanque ao som de Chico Buarque.
Nenhum comentário:
Postar um comentário