- Folha de S. Paulo
O poder público não tem moral para impor a obrigatoriedade de comparecimento à urna
Aprovar já uma emenda constitucional adiando as eleições municipais de outubro para dezembro poderá se revelar uma decisão pouco sábia. Até aqui, nenhum modelo epidêmico se mostrou tão preciso que permita afirmar com segurança que a curva dos contágios em dezembro estará melhor do que em outubro.
Um dos cenários previstos por epidemiologistas é o de que, à primeira onda de Covid-19 que agora enfrentamos, se sucedam vários picos menores, hipótese em que dezembro poderia ser até pior do que outubro. Isso sem mencionar que a situação poderá ser marcadamente diferente em diferentes cidades do país.
O que precisamos para realizar essas eleições com segurança é flexibilidade. O mais sensato, portanto, é optar por uma emenda constitucional que conceda à Justiça Eleitoral, excepcionalmente neste pleito, o poder discricionário de alterar datas, prazos e vários outros aspectos do processo. No limite, as datas nem precisam coincidir. Se uma cidade qualquer atravessar um momento muito crítico, poderá fazer sua votação num outro período. Não estamos, afinal, num pleito nacional.
Gostaria de destacar, porém, uma questão que já levantei aqui, mas que não tem, a meu ver, recebido a devida atenção. O Estado não pode, pelo menos não em tempos de paz, exigir do cidadão que se submeta a riscos sanitários que ele não esteja disposto a correr.
Imaginemos um sujeito de 62 anos, de bem com a vida, levemente hipocondríaco, mas com três moléstias crônicas que o tornam mais propenso a desenvolver um quadro grave de Covid-19. É bastante razoável que esse cidadão não queira expor-se ao perigo de contrair o Sars-CoV-2 apenas para votar, seja em outubro, seja em dezembro.
O poder público, depois de ter fracassado em minimizar a morbimortalidade da epidemia, não tem moral para impor a obrigatoriedade de comparecimento à urna. Pelo menos neste pleito, o voto deve ser facultativo.
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