domingo, 30 de maio de 2021

Eliane Cantanhêde - Lado errado da história

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro quer deixar todo mundo morrer? E que fim terá a CPI?

Quanto ao destino da CPI da Covid, além de cortes internacionais: é improvável o deputado Arthur Lira abrir processo de impeachment, e a PGR já tem o pretexto para lavar as mãos: atua em “fatos”, não em “questões políticas”. Leia-se: entra nos casos de corrupção de governadores (“fatos”), não no desprezo do governo federal por vacinas, relatado por Dimas Covas, do Butantan (“política”). Se isso não vale, nada mais vale contra o presidente Jair Bolsonaro na PGR. Mas o jogo ainda está no meio...

Se Jair Bolsonaro é tão visceralmente contra as vacinas, como comprova a CPI, e continua tão visceralmente contra o distanciamento social, como mostra sua nova ação no Supremo contra governadores, qual a estratégia dele para conter a sanha assassina do vírus? Ir até o fim dos tempos com sua aposta nas falácias da imunidade de rebanho e da cloroquina?

Isso leva a uma outra dúvida, ainda mais assustadora: o que o presidente pretende? Deixar todo mundo adoecer e morrer? Estimular a produção e a exportação de novas variantes? Enquanto ele insiste num negacionismo insano, o Brasil está chegando à terrível marca de 500 mil mortos ainda em junho, sem previsão para o fim do pesadelo.

Dimas Covas foi demolidor na CPI, ao mostrar, com números, valores, datas e documentos, o quanto o governo federal desprezou e até bombardeou a Coronavac, que poderia ter sido aplicada a partir de dezembro de 2020 e vacinado 50 milhões de brasileiros com as duas doses até maio de 2021, mas foi descartada durante meses e nunca recebeu “um centavo” de investimento, como enfatizou Covas.

Suas revelações se somam às do ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten e do representante da Pfizer, Carlos Murillo, para sedimentar uma certeza nacional: Bolsonaro efetivamente trabalha contra as vacinas. “Eu não vou tomar e pronto!” Não era só um rompante, é sua convicção quase religiosa contra vacinas. Como contra isolamento e até máscaras.

Os gabinetes dos senadores e diferentes equipes de pesquisadores trabalham freneticamente para fazer cruzamentos de dados e apontar quantas, das quase 500 mil vidas, poderiam ter sido salvas com uma negociação ativa e eficaz do governo com o Butantan e com a Pfizer, para citar só duas. Também aquele movimento paralelo à CPI, que quer levar o relatório final às cortes internacionais, está buscando essa resposta.

No mesmo dia em que Dimas Covas narrava toda a irresponsabilidade criminosa do governo federal, Bolsonaro atacava a outra ponta fundamental para conter a contaminação e as mortes: o isolamento social. Covas terminou seu depoimento à tarde. À noite, Bolsonaro e a Advocacia-Geral da União entraram no Supremo contra as medidas restritivas em três novos Estados.

Logo, o presidente assumiu o lado errado da história e da guerra do coronavírus: jogou suas tropas contra Coronavac, Pfizer e todas as outras – exceto a Oxford/AstraZeneca – e contra distanciamento, quarentena, toque de recolher. E continua em campanha contra a própria máscara, como seus filhos e os militantes bolsonaristas que dão vexame em aviões, aeroportos e eventos no exterior.

Com tudo isso, a CPI abre um caminho perigoso nesta semana, desviando a atenção das vacinas – ou falta delas – para focar em governadores, até afastados, e médicos pró e contra a cloroquina. Não é só perda de tempo. Ameaça os objetivos da CPI e confunde a própria sociedade brasileira.

Dar palanque para Wilson Witzel a esta altura? Para a médica Nise Yamaguchi fazer propaganda da cloroquina, na contramão de todas as agências sanitárias do mundo? CPI não é palco para discussões científicas, nem senadores estão aptos a mediá-las. E, se é para chamar governadores, por que não o presidente?

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