- O Globo
A polícia escondeu os registros da maior
chacina da história do Rio. A medida driblou a Lei de Acesso à Informação e pôs
os documentos em sigilo por cinco anos. Tempo suficiente para esfriar o clamor
por uma investigação isenta sobre a matança.
Segundo a versão oficial, não houve
execuções na operação que deixou 28 mortos no Jacarezinho. Se isso é verdade,
não existiria motivo para ocultar os relatórios que narram a incursão na
favela.
Ao classificar os papéis como “reservados”,
o subsecretário Rodrigo Oliveira afirmou que sua divulgação não é “pertinente”
porque poderia revelar “dados sensíveis”. No dia da matança, ele acusou o
Judiciário de praticar “ativismo”. Acrescentou que os defensores de direitos
humanos teriam “sangue nas mãos”.
O delegado fez uma inversão de papéis
típica da retórica bolsonarista. A polícia mata, mas a culpa pelas mortes não é
de quem puxa o gatilho. A ordem é acusar advogados, defensores públicos e
pesquisadores que criticam a violência fardada.
O ataque ao Judiciário está em sintonia com a ocultação dos registros do massacre. São dois lances de uma queda de braço que opõe a polícia fluminense ao Supremo Tribunal Federal.
Em junho de 2020, o ministro Edson Fachin
decidiu que as operações em favelas só poderiam ocorrer em “hipóteses
absolutamente excepcionais”, com justificativa ao Ministério Público. A liminar
foi confirmada pelo plenário da Corte, mas não mudou as práticas da polícia por
muito tempo.
Nos últimos meses, a decisão passou a ser
ignorada e a violência voltou a escalar. A operação no Jacarezinho foi batizada
de “Exceptis”, numa provocação explícita ao tribunal.
“A polícia adotou uma atitude de desafio à
autoridade do Supremo”, avalia o professor Daniel Sarmento, autor da ação do
PSB que resultou na decisão de Fachin. Na quinta-feira, ele pediu à Corte que
derrube o sigilo sobre os relatórios da polícia.
“A Lei de Acesso à Informação afirma que
não pode haver sigilo em casos de violação de direitos humanos. As
investigações desses episódios têm se revelado muito ineficazes. A imprensa e a
sociedade civil precisam de meios para ficar de olho”, afirma.
“Existe um claro conflito de interesse
quando a Polícia Civil, que investiga se os próprios agentes violaram a lei,
decide decretar sigilo de informações sobre a operação”, apontou a ONG Human
Rights Watch.
A afronta ao Supremo pode ter sido a menor
das ilegalidades no Jacarezinho. Segundo a Defensoria Pública e a Comissão de
Direitos Humanos da OAB, há fortes indícios de execuções extrajudiciais, abusos
contra presos e destruição de provas.
Em nota técnica enviada ao Supremo,
advogados da Rede Liberdade listam ao menos oito irregularidades na operação. O
documento também aponta falhas do MP no controle externo da atividade policial.
“A cada dia que passa, verificamos mais fragilidades em tudo o que a polícia alegou”, diz o advogado Felipe Freitas, um dos autores da nota. “O que aconteceu no Jacarezinho não foi uma operação policial. Foi uma chacina praticada por agentes do Estado”, conclui.
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