- Folha de S. Paulo
Bolsonaro é motivo para que atual sistema
de votação e apuração seja preservado
Nada do que Bolsonaro diga ou faça está
isento de interesse pessoal seu, que só se estende, com fortes motivos, aos
filhos. Nesta regra, que faz a exceção de repelir a tradicional exceção a toda
regra, tem inclusão automática o retorno ao voto impresso pretendido
por Bolsonaro. E já engatilhado para discussão na Câmara.
A preocupação com fraude eleitoral, muitas
vezes referida por Bolsonaro desde a campanha a presidente, é verdadeira —o
que, nele, não deixa de ser afinal admirável. Mas não é para dificultar tal
crime ainda mais, como sugerem sua denúncia de fraude e a promessa, em março do
ano passado, de exibir as provas já em suas mãos —o que, nele, não deixa de ser
sua mentira múltipla e continuada.
Ainda que o brasileiro sistema de votação e apuração
eletrônica negue, um dia, a perfeição apregoada, a nossa
pequena urna não figura em fraude alguma. O nome de Jair Bolsonaro está
relacionado à fraude eleitoral constatada e provada, diz o termo técnico, com
materialidade.
Na apuração das eleições de 1994, o juiz da 24ª zona eleitoral no Rio surpreendeu fraudes para quatro candidatos a deputado federal. Eram votados com cédulas (impressas) em papel diferente, mais fino. A constatação se deu em uma cédula para cada um dos quatro. O primeiro: Jair Bolsonaro.
A notícia sob o título "Roubo no
'varejo'", na pág. 5 do Jornal do Brasil de 17 de novembro de 1994, foi
reproduzida na internet com Bolsonaro já na Presidência. E quando trazida ao
jornal essa reaparição, algumas imprecisões e omissões a sujeitaram a
reparos apresentados, e aceitos, como invalidações da notícia de fraude e de
sua reprodução. Bolsonaro não tinha a ver com aquilo, nem sabia, o
ingênuo.
A descoberta se deu com a apuração em pleno
curso. Sem recontagem para verificar possíveis cédulas falsas já computados.
Nem houve certeza de que todos os mesários estivessem atentos para a espessura
das cédulas, na continuação da contagem.
Quanto ao crime, uma cédula ou cem fazem a
mesma caracterização de fraude, que não é quantidade, é qualidade.
Não foi outro competidor que,
providenciando a falsificação para si, resolveu ajudar Bolsonaro com segunda
encomenda. Não foi alguém alheio à disputa que decidiu colaborar, à sua custa e
risco, com quatro candidatos nem ao menos do mesmo partido, mas de quatro. Vem
a pergunta sempre útil: a quem interessava introduzir fraude em benefício de
Bolsonaro, como se poderia perguntar também dos três perdidos no tempo?
Eram quatro candidatos, dissociados e com
fraudes idênticas. Logo, contratantes do mesmo fornecedor. Um esquema de fraude
eleitoral. Logo a eleição para deputados estaduais precisou ser anulada,
tamanha a quantidade de fraudes, e exigiu nova eleição.
O crime eleitoral na 24ª zona não resultou
em mais do que sua constatação. Mas, por certo, miram o infinito os limites
éticos e legais de quem seja capaz, por exemplo, de imaginar explodir um ponto
crucial do abastecimento de água do Rio, para chantagear por aumento salarial
dos novos tenentes.
Uma frase de Bolsonaro, repetida algumas
vezes, clareia mais seu propósito: "Tem que ter pelo menos um comprovante
impresso do voto dado, pelo menos isso". Nada menos do que um documento
comprovador do chamado voto de cabresto, pago ao cabo eleitoral. Já seria um
expediente valioso. A frase, porém, diz mais: "pelo menos" significa
que o objetivo é mais fundo. E só pode ser este: o voto em cédula de papel,
aquele que foi preciso extinguir pelo excesso de fraudes eleitorais.
Com papel adequado ou não.
Bolsonaro é motivo bastante para que o
atual sistema de votação e apuração seja preservado, a menos que um dia se
mostre vulnerável como o próprio Bolsonaro.
MAIS PROCESSOS
Subscrevo todos os conceitos e palavras que
motivaram Augusto Aras, procurador-geral da República bolsonara, e os senadores
Luis Carlos Heinze e Eduardo Girão a agir; o primeiro, policialmente
contra Celso Rocha de Barros; e
os dois, judicialmente, contra Conrado Hübner Mendes. O
sociólogo e o professor de direito são duas esplêndidas conquistas recentes da
imprensa, pela inteligência e o rigor ético, admiráveis na Folha.
Na central
De um carioca que viu e ouviu mais do que precisava, ao saber da mudança de Sergio Moro para Washington: "aqui, no Brasil, ele fazia home office".
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