quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Míriam Leitão - O PIB no meio das incertezas

O Globo

A agropecuária foi atingida pela seca, encolheu no segundo trimestre e isso puxou o número do PIB para um ligeiro negativo, de -0,1%. A crise hídrica está batendo também na inflação que, com o novo aumento das bandeiras tarifárias anunciado na terça-feira, pode chegar a 10% em agosto e superar 8% no ano. Isso encolhe o consumo das famílias que neste segundo trimestre ficou estagnado. Os investimentos tiveram uma queda de 3,6%, o pior resultado pelo lado da demanda. As medidas de restrição de consumo vão afetar o PIB do quarto trimestre, que pode até ser negativo. A incerteza em relação à pandemia cresce em setembro, mas a vacinação pode ajudar a reduzir a crise sanitária no fim do ano. O pior fator de incerteza na economia são os conflitos criados pelo presidente Bolsonaro.

A economia está sofrendo o impacto dos eventos de todas as áreas, as incertezas hídricas, sanitárias, políticas. A demora de ação na gestão da crise hídrica, da mesma forma que houve na pandemia, acabou aumentando o problema. O preço está subindo mais exatamente porque o governo dizia que estava tudo sob controle. O negacionismo é sempre um terrível elemento na administração de qualquer crise. Na sanitária, provocou o aumento de mortes e atraso na vacinação. Tudo isso afeta a economia. O PIB este ano terá um número forte porque está sendo comparado com o tombo enorme do ano passado, mas os dados divulgados ontem pelo IBGE foram piores do que o calculado pelo mercado.

O PIB do segundo trimestre foi decepcionante. Esperava-se estabilidade, mas no terreno positivo, a mediana era 0,2%, mas havia instituições como a Genial apostando em 0,8%. A Tendências previu exatamente -0,1%. A avaliação é que os serviços teriam um crescimento mais forte e aumentaram em 0,7%. A retomada do setor é a grande aposta para resultados melhores nos próximos trimestres, porque o avanço da vacinação vai permitindo a normalização desse tipo de atividade. Mas a restrição provocada pela crise hídrica pode levar o último trimestre até a um resultado negativo, diz Sergio Vale, da Mendonça de Barros Associados.

A MB reviu a inflação do ano para 8,3%, com o pico chegando a 10% em setembro, e isso por causa da nova bandeira tarifária que eleva em mais 7% o preço da energia este ano. A energia residencial já subiu 10% até julho e não há qualquer garantia de que vai parar por aí, o custo das térmicas continua acumulando um déficit para ser pago por todos os consumidores, que aliás vão financiar também o bônus dos que conseguirem reduzir o consumo. O Itaú informou que o resultado do PIB do segundo trimestre colocou um viés negativo para o crescimento deste ano. Previa 5,7%, um dos números mais altos do mercado. Para o ano que vem, o banco há algum tempo reduziu a previsão para 1,5%. O Bradesco iniciou seu relatório dizendo que “as incertezas fiscais voltaram a reduzir a visibilidade do cenário” e revisou a inflação do ano para 7,8% e o crescimento do ano que vem para 1,8%. Alertou que as volatilidades vão continuar.

Os relatórios dos bancos e consultorias divulgados ontem indicaram que o grande carregamento estatístico deste ano — efeito da comparação com a queda forte do ano passado — continuará produzindo números positivos no segundo semestre. Mas isso nem de longe é crescimento sustentado. O ano que vem murcha, a inflação está elevando as projeções de taxas de juros, o desemprego teve um número melhor em junho, mas principalmente por aumento das vagas informais. A crise hídrica abre uma gigantesca avenida de incerteza sobre a economia.

Crise hídrica afetando produção e preço, pandemia ainda não debelada, juros altos, desemprego forte, risco fiscal elevado já seriam sombras suficientes sobre a economia. Mas o governo é um gerador de crises políticas e institucionais pelo comportamento desorganizador do presidente da República. Isso bate no dólar, aumenta a inflação, que eleva os juros, que reduz a perspectiva de crescimento. Quanto mais a inflação subir neste fim de ano, menor será o espaço fiscal com o qual o governo conta para os planos eleitorais do ano que vem. Para se ter ideia, o parâmetro usado no Orçamento era de uma inflação de 6,2% este ano — e as projeções estão perto de 8% ou até mais — e um crescimento de 2,5% em 2022 que hoje ninguém mais aposta. A economia já não vai bem e piora muito com o ingrediente conflito institucional criado por Bolsonaro.

 

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