quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Maria Hermínia Tavares* - Teste da democracia no Dia da Pátria

Folha de S. Paulo

Bolsonaro não criou a extrema direita, mas ampliou sua expressão política e lhe infundiu um propósito comum

Ainda não se sabe no que se arrima o apoio a Bolsonaro na faixa de 25% a 30% dos brasileiros, segundo as pesquisas. O que se conhece, isso sim, é a parcela vertebrada e loquaz de seus apoiadores. Cientistas sociais, a exemplo de Angela Alonso, Camila Rocha, Ester Solano, Isabela Kalil e Pablo Ortellado, têm mapeado linhas de ação, formas de organização e visões de mundo da direita extrema no país. Esta pode ser comparada a um arquipélago de ilhas diferentes entre si, que, submersas, foram trazidas à tona pelo efeito combinado do conflito político com a polarização da década passada e cujo espaço a comunicação digital da atualidade expandiu.

As ilhas da extrema direita organizada são povoadas por grupos heterogêneos: libertários que reivindicam o porte de armas de fogo; mercadistas ultraliberais; conservadores possessos com a suposta dissolução dos costumes; fascistas pedestres ou motorizados; monarquistas perdidos no tempo; partidários de uma ordem capaz de prevalecer sobre a lei; patriotas para os quais o princípio da soberania nacional conta mais do que a defesa do ambiente; adeptos de uma edulcorada tradição ocidental em vias de desmanche; viúvas e viúvos do Brasil Grande do regime militar. Muitos são câmaras de eco de interesses de empresas, igrejas, corporações; outros, enfim, apenas vocalizam os ressentimentos e as frustrações que a realidade social sempre produz.

Bolsonaro não os criou mas ampliou sua expressão política nacional, além de lhes infundir um propósito comum: a destruição da democracia representativa e das instituições edificadas sob as regras da Carta de 1988. Proporcionou-lhes, também, não exatamente um discurso —algo muito acima do seu manejo da lógica e do idioma—, porém um conjunto de comandos encharcados de ódio que cabem num tuíte, num cartaz de passeata ou numa camiseta.

O americano Benjamin Teitelbaum, professor da Universidade do Colorado e autor de “Guerra pela Eternidade” —um notável estudo das virulentas cepas do tradicionalismo de Steve Bannon e Olavo de Carvalho—, certa vez perguntou ao brasileiro se acreditava que Bolsonaro entendia a sua convoluta teoria sobre os ciclos da história das sociedades. Messiânico, o olavismo prega que o fim da democracia contemporânea é condição para o retorno da humanidade a uma era de ouro. Com candura, o mentor do presidente respondeu que o importante era a sua grande força destrutiva, não o que consegue compreender. No próximo Dia da Pátria, esse poderio que nutre a raivosa direita extrema será posto à prova contra as instituições democráticas.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap. 

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