O Globo
Um extraterrestre que desse uma panorâmica
sobre o noticiário brasileiro constataria que as instituições estão em
atividade frenética: o Congresso votando pautas importantes, uma CPI produzindo
descobertas de impacto em ritmo quase diário, o Judiciário tomando decisões
históricas como a que define o marco temporal para a posse das terras
indígenas… e o presidente da República em franca campanha pela reeleição. O
alienígena não estaria errado. Mas teria, sem dúvida, uma visão limitada do
cenário. Apesar de toda a agitação, o Brasil já completa quatro semanas em
suspenso, esperando para ver o que acontecerá no dia 7 de Setembro.
Não é só a indicação de André Mendonça para uma vaga no Supremo que espera veredicto para depois das manifestações. Há um mês se discute como o governo poderá arcar com os quase R$ 90 bilhões em dívidas judiciais de pagamento obrigatório, sem romper o teto de gastos, e ainda quais serão o valor e as fontes de recursos do novo Bolsa Família. Das respostas, dependem tanto as projeções econômicas como as movimentações eleitorais para 2022 — e, portanto, também o destino de Jair Bolsonaro.
Num governo normal, tudo teria sido
resolvido até a última terça-feira, quando venceu o prazo para a apresentação
da Lei Orçamentária Anual. Mas o Orçamento que chegou ao Congresso não só não
solucionou nenhum dos impasses, como previu o contrário do que o governo vinha
anunciando: o pagamento integral das dívidas judiciais e zero reajuste para o
Bolsa Família.
Não que não se tenham tentado soluções. Num
esforço que há muito tempo não se via, o ministro da Economia, Paulo Guedes,
foi ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ao comandante da Câmara, Arthur
Lira, e ao ministro do Supremo Gilmar Mendes apelar por um acordo. Não
conseguiu coisa alguma, porque ninguém quer se comprometer com nada antes do 7
de Setembro.
Foi o próprio presidente da República quem
criou essa situação, ao convocar para o feriado da Independência atos contra o
Supremo e o Tribunal Superior Eleitoral. “Pode ter certeza, vamos ter uma
fotografia para o mundo do que vocês querem. Eu só posso fazer uma coisa se
vocês assim o desejarem”, disse Bolsonaro no mesmo dia em que entregou ao
Senado o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes.
Dias depois de o pedido ter sido rejeitado,
ele subiu o tom: “Digo uma coisa aos senhores. Tenho três alternativas para meu
futuro: estar preso, ser morto ou a vitória. Pode ter certeza: a primeira
alternativa, preso, não existe. Nenhum homem aqui na Terra vai me amedrontar”.
Está claro que, para o presidente acuado
pelo avanço das investigações do STF e da CPI e pelo clima de repúdio a seus
gestos golpistas, tornou-se questão de sobrevivência produzir uma demonstração
de força para “amedrontar” seus “inimigos”.
Por isso há quem ache que, uma vez feito o
show, Bolsonaro poderá se acalmar e negociar o que realmente interessa ao
Brasil. Ilusão à toa. Não precisa ser nenhum gênio para deduzir que, sejam os
atos grandes ou pequenos, o presidente arranjará um novo pretexto para
tumultuar o ambiente antes mesmo que o último manifestante tenha deixado a
Avenida Paulista.
O problema é que, a menos que haja uma
grave ruptura, quando o dia 8 amanhecer, as dívidas e precatórios, o Bolsa
Família e o caso André Mendonça ainda estarão à espera de uma solução. Ficará
ainda mais evidente que estamos diante de um governo fraco, que não sabe
negociar nem aprovar seus projetos no Congresso e que, por isso, caminha para
romper o teto de gastos.
Como lembrou outro dia um burocrata
experimentado no assunto, com R$ 15 bilhões em emendas parlamentares, Michel
Temer conseguiu aprovar justamente o teto de gastos e impedir o próprio
impeachment. Bolsonaro já tem quase R$ 37 bilhões, R$ 20 bilhões das emendas
regulares mais R$ 16,8 bilhões do orçamento secreto, e mesmo assim vive tomando
bordoada. Por mais altos que sejam, os gritos que o presidente dará em cima do
palanque não mudam essa realidade.
O que Bolsonaro finge não ver é que o preço
do 7 de Setembro já começou a ser pago. Quanto mais o tempo passa sem solução
para problemas que qualquer governo normal já teria resolvido, piores são as
perspectivas para a economia e mais custosas se tornam as negociações
políticas. E, claro, mais difícil fica sua busca pela reeleição. O presidente
pode até sair do palanque se sentindo mais forte. Mas, se no dia 8 ele não
tiver conseguido dar um golpe, muito provavelmente terá dado mais um passo rumo
à própria derrota.
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