quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Celso Ming – As ameaças ao PIB que pode emagrecer

O Estado de S. Paulo

Essa queda do PIB, de 0,1% no segundo trimestre em comparação com o nível do primeiro trimestre deste ano, só não é inteiramente decepcionante porque já era esperada. Mas, por menor que seja essa decepção, ela é uma pedra adicional a puxar para baixo o crescimento esperado para este ano.

Também ilusório é o desempenho de 1,8% em 12 meses. Trata-se de comparação com base muito fraca, que foi a derrubada ocorrida em 2020, primeiro ano da pandemia. Em todo caso, dá para contar com um avanço do PIB neste ano de cerca de 5%. Como canta o rapper Emicida nos bailes das comunidades e nas redes sociais: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”.

As Contas Nacionais do segundo trimestre passam outros recados. O primeiro deles é a fragilidade do consumo das famílias, que teve avanço zero. Mesmo com auxílio emergencial, apesar do valor reduzido, e certa retomada no emprego, o consumidor não consegue alavancar o crescimento econômico: tem muita dívida perto do vencimento e uma inflação que corrói seu poder aquisitivo.

Na ótica da oferta de bens e serviços, a decepção foi para o setor de agricultura e pecuária: queda de 2,8%. Foram determinantes a relativa acomodação dos preços das commodities que, por sua vez, também caíram alguma coisa em consequência da valorização do real (queda do dólar no câmbio interno), das geadas em algumas localidades e do início do período de seca. Em compensação, apesar da desorganização do fluxo dos suprimentos, o baque na indústria foi menor do que o esperado, de apenas 0,2%. E o setor de serviços, beneficiado com o retorno à atividade econômica com o enfraquecimento da pandemia, avançou 0,7% – algo mais do que o esperado.

Este PIB mais magro vai pesar negativamente no resto do ano. A variante delta está deixando de ser fator crítico capaz de comprometer ainda mais a recuperação. Mas há outros.

O mais importante deles é a crise hídrica. Até agora, o governo Bolsonaro preferiu esconder a gravidade do problema. Mas ainda não está sendo suficientemente enfático em preparar a população para prováveis colapsos da oferta de energia, não só neste ano, mas, também, no próximo. Por enquanto, o governo limita-se a puxar pelas tarifas e a certos remanejamentos no despacho de energia. Falta um plano de emergência e, mais do que isso, falta um programa agressivo de investimentos em energias renováveis para tentar suprir as deficiências de geração das hidrelétricas. É verdade que quaisquer investimentos nas modalidades eólica e solar levam mais de um ano para começar a produzir. No entanto, há razões para entender que esta não é uma crise passageira. Tende a se agravar. E a mobilização do consumidor para que ele próprio passe a gerar energia solar fotovoltaica é a maneira adequada de conscientizar a população para o problema. Em termos imediatos, o agravamento da crise hídrica deverá atingir especialmente o agronegócio, o setor mais dinâmico da produção brasileira.

São três os outros fatores críticos que podem derrubar a produção dos próximos meses. O primeiro deles é a inflação que ameaça atingir os dois dígitos em 12 meses, já que está sendo agravada agora com a “taxa de escassez hídrica” que vai encarecer a conta de luz em quase 7%. O outro é a maior desorganização das contas públicas e da dívida (questão fiscal), que afugenta os investimentos. E o terceiro fator de risco é a desordem e a paralisação da administração que podem acompanhar um processo eleitoral caótico.

Que o Emicida não tenha de atualizar a letra de sua música com a frase: “Ano que vem vou morrer outra vez”.

 

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