Folha de S. Paulo
O livro Limonov, de Emmanuel Carrère, lança
luz sobre a invasão da Ucrânia
A invasão
da Ucrânia me recordou "Limonov", o livraço de Emmanuel
Carrère publicado em 2011. Carrère esbarrou num personagem real —Eduard
Veniaminovich Limonov (1943-2220), ucraniano de nascimento cuja história vai da
batalha de Stalingrado até os destroços do pós-comunismo na Rússia— que é o
sonho de todo romancista.
O autor sente-se obrigado a explicar: "Não é um personagem de ficção. Ele existe. Eu o conheço". Também não é uma biografia. Está mais para reportagem selfie. Neto de imigrante georgiano que chegou à França nos anos 1920, Carrère aproveita a trajetória de Limonov para falar de si mesmo e das dificuldades em entender o mundo multipolar de seu protagonista. O cara era um enigma, um exemplo das incertezas e confusões da época atual. Como o ataque a Kiev, que não opõe combatentes de cores azuis e vermelhas; aponta uma zona cinzenta no mapa.
Gênio do mal vestido como artista punk,
Limonov tinha outros disfarces. Delinquente juvenil, ídolo do underground
soviético, mendigo, mordomo em Manhattan, escritor da moda em Paris, soldado
nas guerras dos Bálcãs, presidiário e chefe de um partido radical que misturava
fascismo e comunismo na mesma bandeira.
A epígrafe de "Limonov" é de Putin: "Quem pretende restaurar o
comunismo não tem cabeça. Quem não sente saudades dele não tem coração". O
livro, tangencialmente, traça um perfil do autocrata que está no poder na
Rússia desde 2000. "Garotinho franzino e misantropo, foi educado no culto
à pátria, à Grande Guerra Patriótica, à KGB e ao cagaço que ela infunde nos
cagões do Ocidente", escreve Carrère, que estabelece uma única diferença
entre Limonov e Putin: o último triunfou.
Uma observação do escritor francês
sobre o presidente russo pode explicar a vassalagem de Bolsonaro ante um homem
que pretende "desnazificar" a Ucrânia com tanques e bombas:
"Quando mente, é de maneira tão afrontosa que ninguém se ilude".
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