O Globo
Bolsonaro palestrou para o mercado
financeiro. Estava bravo. Tom em que apresentou o tripé por meio do qual
pretende ser competitivo — e creio que será — em 2022: radicalizar contra o
“establishment”, atacando sobretudo a credibilidade da urna eletrônica, para
alimentar sua base de apoio sectária; radicalizar na sociedade com Ciro
Nogueira/Arthur Lira/Valdemar Costa Neto, de modo a colher em votos a perversão
do Orçamento em orçamento secreto para reeleição; e radicalizar na mobilização
do sentimento antilulopetista, ora adormecido.
Palestrou para a mesma plateia que o ovacionara quatro anos atrás, então pré-candidato, enquanto desfilava sua agenda econômica: valorizar a banana do Vale do Ribeira, destinada a competir com a do Equador, e investir na transformação da Baía de Angra numa nova Cancún. Já havia Paulo Guedes, embora ausente do evento. Ausente, mas presença o suficiente — fiador o bastante — para que não houvesse dúvida, apesar das bananas e de suas cascas: Bolsonaro, “mito, mito!”, já era, meses antes do primeiro turno, o escolhido.
Quatro anos depois, falando para a mesma
turma, e longe de ser rejeitado, cercado ali dos muitos robertos-jeffersons da
Faria Lima, havia mudanças. Duas delas: tinha Guedes presente, sentado a seu
lado; e estava irritado.
A irritação de Bolsonaro derivava da
percepção de que o ente mercado chegara ao ano eleitoral precificando uma
possível vitória de Lula como algo não tão terrível. A rapaziada tem memória...
Ganhou dinheiro. Mas o conformismo da banca com uma eventual nova Presidência
de Lula decorreria de constatação recente: o ex-presidente havia se tornado
palatável porque Guedes fracassara.
Ou não terá fracassado o reformista que
celebra como “marco do início da reindustrialização brasileira” um puxadinho —
decreto reduzindo alíquotas do IPI —típico de Dilma Rousseff ? Ou não terá
fracassado o liberal que, depois de jogar no Parlamento fatia modesta de
reforma tributária, jogar e abandonar, contenta-se com uma gambiarra, arranjo circunstancial
e insustentável, pensada para fins eleitoreiros, que se escora num aumento
artificial de arrecadação, produto do imposto inflacionário?
Eis a reindustrialização de Guedes:
deflagrada por decreto e com validade condicionada ao caixa artificialmente
cheio pelo efeito da inflação que se quer baixar. Eis o desenho da bagunça: a
arrecadação sobe como consequência da inflação descontrolada, sendo os efeitos
desse descontrole a cobrir a renúncia fiscal.
Por que não Mantega?
O faniquito com que Bolsonaro cobrava o
apoio dos banqueiros era — sem ser a intenção — uma manifestação contra o
ministro da Economia. Era a admissão da falência do ministro. Fora o ministro —
e só o ministro — quem tivera o apoio enfraquecido. Era com Guedes — somente
para Guedes — a irritação de Bolsonaro, embora o presidente não soubesse nem o
ministro recebesse. Todo mundo entendeu. Guedes, sentado ao lado de Bolsonaro,
estava ausente o suficiente — encolhido o bastante — para nem sequer coletar o
que lhe era destinado. Ninguém mais liga. E a galera até preferiria um Pedro
Guimarães.
A palestra do presidente, porém, informava
mais. Porque, mesmo que Guedes fosse competente, capaz de formular e executar
políticas públicas, ainda assim haveria Bolsonaro no caminho, a casca de banana.
Mas isso nem todo mundo quer entender.
Estava ali, aos berros, a explicação de por
que este governo, com ou sem Guedes, é roda presa, organicamente avesso a
reformas estruturais: porque Bolsonaro, antirreformista como Lula, é também o
maior gerador de instabilidades já havido na República, centro irradiador de
inseguranças, de imprevisibilidade, num solo, o dos negócios, que depende de
estabilidade.
Bolsonaro é o risco fiscal. Leio, porém,
que o risco fiscal estaria controlado. Controlado? Como? Está controlado
Bolsonaro? Ou não terá feito, para gestores de bilhões de reais, nova pregação
— suprassumo da instabilidade institucional — contra o sistema eleitoral,
contra a Justiça Eleitoral, contra a Suprema Corte?
Bolsonaro faz — para usar palavra do momento
— sanções diárias contra o Brasil. O PT não pode derrubar o teto de gastos
porque o governo liberal já o botou no chão. E foi este o governo a
constitucionalizar o aterro da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas que não
sejam subestimados os daniéis-silveiras da Faria Lima. Nunca foi pelas
privatizações.
Que não seja subestimado Bolsonaro. Gritava
desde a cadeira de presidente. Tem a máquina do Estado. E, se de um lado seu
sentava-se o fracasso, razão e destino dos berros, do outro alinhava-se Ciro
Nogueira, chance de futuro, faca nos dentes, sócio no projeto de reeleição e
dono do Orçamento da União deste país de “risco fiscal controlado”. Farão o
diabo.
E é Ciro o formulador da talvez principal
perna estratégica do tripé pela reeleição, de cujo exercício, na palestra, o
presidente colheu as melhores reações da plateia, a quase lembrar a paixão de
quatro anos antes: o investimento pesado no sentimento anti-Lula. Foi decisivo
em 2018. Não há por que pensar que não será influente em 2022.
A rapaziada toparia Lula. Mas verga por
Bolsonaro, Guedes à irrelevância. O novo lema vai empolgar: “Ustra nos
costumes; Tarcísio na economia”. A paixão se agita. Pouco a ver com Estado
mínimo.
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