Folha de S. Paulo
Há quem busque artifícios para defender o
lado moralmente errado
"Que falta de sofisticação condenar
Putin! Não sabe que a situação
no leste europeu é complexa?" Sem dúvida, é. A realidade é complexa,
não há nada puramente bom ou puramente mau. Em meio aos incontáveis tons de
cinza, contudo, é preciso fazer escolhas, e essas escolhas não são todas
equivalentes.
Há quem recorra à complexidade para aprofundar nosso entendimento —e não tenhamos dúvida: tudo é complexo, até comprar pão na padaria. E há aqueles que buscam nos afundar em complexidades para defender —sem a coragem de admiti-lo— o lado moralmente errado.
Como bem apontado por Yuval Harari em artigo para a The Economist (9.fev), a ordem global liberal marcou uma mudança de valores: a conquista territorial deixou de ser bem-vista. A guerra é uma tragédia e não a aspiração legítima de uma sociedade. Desde 1945, nenhuma nação internacionalmente reconhecida foi apagada por conquista militar externa. É por isso que o mundo inteiro se levanta em coro para apoiar a Ucrânia, mesmo que intelectuais continuem a adular Moscou.
Putin, um autocrata que persegue e mata
opositores e jornalistas e que patrocina a maior operação de fake news e
desinformação do mundo —tendo como objetivo consolidar seu poder internamente e
desestabilizar as nações democráticas—, invade uma nação
democrática e soberana pelo "crime" de querer se juntar a
uma organização com a finalidade justamente de se proteger. Podemos esmiuçar os
méritos dos dois lados, podemos opinar que a expansão demasiada da Otan foi
imprudente; mas não há muita dúvida de qual lado está certo nessa história. Não
se defendemos os valores básicos de paz, democracia, e autodeterminação dos
povos.
A
ideia de que a Rússia ou qualquer outro país tem o direito de invadir nações
vizinhas porque acha que sua segurança estaria em risco é monstruosa. Agora
uma maioria inédita de finlandeses
também defende a entrada de seu país na Otan. Pelo raciocínio que embala
tantos torcedores de Putin brasileiros, se o governo democraticamente eleito da
Finlândia tomar essa decisão, Putin estará em seu direito de invadi-la?
Aplicariam essa mesma lógica aos EUA com relação ao continente americano?
Numa análise realista, a aventura de Putin
será, provavelmente, um desastre para os interesses de seu próprio país. A
Rússia ficará mais isolada, sua população mais pobre e mais descontente. Ao
mesmo tempo, a Otan se fortalecerá e a Europa diminuirá sua dependência
energética na Rússia. O governo Putin é um flagelo não só para ucranianos como
para a população russa também.
O horror justificado que todos nós, no
Brasil, temos à guerra não deve apagar a distinção moral crucial entre agressão
e defesa. A Rússia é um agressor serial de seus países vizinhos. Zelensky e a
população ucraniana, que têm demonstrado a coragem heroica de defender seu
país, não têm responsabilidade pela destruição.
Zelensky,
o palhaço, o antipolítico, o inexperiente, entrará para a história de seu país
como tendo-o liderado corajosamente num momento sombrio, perante uma ameaça
muito mais forte, sem capitular nem fugir. Putin, o pretenso novo
czar, o ídolo de tantos da extrema direita e da extrema esquerda em nosso país,
afunda sua nação cada vez mais e, se houver justiça, será algum dia deposto e
condenado à morte por seus crimes. Seus defensores aqui no Brasil devem ter a
total liberdade de seguir com sua militância. Mas sejamos simples e diretos:
eles são inimigos da nossa democracia.
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