terça-feira, 1 de março de 2022

Joel Pinheiro da Fonseca: A 'complexidade' da questão russa não deve nos impedir de ver o óbvio

Folha de S. Paulo

Há quem busque artifícios para defender o lado moralmente errado

"Que falta de sofisticação condenar Putin! Não sabe que a situação no leste europeu é complexa?" Sem dúvida, é. A realidade é complexa, não há nada puramente bom ou puramente mau. Em meio aos incontáveis tons de cinza, contudo, é preciso fazer escolhas, e essas escolhas não são todas equivalentes.

Há quem recorra à complexidade para aprofundar nosso entendimento —e não tenhamos dúvida: tudo é complexo, até comprar pão na padaria. E há aqueles que buscam nos afundar em complexidades para defender —sem a coragem de admiti-lo— o lado moralmente errado.

Como bem apontado por Yuval Harari em artigo para a The Economist (9.fev), a ordem global liberal marcou uma mudança de valores: a conquista territorial deixou de ser bem-vista. A guerra é uma tragédia e não a aspiração legítima de uma sociedade. Desde 1945, nenhuma nação internacionalmente reconhecida foi apagada por conquista militar externa. É por isso que o mundo inteiro se levanta em coro para apoiar a Ucrânia, mesmo que intelectuais continuem a adular Moscou.

Putin, um autocrata que persegue e mata opositores e jornalistas e que patrocina a maior operação de fake news e desinformação do mundo —tendo como objetivo consolidar seu poder internamente e desestabilizar as nações democráticas—, invade uma nação democrática e soberana pelo "crime" de querer se juntar a uma organização com a finalidade justamente de se proteger. Podemos esmiuçar os méritos dos dois lados, podemos opinar que a expansão demasiada da Otan foi imprudente; mas não há muita dúvida de qual lado está certo nessa história. Não se defendemos os valores básicos de paz, democracia, e autodeterminação dos povos.

A ideia de que a Rússia ou qualquer outro país tem o direito de invadir nações vizinhas porque acha que sua segurança estaria em risco é monstruosa. Agora uma maioria inédita de finlandeses também defende a entrada de seu país na Otan. Pelo raciocínio que embala tantos torcedores de Putin brasileiros, se o governo democraticamente eleito da Finlândia tomar essa decisão, Putin estará em seu direito de invadi-la? Aplicariam essa mesma lógica aos EUA com relação ao continente americano?

Numa análise realista, a aventura de Putin será, provavelmente, um desastre para os interesses de seu próprio país. A Rússia ficará mais isolada, sua população mais pobre e mais descontente. Ao mesmo tempo, a Otan se fortalecerá e a Europa diminuirá sua dependência energética na Rússia. O governo Putin é um flagelo não só para ucranianos como para a população russa também.

O horror justificado que todos nós, no Brasil, temos à guerra não deve apagar a distinção moral crucial entre agressão e defesa. A Rússia é um agressor serial de seus países vizinhos. Zelensky e a população ucraniana, que têm demonstrado a coragem heroica de defender seu país, não têm responsabilidade pela destruição.

Zelensky, o palhaço, o antipolítico, o inexperiente, entrará para a história de seu país como tendo-o liderado corajosamente num momento sombrio, perante uma ameaça muito mais forte, sem capitular nem fugir. Putin, o pretenso novo czar, o ídolo de tantos da extrema direita e da extrema esquerda em nosso país, afunda sua nação cada vez mais e, se houver justiça, será algum dia deposto e condenado à morte por seus crimes. Seus defensores aqui no Brasil devem ter a total liberdade de seguir com sua militância. Mas sejamos simples e diretos: eles são inimigos da nossa democracia.

 

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