O Globo
‘Existem no Brasil apenas duas coisas
realmente organizadas: a desordem e o carnaval.’ Essa frase, atribuída ao barão
do Rio Branco, é perfeita para explicar por que o carnaval aconteceu mesmo
tendo sido oficialmente adiado devido à pandemia da Covid-19. O mesmo se deu há
110 anos, devido justamente à morte do próprio barão, o então ministro do
Exterior, José Maria Paranhos Júnior, um apaixonado por carnaval e pela cultura
brasileira.
No mês do centenário de morte do barão, que, aliás, manteve o título mesmo
depois de proclamada a República, publiquei um texto na edição eletrônica do
GLOBO que merece ser relembrado. O barão morreu no dia 10 de fevereiro de 1912,
quando estava tudo pronto para o carnaval no dia 17 de fevereiro. O governo
decretou luto oficial e transferiu o carnaval para o dia 6 de abril, o mesmo
mês em que acontecerá nosso carnaval oficial.
Assim como há 110 anos, o carnaval da pandemia aconteceu em festas de rua, em
lugares fechados e até mesmo com convites pagos, em vários estados e cidades. O
adiamento do carnaval só aconteceu essas duas vezes, por razões de tragédias. A
nova cepa Ômicron inviabilizou o carnaval oficial deste ano, assim como a morte
do barão do Rio Branco provocou uma comoção nacional, com milhares de pessoas
chorando na fila de seu velório. Muitos blocos desfilaram na data marcada,
embora as lojas e repartições públicas estivessem fechadas e, depois do luto,
outro carnaval começou.
O carnaval de 1912 ficou marcado na História da diplomacia e da cultura
brasileiras. A irreverência das marchinhas não poupou nem mesmo o presidente da
República, Marechal Hermes da Fonseca: “Com a morte do barão/Tivemos dois
carnavá/Ai que bom, ai que gostoso/Se morresse o marechá”. O barão era um herói
nacional. Primeiro, com a defesa das pretensões brasileiras na questão de
limites com a Argentina (Questão de Palmas), em que convenceu o árbitro, o
presidente americano Grover Cleveland. A imprensa fez festa, o barão ganhou
notoriedade nacional e foi nomeado para nova questão de limites (Questão do
Amapá), agora contra a França, potência imperialista, cujo árbitro era suíço,
bem menos inclinado a favor do Brasil do que deveria ser um presidente
americano da época.
Mais uma vez, venceu e ganhou a fama de ter desenhado o contorno do território
nacional do Oiapoque, fronteira com a Guiana Francesa, ao Chuí, que fica no Rio
Grande do Sul, mas está próximo da região disputada com a Argentina. Depois de
uma década inteira como diplomata bem-sucedido fora do país, cada vez mais
famoso e comemorado, ele retornou ao Brasil em 1902 para exercer a chancelaria,
que ocuparia durante dez anos e quatro Presidências.
Logo no início de sua gestão, ainda conseguiu resolver, pacificamente, a
espinhosa e explosiva Questão do Acre, que era território da Bolívia e
tornou-se brasileiro pelo Tratado de Petrópolis (1903), evitando uma guerra que
no ano anterior era iminente. O Brasil como nós conhecemos hoje não seria
possível sem o esforço diplomático do barão do Rio Branco. Alguém consegue
imaginar o Brasil sem parte dos estados de Santa Catarina e Paraná? Sem o
estado do Acre? — perguntam os historiadores, para ressaltar a importância
fundamental de Rio Branco na conformação de nosso território.
Também houve uma questão muito importante envolvendo a Inglaterra e a Ilha da
Trindade. A disputa com a Inglaterra, na época uma potência mundial, foi
definida favoravelmente. Além disso, foi na gestão do barão que abrimos nossa
primeira embaixada. Em 1905, Joaquim Nabuco, um dos fundadores da Academia
Brasileira de Letras (ABL), foi o primeiro embaixador brasileiro em Washington.
Hoje, a diplomacia internacional, que não conseguiu parar o protoditador russo
Putin, está sendo substituída pelas armas. A pandemia, que parece estar se
aproximando do fim, ainda assim impediu que o carnaval oficial se realizasse.
Mas nem a morte de um herói, nem o receio de uma doença que pode ser fatal
impediram que o povo saísse às ruas para a festa. O que confirma a frase
atribuída ao barão que abre esta coluna.
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