sexta-feira, 3 de junho de 2022

Claudia Safatle: Meta de inflação deve ser adiada para 2024?

Valor Econômico

Demora na decisão pode comprometer parte da credibilidade do Copom

O Banco Central tem resistido, mas é crescente o debate sobre o futuro da taxa de juros e da própria meta de inflação. A questão é se o Comitê de Política Monetária (Copom) deve continuar subindo os juros ou já está chegando a hora de redefinir a meta de inflação para 2023 e 2024, esticando o prazo para a convergência da expectativa de inflação para a meta?

Hoje a situação é de uma meta de 3,5% para uma inflação acumulada em 12 meses de 12,13%. Para alguns economistas de peso, estaria chegando o momento de o Banco Central avisar aos agentes econômicos que a convergência só deverá acontecer em 2024. A meta de 3,25% de variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para 2023 seria elevada ou não se estabelece um objetivo para o próximo ano, trabalhando com a meta para a inflação do ano seguinte.

Esse tema foi objeto de discussão no 8º Seminário Anual de Política Monetária, promovido no fim de maio pelo FGV Ibre, com apoio do Valor. Ali o ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore defendeu “a proatividade do BC na subida da taxa de juros” para evitar maiores custos da desancoragem das expectativas de inflação. Já Eduardo Loyo, ex-diretor do Banco Central, argumentou que a estratégia de política monetária que envolve menos custos, dadas as atuais circunstâncias, é adiar o cumprimento da meta de inflação para 2024, já que fazê-lo em 2023 tornou-se pouco crível e dificulta a própria ancoragem das expectativas.

Segundo escreveu Alex Ribeiro, do Valor, Loyo considera uma “quimera” o cumprimento da meta de inflação em 2023. “Insistir que vai entregar a meta em 2023 está ficando cada vez mais inútil do ponto de vista de ancoragem de expectativas”, sustentou. Ele reconheceu, porém, que um dos desafios é o BC comunicar, no “timing” correto e de forma adequada, o eventual deslocamento do seu objetivo inflacionário para 2024.

É importante observar que quanto mais tardia for essa comunicação, com toda a sorte de pressões acumuladas e a inflação totalmente desancorada da meta, mais o Copom corre o risco de passar a imagem de que está “jogando a toalha”, porque não quer mais subir os juros, derrubando parte relevante da sua credibilidade.

Ou seja, se for para esticar o prazo de convergência da inflação para a meta, que seja mais cedo do que mais tarde.

Esse é um debate legítimo e cabe ao Copom decidir o que vai fazer. Por enquanto, o Banco Central está negando qualquer intenção de mudança.

Mas há quem defenda que essa é a única alternativa, cujo formato pode variar. Afinal, para que servem o juros básicos da economia, a taxa Selic. Servem para controlar a demanda agregada. Não é possível se esperar de um aperto monetário um tratamento cirúrgico. Ele está mais para um bombardeio indiscriminado.

Não há o dilema de se apertar ou não os juros diante de choques de oferta de grande magnitude, seja a pandemia, seja a guerra entre Rússia e Ucrânia, que elevou os preços do petróleo e da energia em geral, além dos alimentos.

Aqui, agora, os dilemas são mais sutis e não necessariamente quem diverge da posição de Pastore advoga uma taxa de juros menor. A sutileza está na intensidade do aperto monetário, na sua velocidade e no tempo esperado para que ocorra a convergência entre as expectativas de inflação e a sua meta. Não se trata, portanto, de apertar ou afrouxar mas de apertar ainda mais ou não.

Nesse aspecto, pode se considerar que o Banco Central fez um aperto monetário na quantidade adequada desde que as expectativas de inflação não deteriorem muito mais. O mercado está precificando uma inflação a perder de vista, em algo próximo a 6% ao ano e a taxa Selic deve chegar à casa dos 13%, o que resulta em uma taxa de juros real de 7%, o que é visto como suficiente para produzir a desinflação pretendida. Se, por ventura, a inflação saltar para a casa dos 9%, por exemplo, os juros reais cairiam para 4%, o que parece pouco para a desinflação esperada.

É bom que se diga que não há um modelo pelo qual você consiga cravar o tamanho dos juros necessários para um determinado processo de desinflação. A política monetária é, portanto, destinada a mitigar a inflação, ainda que ao custo da atividade econômica.

Em situações de choques adversos como os que estamos vivendo hoje cabe ao Banco Central acomodar os efeitos de primeira ordem e combater os de segunda ordem. Essa, é claro, é uma simplificação da receita. Mas ao acomodar os efeitos de primeira ordem e combater os de segunda isso significa que terá aperto monetário com a elevação da taxa de juros. Esse aperto pretende mitigar a transmissão do choque para a inflação e vai agravar a transmissão do choque para a atividade. Essa é a receita canônica.

Não há como escolher onde os juros elevados vão fazer efeito. Mas, como a política monetária opera com defasagens, ela vai agir mais a frente onde, supostamente, os efeitos de segunda ordem é que estarão vigorando.

Hoje há coisas acontecendo ao mesmo tempo que estão ajudando a esquentar a economia enquanto a política monetária pretende esfriá-la. Em relação à atividade, a abertura no pós-fechamento decorrente da covid-19, o rebalanceamento de hábitos de consumo e a taxa de desemprego que continua caindo. Há, por outro lado, choques importantes de preços globais do petróleo e dos alimentos, que pressionam a inflação.

É curioso como as coisas mudam. Há pouco tempo era comum ver economistas discutindo sobre se a meta deveria ser de 3,5% ou 3,25%. Hoje a inflação medida pelo IPCA é de 12,13% acumulada em 12 meses e os choques de oferta ainda não terminaram.

Nenhum comentário: