O Globo
Seria importante que todas as políticas
sociais, tirando as setoriais, estivessem unificadas em um único ministério
Vamos hoje para nosso nono encontro nesta
“jornada de debates” com vistas ao programa de governo de quem conduzir o país
de 2023 em diante. Uma das lendas urbanas existentes em nossa política diz
respeito à interpretação de que o governo seria uma instituição que só
trabalharia para “os privilegiados”. Trata-se de um completo equívoco.
Embora seja claramente verdadeiro que o Brasil gasta muito com grupos populacionais numericamente modestos — e o maior exemplo disso é a previdência dos servidores públicos — o fato é que, após a redemocratização de 1985, muitos grupos até então alijados da disputa distributiva passaram, por assim dizer, a fazer parte da mesa do jantar. Tornamo-nos — e isso é bom — uma sociedade, nesse sentido, mais democrática.
Infelizmente, esse esforço em favor de uma maior
igualdade não foi acompanhado de uma organização econômica voltada para
acelerar o ritmo do progresso. O resultado é um Estado que gasta muito e, ao
mesmo tempo, deixa todos os grupos insatisfeitos, porque obviamente é
impossível ficar feliz com um país que encolhe, como encolheu a renda per
capita do país entre 2010 e 2021.
O fato, de qualquer forma, é que não é
verdade que não tenhamos políticas sociais. Temos, a rigor — e muitas. O
problema é que elas não são integradas entre si. Observe-se o que aconteceu em
2020: a despesa do Bolsa Família caiu.
Por quê? Porque o país ficou mais rico e
passou a ter menos famílias pobres? Não: simplesmente porque muitas famílias
que antes recebiam o Bolsa Família passaram, durante vários meses, a receber o
“coronavoucher”. Havia ali dois guichês superpostos oferecendo recursos.
Tome-se outro caso: a confusão entre Loas e
aposentadorias básicas. O leitor já se perguntou qual é o sentido de alguém que
ganha um salário mínimo contribuir por 15 ou 20 anos para o INSS se, aos 65
anos, na mesma idade, receberá o mesmo valor que receberia pelo Loas sem ter
contribuído uma única vez?
Não é de estranhar, portanto, que o
percentual de contribuintes do sistema na faixa de 1 a 2 salários mínimos seja
significativamente inferior ao das demais faixas de renda. Esse é, tipicamente,
um caso em que um programa social deveria falar com o outro.
Os exemplos abundam, enfim. Por isso, na
reflexão sobre a gestão de governo de 2023/2026, cabe um olhar especial à
(re)organização ministerial. Seria importante que todas as políticas sociais,
tirando as setoriais — educação, saúde e talvez segurança pública — do futuro
governo estejam unificadas num único ministério, que o natural é que se chame
de Políticas Sociais.
Assim, Auxílio Brasil, Loas, benefícios
previdenciários, seguro desemprego, etc., estariam sob o mesmo guarda-chuva.
Cabe ressaltar, porém, que essa pasta
deveria ser da chamada “cota pessoal” do presidente da República, para ser
conduzida por alguém com zelo técnico, ainda que com bom traquejo político. Por
quê? Porque se um político convencional botar a mão nesse ervanário, o risco de
começarem a ser praticadas todo tipo de distorções é enorme.
Essa pasta tem que ter um exército de gente
qualificada avaliando políticas, comparando incentivos, pensando em mecanismos
de integração de excluídos ao mercado de trabalho, dialogando com o Banco
Mundial para organizar seminários, aprendendo de outras experiências, conversando
com economistas e autoridades de outros países, pensando, pensando, pensando.
A última coisa que o país precisa é que o
ministro dessa pasta tenha que acomodar num cargo o ex-senador Fulano ou o
filho do deputado Sicrano para atender aos interesses do candidato X ou tentar
aproximar o partido Y da base aliada. Nesse caso, teremos uma ideia natimorta.
São recursos expressivos. Se às
aposentadorias do INSS adicionarmos Auxílio Brasil, FAT e Loas, por exemplo,
estaremos falando de algo em torno de 11% do PIB. É muito dinheiro. Exige
cuidados redobrados. Se a ideia for levada à frente, porém, teremos dado um
passo chave para a avaliação técnica das políticas.
Um comentário:
Teorizar é uma coisa,a ação prática é outra.
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