sexta-feira, 3 de junho de 2022

Fabio Giambiagi: A questão social do país

O Globo

Seria importante que todas as políticas sociais, tirando as setoriais, estivessem unificadas em um único ministério

Vamos hoje para nosso nono encontro nesta “jornada de debates” com vistas ao programa de governo de quem conduzir o país de 2023 em diante. Uma das lendas urbanas existentes em nossa política diz respeito à interpretação de que o governo seria uma instituição que só trabalharia para “os privilegiados”. Trata-se de um completo equívoco.

Embora seja claramente verdadeiro que o Brasil gasta muito com grupos populacionais numericamente modestos — e o maior exemplo disso é a previdência dos servidores públicos — o fato é que, após a redemocratização de 1985, muitos grupos até então alijados da disputa distributiva passaram, por assim dizer, a fazer parte da mesa do jantar. Tornamo-nos — e isso é bom — uma sociedade, nesse sentido, mais democrática.

Infelizmente, esse esforço em favor de uma maior igualdade não foi acompanhado de uma organização econômica voltada para acelerar o ritmo do progresso. O resultado é um Estado que gasta muito e, ao mesmo tempo, deixa todos os grupos insatisfeitos, porque obviamente é impossível ficar feliz com um país que encolhe, como encolheu a renda per capita do país entre 2010 e 2021.

O fato, de qualquer forma, é que não é verdade que não tenhamos políticas sociais. Temos, a rigor — e muitas. O problema é que elas não são integradas entre si. Observe-se o que aconteceu em 2020: a despesa do Bolsa Família caiu.

Por quê? Porque o país ficou mais rico e passou a ter menos famílias pobres? Não: simplesmente porque muitas famílias que antes recebiam o Bolsa Família passaram, durante vários meses, a receber o “coronavoucher”. Havia ali dois guichês superpostos oferecendo recursos.

Tome-se outro caso: a confusão entre Loas e aposentadorias básicas. O leitor já se perguntou qual é o sentido de alguém que ganha um salário mínimo contribuir por 15 ou 20 anos para o INSS se, aos 65 anos, na mesma idade, receberá o mesmo valor que receberia pelo Loas sem ter contribuído uma única vez?

Não é de estranhar, portanto, que o percentual de contribuintes do sistema na faixa de 1 a 2 salários mínimos seja significativamente inferior ao das demais faixas de renda. Esse é, tipicamente, um caso em que um programa social deveria falar com o outro.

Os exemplos abundam, enfim. Por isso, na reflexão sobre a gestão de governo de 2023/2026, cabe um olhar especial à (re)organização ministerial. Seria importante que todas as políticas sociais, tirando as setoriais — educação, saúde e talvez segurança pública — do futuro governo estejam unificadas num único ministério, que o natural é que se chame de Políticas Sociais.

Assim, Auxílio Brasil, Loas, benefícios previdenciários, seguro desemprego, etc., estariam sob o mesmo guarda-chuva.

Cabe ressaltar, porém, que essa pasta deveria ser da chamada “cota pessoal” do presidente da República, para ser conduzida por alguém com zelo técnico, ainda que com bom traquejo político. Por quê? Porque se um político convencional botar a mão nesse ervanário, o risco de começarem a ser praticadas todo tipo de distorções é enorme.

Essa pasta tem que ter um exército de gente qualificada avaliando políticas, comparando incentivos, pensando em mecanismos de integração de excluídos ao mercado de trabalho, dialogando com o Banco Mundial para organizar seminários, aprendendo de outras experiências, conversando com economistas e autoridades de outros países, pensando, pensando, pensando.

A última coisa que o país precisa é que o ministro dessa pasta tenha que acomodar num cargo o ex-senador Fulano ou o filho do deputado Sicrano para atender aos interesses do candidato X ou tentar aproximar o partido Y da base aliada. Nesse caso, teremos uma ideia natimorta.

São recursos expressivos. Se às aposentadorias do INSS adicionarmos Auxílio Brasil, FAT e Loas, por exemplo, estaremos falando de algo em torno de 11% do PIB. É muito dinheiro. Exige cuidados redobrados. Se a ideia for levada à frente, porém, teremos dado um passo chave para a avaliação técnica das políticas.

 

 

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Teorizar é uma coisa,a ação prática é outra.