Valor Econômico
É uma época de especial incerteza porque
nem as autoridades sabem o quanto apertarão a política monetária
Em seu último Panorama Econômico Global,
publicado faz mês e meio, o FMI assim descreve os impactos econômicos da Guerra
da Ucrânia: “Os efeitos econômicos da guerra estão se espalhando por toda parte
- como ondas sísmicas que emanam do epicentro de um terremoto - principalmente
através de mercados de commodities, comércio e ligações financeiras”.
Esta semana foi a vez do CEO do banco JP
Morgan, Jamie Dimon, recorrer a fenômenos naturais para pintar, com tintas não
menos fortes, na minha visão, o cenário econômico que ele enxerga à frente: “Eu
disse que são nuvens de tempestade, são grandes nuvens de tempestade aqui. É um
furacão. Aquele furacão está bem ali na estrada vindo em nossa direção. Só não
sabemos se é um (furacão) pequeno ou uma super tempestade (como foi o) Sandy...
E é melhor você se preparar”. (ver on.ft.com/3x0Ia5G)
O JP Morgan é o maior banco americano, medido pelo valor de ativos. Foi também, dentre os grandes bancos, o que melhor lidou com a crise financeira internacional de 2008-09, não apenas evitando contaminar seu balanço com as famosas “subprimes”, as hipotecas de alto risco, mas adquirindo várias instituições que quebraram com a crise, como o Bear Stearns.
Dimon já era o CEO do banco àquela época.
Não deve surpreender, portanto, que suas declarações tenham, aparentemente,
mexido com preços de ativos negociados em mercados bem líquidos. Assim, por
exemplo, as ações do JP Morgan caíram 1,75% (www.glo.bo/3wW6LII),
enquanto o retorno dos papéis de 10 anos do Tesouro americano recuaram 5 bps.
Dimon citou duas forças por trás do
furação. Primeiro, uma escalada do preço do petróleo dos atuais US$ 118 para
US$ 150 ou US$ 170 o barril: “Não estamos tomando as medidas adequadas para
proteger a Europa do que vai acontecer no petróleo no curto prazo. E não
estamos tomando as medidas adequadas para proteger todos vocês do que vai
acontecer com o petróleo nos próximos cinco anos, o que significa que quase
(certamente) tem que subir de preço”.
A segunda é o aperto monetário em curso nos
EUA: “Eles não têm escolha porque há muita liquidez no sistema. Eles têm que
remover um pouco da liquidez para parar a especulação, para reduzir os preços
das casas e coisas assim. E você nunca passou pelo QT (Quantitative
Tightening). Essa é uma grande mudança no fluxo de fundos ao redor do mundo.
Não sei qual é o efeito disso”.
O furacão de Dimon, portanto, combina
desaceleração global e aumento da volatilidade, com “ondas sísmicas” diversas, mas
cuja magnitude é, na realidade, desconhecida. De fato, segundo ele: “Acho que
não há problema em esperar que tudo acabe bem. Eu espero. Esses são meus
cachinhos de ouro, espero”. E conclui: “Who the hell knows?".
A pergunta de Dimon conversa de perto com o
livro “Noise”, de D. Kahneman, O. Sibony e C. Sunstein, três estrelas da
Economia Comportamental, que já citei aqui antes. O ponto central do livro é,
exatamente, que há muita incerteza e aleatoriedade no mundo e que, por motivos
diversos, tendemos a não prestar muita atenção para isso. Entre as diferentes
causas disso está, segundo os autores, a existência de um viés cognitivo que
nos faz superestimar nossa capacidade de prever o futuro, menosprezando o
impacto de eventos futuros, desconhecidos, o que os autores chamam de
“ignorância objetiva”.
Em parte, pelo menos, esse viés resulta da
“sensação predominante e equivocada de que eventos que não poderiam ter sido
previstos podem, no entanto, ser entendidos”. Como se pudessem ser explicados
pura e totalmente de forma lógica, assim menosprezando o papel do acaso.
Pense na final da Liga dos Campeões, sábado
passado. Após a vitória do Real Madrid, não terão faltado explicações de como o
time estava melhor posicionado taticamente, soube se defender, esperando o
momento certo para atacar etc. A verdade, porém, é que se, por acaso, Courtois
não defendesse um daqueles chutes, se a bola entrasse, em vez de bater na
trave, o resultado teria sido provavelmente o oposto. Mesmo depois de iniciado
o jogo, o resultado era mais incerto do que sugerem as análises a posteriori.
Exagerei? Pense então sobre as 82 projeções
para o PIB do primeiro trimestre de 2022, que o Valor publicou segunda
passada. Na média, o levantamento acertou a alta de 1%, comprovando a chamada
Sabedoria das Multidões, conceito inicialmente proposto por Francis Galton.
Mas, individualmente, as projeções variavam de -1,1% a 2,6%. Isso a respeito de
uma estimativa sobre o passado, sobre algo que já ocorrera.
Em suma, estamos entrando em uma época de
especial incerteza econômica, não apenas por ninguém ter informação completa,
mas também porque nem as autoridades sabem o quanto acabarão apertando a
política monetária etc. Trabalhar com cenários, como sugere implicitamente o
CEO do JP Morgan, é sempre uma boa alternativa nesses casos. Mas igualmente
importante é não subestimar o grau de incerteza com que estaremos vivendo.
*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre
Um comentário:
Tudo é incerto nesta vida,exceto a morte.
Postar um comentário