O Globo
Será um privilégio duplo estarmos vivos no
próximo domingo, 2 de outubro: poderemos saudar a primavera de 2022
Primeiro domingo de primavera no Brasil. Corpo, alma e mente da nação estão com a sensibilidade a mil. E nossas variadas peles e poros cívicos não escondem a ebulição. Hora de acolher a estação imortalizada por Botticelli na Renascença, em tela magnífica. Na Calota Norte, onde os rigores do inverno são inclementes, dá-se valor máximo ao fim da escuridão invernal. Lá, bem antes de a temperatura se mostrar amena, o povo já vai se libertando das muitas camadas de roupa em que ficou aprisionado. Vai logo saindo às ruas — alegrão, de boa, com braços e pernas expostos. Aqui, onde o inverno é relativamente manso, e a temperatura negativa registrada anteontem em Santa Catarina deveria ser mera doideira climática, tivemos um longo inverno de quatro anos. Será, portanto, um privilégio duplo estarmos vivos no próximo domingo, 2 de outubro: poderemos saudar a primavera de 2022 depositando nosso voto na urna eletrônica — aquela que faz um estribilho gostoso de ouvir e é invejada mundo afora.
Nenhuma democracia se sustenta no mero ato
de votar. A História ensina que mesmo privilégios consolidados em direito são
reversíveis, e o mundo está coalhado de autoritarismos oriundos das urnas. Mas,
neste domingo 2 de outubro (e no dia 30, caso haja um segundo turno), a
democracia brasileira está na agenda, e a nação tem encontro marcado com seu
futuro. Mais quatro anos de Bolsonaros surfando e surtando no poder são,
simplesmente, inimagináveis. Convém então lembrar que, dependendo da escolha
que fizermos, o votar de peito aberto não deve ser mera memorabilia de um
Brasil que esperançou em 2022.
Segundo o compilado das pesquisas
eleitorais mais recentes e confiáveis, o candidato do PT, Luiz Inácio
Lula da Silva, parece firme e solto na liderança das intenções de
voto —tanto para a hipótese de vitória no primeiro turno sobre Jair
Bolsonaro (47% a 33%, pelo Datafolha da
semana), como em caso de eventual segundo turno (54% a 38%). São
números que explicam o alvoroço nos escaninhos da campanha pela reeleição do
presidente. O cacique da Câmara de Deputados, Arthur Lira, fez hora extra tentando
desacreditar o trabalho das empresas mais conceituadas em medir intenções de
voto no país. Sua postagem no Twitter desta semana:
— Nada justifica resultados tão divergentes
dos institutos de pesquisas. Alguém está errando ou prestando um desserviço.
Urge estabelecer medidas legais que punam os institutos que erram demasiado ou
intencionalmente para prejudicar qualquer candidatura.
Levou peteleco instantâneo do colunista de
humor e diretor de cinema Renato Terra:
—Nada justifica o orçamento secreto. Alguém
está errando ou prestando um desserviço. Urge estabelecer medidas legais que
tragam transparência no uso de recursos públicos — rebateu o autor de “O canto
livre de Nara Leão”, referindo-se aos indecentes R$ 20 bilhões em “emendas do
relator”, aprovados sem transparência ou finalidade social pelo (e para) o
Congresso.
Perder a bússola diante de resultados que
desapontam às vésperas da eleição não é incomum — candidatos mundo afora
costumam desmerecer os números da realidade do momento, quando incômoda, e
focar alhures. Incomum e alarmante é quando seguidores de um candidato que
gosta de atiçá-los acreditam defendê-lo hostilizando a apuração da temperatura
eleitoral. Nesta semana, dez pesquisadores do Datafolha sofreram agressões num
só dia, um deles com socos e chutes de cidadãos que se diziam bolsonaristas.
Violência, linguagem das armas, mentalidade de bunker, medo da cultura, incompreensão
da arte, pavor da diversidade humana são alguns dos ingredientes que alimentam
a frágil autoconfiança desses seguidores. Encontraram no capitão um líder à sua
semelhança.
Passaram quatro anos desde que 57,8 milhões
de brasileiros aptos a votar (39,2%) o elegeram para conduzir o Brasil. Outros
89 milhões dentre os 147,3 milhões de eleitores da época (ou 60,8%) haviam
feito outras escolhas. Tinha tudo para dar horrivelmente errado, e deu. Ainda
assim, capengando em 200 anos de exclusão racial, desigualdade social,
cleptocracia na política e desandar ambiental, o país conseguiu chegar a 2022.
Talvez seja o momento certo para lembrar
que 686 mil brasileiros não poderão votar, nem opinar, muito menos desfrutar
essa nova primavera. Morreram de Covid-19.
— Não sou coveiro — desconversou o chefe da
nação com asco de mortandade tão inoportuna.
Por entender pouco da vida, não entendeu o
horror da pandemia. Fiquemos então com palavras da recém-partida rainha
Elizabeth II, em citação de sua biógrafa Sally Bedell Smith:
— Por longos períodos de tempo, a vida pode
parecer uma atividade pequena, enfadonha e sem muito sentido. Mas de repente
nos vemos envoltos num acontecimento de grande porte, que aponta para os
fundamentos sólidos, duráveis de nossa existência.
A rainha sabia das coisas.
A eleição brasileira, qualquer que seja seu resultado, é um desses marcos.
2 comentários:
Um longo inverno com 100 anos de sigilo... Bolsonaro é o presidente que prometia a Verdade libertadora! Mais antidemocrata que a própria Ditadura militar, é o presidente mais mentiroso da história do Brasil. A ditadura escondia e se envergonhava da tortura e dos torturadores! O genocida se orgulha disto e de armar os seus milicianos... A corrupção petista comprava apoios parlamentares, a corrupção bolsonarista enriquece a FAMILÍCIA Bolsonaro! Até os religiosos são corruptos neste DESgoverno, ninguém se salva! Só 100 anos de sigilo pra ocultar tanta safadeza MILITAR, RELIGIOSA e FAMILIAR! Deus é usado pra justificar toda esta PATIFARIA e CANALHICE! E os papagaios seguem esvoaçando e mentindo por aí, esperando o seu dízimo...
Verdade.
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