Os amantes de expressões idiomáticas
conhecem Bismarck como o criador de inúmeras imagens linguísticas de igual
naipe. Algumas metáforas são vinculadas a ele (por exemplo “ferro e sangue”).
Outras parecem ser efetivamente dele, conforme o texto e o contexto acabam por
se encaixar. No entanto, muitas não podemos comprovar.
Um dos bons motes e mais conhecidos é essa atribuição que se encaixa bem em face a longeva distância (e talvez não totalmente imprecisa) de Bismarck em relação aos procedimentos legislativos parlamentares, para o arrepio de Max Weber (1864-1920). Mas, com um olhar para o mundo gastronômico, Bismarck teria dito mesmo essa frase à qual nos reportamos acima.
Existe até uma versão ainda mais dura dela
em que se diz que as pessoas não deveriam estar presentes quando as leis e/ou
salsichas são feitas, pois, do contrário elas poderiam ficar doentes – a
pandemia nos mostrou isso. Ambas as formulações são apontadas e podem até ter
vindo de Bismarck, mas a historiografia não pode comprovar.
Tendo em vista a distância historicamente
condicionada, é compreensível a muitos de nós que tal frase acabe por ficar
registrada como de Bismarck, e com a própria dinâmica do esquecimento o
personagem histórico venha diminuindo lentamente ao longo do tempo e dando
espaço a divulgação inapropriada de informações conforme “teorias” da
conspiração e fake news.
A mídia tem observado recentemente, em
nosso contexto – e em quase tudo diferente do século XIX de Bismarck –, que
salsichas e outros alimentos à base de carne, independentemente do processo de
origem, se tornaram rarefeitos na nossa mesa. Imaginemos, à propósito que mesmo
a produção de tofu raramente ganharia prêmios estéticos por sua produção.
Mas essa breve digressão alimentar visa
recuperar a frase para o nosso contexto de escassez proteica de origem animal
mamífera (e não só) uma vez que seu principal objetivo é dizer que o processo
de negociação política, pode ser cheio de misturas grosseiras e que a
superfície lisa que mostra, por exemplo, o produto salsicha pode trazer em seu
interior qualquer quantidade de vísceras, peles, sobras e cartilagens
esmagadas.
A arte de vender salsichas consiste em
esconder seu processo de produção aos olhos do público e mostrar apenas o
resultado, sem sua gestação inapresentável.
Não é passível a recordação das gerações
viventes a existência de uma época na política brasileira em que as misérias da
máquina de fazer salsichas fossem tão visíveis publicamente. O governo e seus
partidos não têm escrúpulos em mostrar aos leigos o que é esse lado duro da
política e como eles o praticam secretamente.
A variedade de embutidos processados no
atual governo é rica e de altíssimo escalão: seus ministros, a candidatura à
Presidência da República, colaboradores e ex-colaboradores do chefe de Estado,
senadores e ex-senadores, deputados e ex-deputados, um aglomerado de
empresários, governadores que entregaram eleitoralmente seu estado, entre
outras circunstâncias inconfessáveis.
A lista poderia ser muito ampliada porque
não há modéstia no uso da máquina de salsicha, como ficou claro esses dias, na
reta final da campanha do primeiro turno das eleições de 2022. Ao contrário, a
máquina é usada para fins de visibilidade, como punição para alguns e como
advertência para todos. A máquina de fazer salsichas é chamada a politização
personalizada.
Não há nada de novo nisso, exceto pelo fato de que a quantidade importa. Algumas salsichas são uma mancha para qualquer governo. Mas quando as salsichas se tornam legião, o governo parece apenas uma delicatesse inapresentável. Que nós possamos pavimentar, pelo voto, a chegada da primavera que tanto almejamos!
*Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.
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