sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Rogério F. Werneck - O poder e a glória

O Globo

Lula decidiu bancar os riscos de uma elevação substancial do endividamento público

Lula terá 81 anos em 2026. E vem dando sinais de que quer fazer de seu terceiro mandato o gran finale da sua longa passagem pela Presidência da República. Um governo de sucesso estrondoso que possa deixar ao país um legado glorioso.

É bem verdade que, em certas áreas, como na política de proteção ambiental e no papel que o país poderá desempenhar no esforço internacional de contenção do aquecimento global, seu governo pode, sim, ter um sucesso retumbante.

Da mesma forma, se souber refrear velhos cacoetes, não lhe será difícil conduzir uma política de relações exteriores incomparavelmente melhor que a do governo anterior. E há também outras áreas, como educação e ciência e tecnologia, relegadas a escandaloso descaso por Bolsonaro, em que Lula terá muito espaço para reluzir.

Já no que tange à condução da política econômica, é fantasiosa a ideia de que os resultados possam vir a ser espetaculares. O grande desafio com que hoje se defronta o país é desatar o nó górdio de um quadro fiscal intrincado, marcado por rigidez de gastos, perda de controle do Poder Executivo sobre o Orçamento e pressões políticas colossais por expansão de dispêndio.

Embora os três níveis de governo extraiam mais de um terço do PIB em tributos e gastem cerca de 40% do PIB, muitas políticas públicas parecem padecer de insuficiência de recursos. O problema é que, já há muitos anos, os orçamentos da União e dos governos subnacionais vêm sendo pilhados pela voracidade de amplo leque de interesses especiais e corporativistas.

Sustar essa pilhagem e fazer com que os interesses da maioria prevaleçam não tem sido fácil. Mas não há outra saída para as dificuldades fiscais com que o país se depara. Os esforços de reforma que ainda se fazem necessários não lograrão resultados da noite para o dia. E, enquanto se desdobram e, aos poucos, tornam o quadro fiscal mais manejável, é fundamental assegurar que as contas públicas se manterão sustentáveis.

Mas Lula tem pressa. Só tem quatro anos pela frente. E dá mostras de não ter nem a disposição nem as convicções requeridas para persistir nesse plano de jogo. Nem mesmo nomeou seu ministro da Fazenda.

O que lhe preocupa, por ora, é extrair do Congresso sinal verde para mais R$ 200 bilhões de gasto público a cada ano, a partir de 2023. É o que lhe bastaria para cumprir promessas de campanha e garantir a folga fiscal que abrilhantaria seu mandato.

Sua aposta é que, com sorte, mais dívida pública não fará diferença. É pouco crível que seja agraciado com tanta sorte.

O brutal aumento de gasto em vias de ser aprovado pelo Congresso envolve despesas recorrentes, não reversíveis. Explicita a opção deliberada por elevação substancial da dívida pública como proporção do PIB já no próximo mandato presidencial. Não só pelo impacto direto do aumento de gasto, mas pelo círculo vicioso que será engendrado: elevação de incerteza, juros mais altos, crescimento mais lento da economia e dinâmica do endividamento público ainda mais adversa do que poderia parecer à primeira vista.

Lula tem deixado mais do que claro que pretende comandar pessoalmente a condução da política econômica. “... quem ganhou a eleição fui eu. Quero ter inserção nas decisões de economia neste país. Sei o que é bom para o povo, sei o que é bom para o mercado” (Estadão, 3/12). Quer um ministro da Fazenda a quem possa ditar ordens. Quando, afinal, perceber quão melhor lhe teria sido poder contar com um ministro que fosse capaz de lhe dizer não, já será tarde demais.

Dentro de poucos meses, quando o que parecia só risco tiver se convertido em má notícia, Lula se verá obrigado a suplicar ao Congresso que lhe permita aumentar impostos.

O que ainda não se sabe é se o Centrão, já com outra composição, bem mais à direita, estará disposto a lhe facilitar a vida nessa matéria. Inclusive porque, tudo indica, na esteira da polarização política, a resistência do país à elevação de carga tributária parece ter sido exacerbada.

O que se vê, por enquanto, não é um introito que prenuncie um gran finale.

 

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