sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Fernando Carvalho* - Ser comunista hoje

Comunismo é uma palavra polissêmica, possui vários sentidos e significados. O anarquismo é primo do comunismo. Enquanto o anarquismo se define em relação ao poder, o comunismo se define em relação à propriedade privada. E o poder praticamente depende da propriedade privada. Seria inconcebível um Estado numa sociedade de povos caçadores e coletores ou de índios como os brasileiros, por exemplo. Um índio não rouba a flecha do outro, não há necessidade de um Código Penal. Foi o anarquista Graco Babeuff que popularizou a célebre fórmula comunista que Karl Marx reproduziu no seu Programa de Gotha: "De cada um, segundo sua capacidade; a cada um, segundo suas necessidades". E essa ideia vem de mais longe, está nos Atos dos Apóstolos: "Se distribua a qualquer um à medida de sua necessidade" (Atos 4:32-35). O cristianismo primitivo era comunista.

Do século XX em diante a palavra ficou associada ao regime econômico que vigorou na União Soviética e nos regimes comunistas em todo o mundo. Tal regime interessava ao capital internacional na medida em que o "socialismo realmente existente", por ser oriundo de revoluções armadas, resultou em sociedades prejudicadas pela falta de democracia. Gorbachev tentou democratizar o comunismo, mas fracassou. Diante dessa realidade a burguesia empunhava a bandeira da democracia no chamado mundo livre. Acontece que desde o começo do século XX, por causa do avanço do comunismo: na Alemanha havia o movimento espartaquista de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. E justamente na Alemanha floresceu o movimento que caracteriza o capitalismo quando teme perder o poder. Me refiro ao nazismo que é a versão alemã do fascismo. Se o nazismo fosse apenas uma proposta de regime caracterizado pelo antibolchevismo, a história teria seguido seu rumo natural e a Segunda Guerra Mundial teria ocorrido tendo por um lado o nazifascismo aliado às potências capitalistas e do outro a União Soviética. 

socialismo realmente existente teria sido afogado em sangue. Mas por ironia da história o doidinho de cabelo na testa e bigode que parece mosca começou a fritar os judeus. Ele não sabia que a alma do capitalismo é judaica. E o impensável aconteceu, o capitalismo se aliou ao comunismo contra o Eixo nazifascista.  A guerra ainda não havia terminado quando os americanos jogaram duas bombas atômicas sobre o Japão. Historiadores viram nesse fato o começo da guerra fria, um recado dos americanos aos soviéticos que ainda não tinham sua bomba atômica. Com a guerra fria a história voltou ao seu leito normal com o mundo dividido em capitalismo versus comunismo. O capitalismo é um regime muito versátil e já explorou o trabalho escravo dos negros africanos por quase quatro séculos. 

Durante o século XX teve que conviver com o proletariado já dotado de consciência de classe. A simples existência da União Soviética obrigava o capitalismo a dançar conforme a música e na Europa foi criada a socialdemocracia dos países nórdicos, o "capitalismo com rosto humano". Mas o curto século XX assistiu a União Soviética fraquejar na guerra fria. Enquanto isso, o capitalismo botou as mangas de fora com  Margareth Thatcher primeiro e Reagan depois. O neoliberalismo ganhou força. E o muro de Berlim foi derrubado. Francis Fukuyama chegou a decretar o fim da história com a vitória final do capitalismo e do liberalismo com o que o mundo teria que se conformar.

Na realidade o neoliberalismo continua longe de resolver os problemas que sempre atormentaram a raça humana: a desigualdade, a poluição, o racismo, o machismo, etc.

E a tecnologia da informação democratizou em nível internacional a cultura. O mundo está internacionalizado.  Uma ideia em pouco tempo pode viralizar e mobilizar milhões de pessoas num espaço de tempo reduzido. Isso torna possível se pensar numa volta da democracia direta como foi na Grécia Antiga. Um cidadão pode votar em casa usando seu celular. O parlamentar característico da democracia representativa está perdendo o sentido. Por outro lado, o capitalismo que sempre agitou a bandeira da democracia e do liberalismo, na verdade é incompatível com democracia direta. E o capitalismo já usou todos os expedientes possíveis, já foi liberal, neoliberal e socialdemocrata, já usou o New Deal , o Keinesianismo e líderes como Margareth Tatcher e Ronald Reagan. 

Como vimos o capitalismo quando se sente ameaçado apela para o fascismo. E diante de uma humanidade de oito bilhões de pessoas com todo o tipo de necessidade o capitalismo é impotente para atender essa demanda. E em todo o mundo se movimenta na direção do populismo, do autoritarismo, do neofascismo. Donald Trump, Viktor Orban e Jair Bolsonaro são os homens com os quais conta o capitalismo do século XXI. E o povo de todo o mundo conta com a democracia. E a consolidação e aperfeiçoamento da democracia é o caminho que resta. Hoje quem se entende como sendo de esquerda, quem é socialista, anarquista ou comunista se resume em ser democrata. A democracia quanto mais democrática ela for mais avançará na direção do socialismo, do comunismo e do anarquismo.

*Fernando Carvalho é historiador, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), autor de “Livro Negro do Açúcar

3 comentários:

Fernando Carvalho disse...

Pedindo licença para vir aqui na pequena área e cabecear. O maravilhoso Gracchus Babeuf é autor de uma frase que tem a ver com o ser burguês: "A sociedade deve erradicar de uma vez por todas o desejo de um homem de se tornar mais rico, mais sábio ou mais poderoso que outro". O ser burguês, todos sabem, é aquele ser vazio de conteúdo humano. Ser, para o burguês, se confunde com o "ter". Ele necessita de grifes: uma caneta Mont Blanc dourada como aquela que o pai da Simone Tebet deu a Lula, um carro BMW de câmbio automático Tiptronic, um óculos Ray Ban como o que o líder sandinista comprou quando passou por New York, comer um bife folheado a ouro no Catar kkk. 

Anônimo disse...

A democracia ainda é um sonho para cidadãos de muitas nações! Inclusive várias que se dizem comunistas ou socialistas, ou onde movimentos ou revoluções de tal tipo ocorreram. Um certo antagonismo entre democracia e comunismo parece ter ocorrido durante todo o século XX, fazendo com que o último fosse perdendo apoio ou atração.
Já o capitalismo realmente se apresenta das mais variadas formas, nas mais tradicionais democracias às maiores e mais sangrentas ditaduras. Creio que ele demonstrou maior capacidade de ser adaptado às nações que o comunismo, cujas poucas tentativas de implantação deram resultados bastante limitados, sendo otimista e ignorando as sangrentas consequências que caracterizaram seus inícios.

Fernando Carvalho disse...

Passei por aqui por acaso. Passando em revista os artigos que escrevi e "lambendo feridas". E não sei por que não escrevi uma tréplica ao anônimo acima. Que não passa de um anticomunista clássico para quem o capitalismo é melhor que o comunismo da Terceira Internacional. Até aí morreu Tancredo Neves. Quando ele diz que "a democracia ainda é um sonho". Sem querer ele se trai. A demo-cracia é um sonho para quem. Para o "proletariado" do século XXI (negros, viados, viadas, índios, favelados e moradores de rua)ou para a sociedade dos bilionários. O capitalismo é um cadáver insepulto. E o único oxigênio que restou foi o nazifascismo (Donald Trump, o boçal, Viktor Orban, e a primeira ministra da Itália, etc.) Eespantoso!!!).