O Estado de S. Paulo
Apesar de tudo, é possível enxergar progresso mesmo em períodos de grande incerteza
O que o futuro nos guarda? É fim de ano.
Inevitavelmente, refletimos sobre o passado e nos preparamos para o futuro.
O último Relatório de Desenvolvimento
Humano da Organização das Nações Unidas ressalta a dificuldade do nosso tempo.
“Vivemos em um mundo de preocupação: a continuidade da pandemia da covid-19,
guerra na Ucrânia, temperaturas recordes, incêndios e tempestades.”
Segundo a ONU, há três grandes fontes de incerteza sobre o futuro: a desestabilização planetária causada pelo chamado antropoceno (impacto do homem sobre o planeta), mudanças estruturais sociais e a intensificação da polarização.
Analisando mais de 14 milhões de livros em
três línguas diferentes (inglês, espanhol e alemão) publicados nos últimos dois
séculos, Bollen e coautores encontram um aumento significativo de linguagem
refletindo uma percepção negativa do mundo. As pessoas também vêm reportando
mais emoções negativas, segundo uma pesquisa Gallup.
Além de causar frustrações e emancipar
sentimentos negativos, as incertezas mencionadas acima, e discutidas no
relatório, também podem dificultar a capacidade de uma sociedade em atuar
coletivamente. Isto acontece porque períodos de alta incerteza estão
correlacionados com maior desconfiança e polarização social. Quem se sente
inseguro, confia menos no outro, nos seus representantes políticos e nas
instituições.
Esse ambiente reduz o espaço público de
debate, que é tão necessário para que se possa discutir abertamente os
problemas que enfrentamos no âmbito ambiental, social e econômico. Sem debate,
dificilmente encontraremos boas soluções para esses problemas. Os brasileiros
sentiram isso na própria pele nos últimos anos.
Apesar do grande alarde, o relatório
termina em tom otimista. A incerteza “apresenta oportunidades para testar o
pensamento convencional e permitir futuros reimaginados”. O desenvolvimento tecnológico
propiciou vacinas durante a pandemia com uma rapidez inimaginável. Fusão
nuclear, inteligência artificial e biologia sintética podem abrir novos
caminhos para a humanidade.
A melhora é certa? Não, claro. O próprio
relatório ressalta a importância de políticas públicas que possam estimular
investimento, seguridade, inovação, educação, reconhecimento social – para
reduzir a alienação social – e representatividade.
Otimismo parece uma boa recomendação para
todo fim de ano. Apesar das dificuldades, é possível enxergar progresso em
períodos de grande incerteza.
*PROFESSORA DO INSPER, PH.D. EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK EM STONY BROOK
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