O Globo
Reforma tributária sob exame da Câmara
poderá, caso aprovada, promover simplificação radical.
A reforma tributária sob exame da Câmara
(PECs 45 e 110) poderá, caso aprovada, promover simplificação radical. Cinco
tributos — IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS — serão substituídos por uma única
incidência, calculada sobre o valor agregado (IVA), método adotado por 174
países.
As propostas em estudo se inspiraram nos
melhores IVAs do mundo. O país poderá ser beneficiado por um sistema de
tributação do consumo moderno, que não interfere nas decisões de produzir e
consumir. Duas características básicas serão: regras uniformes em todo o
território nacional e alíquota única. Ambas estão ausentes no atual sistema
tributário, cheio de regimes especiais, multiplicidade de alíquotas e regras
desiguais.
O sistema brasileiro tornou-se distorcivo e caótico com a Constituição de 1988 e emendas posteriores. Metade da arrecadação do Imposto de Renda e do IPI foi transferida em favor de estados, municípios e fundos regionais de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, os estados passaram a deter o poder de decidir sobre regimes, alíquotas e hipóteses de incidência do ICMS.
Para livrar-se da partilha excessiva
daqueles dois impostos, a União recorreu a tributos que lhe pertencem
integralmente, como PIS, Cofins e Cide, usualmente em cascata, que distorcem
muito. No caso do ICMS, criou-se uma barafunda de 27 regimes distintos do
imposto, que muda 70 vezes por semana em todo o território nacional. A
tributação do consumo virou um manicômio e fonte de enorme contencioso.
A formulação dessas propostas aproveitou a
experiência de IVAs mais recentes, como os da Nova Zelândia e
da Austrália,
que adotam a alíquota única. Os mais antigos, basicamente os europeus, têm
entre uma e cinco alíquotas, abrangendo produtos consumidos pelos segmentos
mais pobres ou por setores como agricultura, educação e saúde.
Essa multiplicidade de alíquotas gerou
distorções. A menor alíquota para educação e saúde beneficia basicamente os 20%
mais ricos. A redução em favor dos pobres aumentou a margem de lucro das
empresas. A União Europeia tentou adotar alíquota única, mas não conseguiu. Foi
derrotada pelos lobbies beneficiados pelo tratamento favorecido. Erros de
formulação inicial são difíceis de corrigir.
Essa situação está ocorrendo no Brasil. Por razões
históricas, serviços privados como educação, saúde e lazer — consumidos
essencialmente pelas classes abastadas — pagam ISS à alíquota de 5%. Os pobres,
cuja renda é em grande parte usada para consumir itens básicos da alimentação,
pagam ICMS de 18%. É um escândalo, mas busca-se manter o privilégio.
A agricultura resiste ao projeto alegando
que o setor sofrerá aumento de tributação. Estudos mostram que ela se
beneficiará da reforma, seja porque poderá aproveitar o crédito gerado nas
etapas de produção e comercialização, seja porque haverá desoneração integral
do imposto nas exportações e nos investimentos. Sem qualquer base, alarmistas
falam que o setor sofrerá aumento de 300% na tributação.
As pressões contrárias à reforma têm
encontrado eco no Congresso. Há negociações para criar cinco alíquotas. Para o
presidente da Câmara, a reforma não passará “se não houver tratamento
individualizado para setores que produzem riqueza e geram empregos, como
varejo, educação, saúde e agronegócio”. Ocorre que a riqueza é gerada em todos
os setores, e não apenas em alguns. Parlamentares citam exemplos da Europa para
justificar alíquotas múltiplas, mas na verdade se baseiam nos piores casos.
Se essas pressões se impuserem, os
inequívocos efeitos benéficos da reforma para geração de renda, emprego e
bem-estar serão muito reduzidos. É preciso, por isso, defender a alíquota
única, que é a melhor saída.
*Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, é sócio da Tendências Consultoria
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