Folha de S. Paulo
Assuntos que deveriam já estar definidos se
tornam motivo de conflito de ministros e programas
Ministros divergem sobre a exploração
do petróleo no litoral norte do Brasil. Sobre o que fazer da demarcação de
terras indígenas. O plano
de subsidiar o carro popular não é compatível com a política de
Fazenda e Planejamento. Etc.
Conflitos são recorrentes em governos, ainda mais naqueles que, mal e mal, são de coalizão, é óbvio. Além do mais, alguns problemas são imprevistos no programa e talvez suscitem um debate mais esquentado de soluções. Pode ser ainda que encarreguem um coordenador ministerial de tomar conta de duas tartarugas e uma delas fuja —inépcia. Em tese, é compreensível.
Feita a ressalva, não é razoável que um
assunto como a exploração de petróleo no mar do norte do Brasil possa se
transformar em uma crise, por imprevidência programática e política rudimentar.
Trata-se da discussão de furar poços nas águas que vão do Amapá ao Rio Grande
do Norte, a dita Margem Equatorial. A Petrobras está
de olho em particular no mar amapaense, mais próximo da foz do Amazonas.
Como se sabe, o Ibama desautorizou
uma primeira tentativa de prospecção petroleira na região, o que satisfez a
ministra Marina Silva (Meio
Ambiente), desagradou o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) e
enfureceu a Petrobras e quase todos os políticos e empresários da região.
Ao menos no papel, uma parte central do
programa econômico de Lula 3 seria a "transição verde" (novas
tecnologias, indústrias, energias, negócios e soluções em geral), embora ainda
não se saiba de planos mais concretos —na verdade, nem dos abstratos. Um dos
eixos da política externa é recuperar a relevância do país por meio da
liderança ambiental.
Além de lidar com tantos problemas de
desenvolvimento socioeconômico comuns à maioria do Brasil, governos e a
sociedade da Amazônia terão de fazê-lo sem provocar a destruição final da
floresta e o extermínio de indígenas, quilombolas ou "ribeirinhos".
A região depende, de resto, de coisas como
a ineficiência que é a Zona Franca de Manaus. Ou, no extremo, do trabalho
informal e de negócios vinculados a irregularidades ou crimes, como
agropecuária de destruição ambiental, garimpo e tráficos —de ouro, madeira,
drogas etc. Em maior ou menor medida, tudo isso é errado.
Como pode estar ainda sujeito a discussão
muita vez tacanha um assunto que toca nos nervos de uma política econômica
(industrial) central, da política externa, do futuro econômico-ambiental do
país e na vida de milhões de pessoas, a maioria pobre? Não é possível. Se a
exploração organizada de petróleo e minérios não é uma solução para a Amazônia,
qual o projeto?
Há mais incoerência, imprevidência e
conflito.
Inventar subsídios para o carro
"popular", se for mesmo esse o plano, é uma ideia não apenas fracassada
em termos econômicos, sociais, tecnológicos e ambientais. Bate ainda de frente
com o projeto de uniformizar tributos o quanto possível e, assim, evitar
distorções no emprego de capital e trabalho, que é a base da reforma
tributária. Conflita também com o projeto de Fazenda e Planejamento de
recuperar receita dando cabo de tributações especiais ou favores.
O governo não se entende sobre o que será
da demarcação de terras indígenas, ora em discussão no Supremo. Não sabe como
lidar com o MST,
outro tema de conflito. Francamente, nem explica o que entende por
"reforma agrária" (que não é mais um programa de ampla mudança
social, mas de distribuição pontual de terra e auxílio técnico-econômico, se
tanto).
Há mais conflitos, como na diplomacia da
guerra da Ucrânia,
da política fiscal com a monetária etc. O resumo da ópera é que tais assuntos
deveriam ser encarados com base em uma diretriz sólida, em vez de serem objeto
de querela, picuinha ou demagogia.
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