quarta-feira, 24 de maio de 2023

Lu Aiko Otta - Lei do Bem, o pós arcabouço e o passado à porta

Valor Econômico

Se corte de imposto para montadoras vingar será preciso muito contorcionismo para evitar que vire estímulo ao consumo de combustíveis fósseis

Na véspera do Dia da Indústria, em que a “neoindustrialização” promete ser a tônica, novos dados mostram que anda mal o desenvolvimento tecnológico no Brasil. Pesquisa inédita da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que apenas 37% das empresas brasileiras utilizam a Lei do Bem, criada em 2005 e que reduz impostos para aquelas que investem em inovação.

Gastos tributários, entre os quais se situa a Lei do Bem, estão na mira do ministro da Fazenda, Fernando Haddad em sua agenda pós-arcabouço.

Ele quer cortar 25% dessa conta, que chega a R$ 600 bilhões e abriga um “rebanho de jabutis”.

Reduzi-la é uma forma de elevar a arrecadação sem criar impostos nem aumentar alíquotas. O ministro precisa de mais receitas para cumprir as metas de resultado das contas públicas que estão fixadas no novo marco fiscal.

Haddad tem defendido que, desta vez, o ajuste fiscal não seja feito com sacrifício de programas que atendem à população mais pobre. A ideia é cobrar impostos de quem não paga.

Se a Lei do Bem será ou não preservada dessa tesourada, é algo que não está 100% decidido. Questionado pela coluna, o Ministério da Fazenda informou que a Receita Federal não se pronunciaria a respeito. Em 2015, o governo de Dilma Rousseff tentou acabar com o programa, em meio a um dramático esforço de ajuste fiscal.

Agora, a balança parece pender para o lado de manter e aperfeiçoar a Lei do Bem. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação defende essa linha. A ministra Luciana Santos disse num evento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) que a Fazenda pretende preservar os benefícios ligados à inovação.

No Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), a Lei do Bem está na fila para ser analisada, como parte do esforço de se criar uma nova política industrial pautada pela inovação e pela sustentabilidade.

Nos últimos sete anos, ela mobilizou cerca de R$ 90 bilhões em recursos privados, impactando quase 3 mil empresas. Porém, há controvérsia sobre sua efetividade.

O deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) deu parecer contrário ao Projeto de Lei 4.944/2020, da deputada Luiza Canziani (PSD-PR), que faz alterações na Lei do Bem. Citou em seu parecer estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) segundo o qual o incentivo fiscal não foi capaz de elevar investimentos privados em inovação. Em outra comissão da Câmara, porém, a proposta teve parecer favorável.

Outros estudos avaliam que o programa produziu resultados, mas esses poderiam ser melhores se fossem feitos aperfeiçoamentos.

A principal mudança proposta por Canziani, a possibilidade de abater dos impostos os gastos em inovação não apenas no ano em que eles ocorrem, é sugerida também em um relatório produzido pelo liberal Ministério da Economia, em 2021.

Esse trabalho da equipe econômica anterior apontou que, de 2012 a 2017, “a política ampliou os esforços inovativos das empresas tratadas em 8%” e contribuiu para evitar retrocesso nos investimentos em inovação. Por isso, recomenda aperfeiçoar a Lei do Bem, em paralelo a uma revisão de outros subsídios tributários à inovação com baixa efetividade.

Outros dois projetos de lei do senador Izalci Lucas (PSDB-DF), que serviram de base para a proposta de Canziani, aguardam votação no Senado.

A CNI apoia todas elas, disse sua diretora de Inovação, Gianna Sagazio. Os efeitos dessas propostas legislativas poderiam ser acelerados com a edição de uma medida provisória, sugeriu. O aperfeiçoamento da Lei do Bem é um dos itens centrais da agenda legislativa da entidade neste ano.

“Esse é o único instrumento de incentivo ao investimento empresarial em inovação”, afirmou Giovana.

O Brasil investe 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em inovação, enquanto a média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é superior a 2% do PIB. A Coreia investe cerca de 5%.

A pesquisa da CNI mostra que, para os empresários, o principal benefício da lei é possibilitar o lançamento de novos produtos (52% das respostas). Além disso, o número de funcionários alocados em pesquisa, desenvolvimento e inovação aumentou em 54% delas. A possibilidade de utilizar o benefício nos anos seguintes ao que foi realizado o investimento foi apontada por 71% das pesquisadas como a principal melhoria a ser feita na lei.

A movimentação da indústria em defesa da Lei do Bem ocorre num momento em que o governo elegeu sete “missões” em torno das quais definirá sua política industrial. Uma delas é a descarbonização.

Num cenário assim, a reação contrária de alas do governo à negativa do Ibama em licenciar a perfuração de um poço para pesquisar a presença de petróleo na chamada Margem Equatorial parece um retorno ao passado.

Do mesmo passado parecem vir as discussões para cortar impostos das montadoras. Se houver medidas nessa direção, será preciso muito contorcionismo para evitar que se convertam em estímulo ao consumo de combustíveis fósseis.

 

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