Valor Econômico
Se corte de imposto para montadoras vingar
será preciso muito contorcionismo para evitar que vire estímulo ao consumo de
combustíveis fósseis
Na véspera do Dia da Indústria, em que a
“neoindustrialização” promete ser a tônica, novos dados mostram que anda mal o
desenvolvimento tecnológico no Brasil. Pesquisa inédita da Confederação
Nacional da Indústria (CNI) mostra que apenas 37% das empresas brasileiras
utilizam a Lei do Bem, criada em 2005 e que reduz impostos para aquelas que
investem em inovação.
Gastos tributários, entre os quais se situa
a Lei do Bem, estão na mira do ministro da Fazenda, Fernando Haddad em sua
agenda pós-arcabouço.
Ele quer cortar 25% dessa conta, que chega
a R$ 600 bilhões e abriga um “rebanho de jabutis”.
Reduzi-la é uma forma de elevar a arrecadação sem criar impostos nem aumentar alíquotas. O ministro precisa de mais receitas para cumprir as metas de resultado das contas públicas que estão fixadas no novo marco fiscal.
Haddad tem defendido que, desta vez, o
ajuste fiscal não seja feito com sacrifício de programas que atendem à
população mais pobre. A ideia é cobrar impostos de quem não paga.
Se a Lei do Bem será ou não preservada
dessa tesourada, é algo que não está 100% decidido. Questionado pela coluna, o
Ministério da Fazenda informou que a Receita Federal não se pronunciaria a
respeito. Em 2015, o governo de Dilma Rousseff tentou acabar com o programa, em
meio a um dramático esforço de ajuste fiscal.
Agora, a balança parece pender para o lado
de manter e aperfeiçoar a Lei do Bem. O Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação defende essa linha. A ministra Luciana Santos disse num evento da
Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) que a Fazenda pretende
preservar os benefícios ligados à inovação.
No Ministério do Desenvolvimento,
Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), a Lei do Bem está na fila para ser
analisada, como parte do esforço de se criar uma nova política industrial
pautada pela inovação e pela sustentabilidade.
Nos últimos sete anos, ela mobilizou cerca
de R$ 90 bilhões em recursos privados, impactando quase 3 mil empresas. Porém,
há controvérsia sobre sua efetividade.
O deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) deu
parecer contrário ao Projeto de Lei 4.944/2020, da deputada Luiza Canziani
(PSD-PR), que faz alterações na Lei do Bem. Citou em seu parecer estudo do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) segundo o qual o incentivo
fiscal não foi capaz de elevar investimentos privados em inovação. Em outra
comissão da Câmara, porém, a proposta teve parecer favorável.
Outros estudos avaliam que o programa
produziu resultados, mas esses poderiam ser melhores se fossem feitos
aperfeiçoamentos.
A principal mudança proposta por Canziani,
a possibilidade de abater dos impostos os gastos em inovação não apenas no ano
em que eles ocorrem, é sugerida também em um relatório produzido pelo liberal
Ministério da Economia, em 2021.
Esse trabalho da equipe econômica anterior
apontou que, de 2012 a 2017, “a política ampliou os esforços inovativos das
empresas tratadas em 8%” e contribuiu para evitar retrocesso nos investimentos
em inovação. Por isso, recomenda aperfeiçoar a Lei do Bem, em paralelo a uma
revisão de outros subsídios tributários à inovação com baixa efetividade.
Outros dois projetos de lei do senador
Izalci Lucas (PSDB-DF), que serviram de base para a proposta de Canziani,
aguardam votação no Senado.
A CNI apoia todas elas, disse sua diretora
de Inovação, Gianna Sagazio. Os efeitos dessas propostas legislativas poderiam
ser acelerados com a edição de uma medida provisória, sugeriu. O
aperfeiçoamento da Lei do Bem é um dos itens centrais da agenda legislativa da
entidade neste ano.
“Esse é o único instrumento de incentivo ao
investimento empresarial em inovação”, afirmou Giovana.
O Brasil investe 1,2% do Produto Interno
Bruto (PIB) em inovação, enquanto a média da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) é superior a 2% do PIB. A Coreia investe cerca
de 5%.
A pesquisa da CNI mostra que, para os
empresários, o principal benefício da lei é possibilitar o lançamento de novos
produtos (52% das respostas). Além disso, o número de funcionários alocados em
pesquisa, desenvolvimento e inovação aumentou em 54% delas. A possibilidade de
utilizar o benefício nos anos seguintes ao que foi realizado o investimento foi
apontada por 71% das pesquisadas como a principal melhoria a ser feita na lei.
A movimentação da indústria em defesa da
Lei do Bem ocorre num momento em que o governo elegeu sete “missões” em torno
das quais definirá sua política industrial. Uma delas é a descarbonização.
Num cenário assim, a reação contrária de
alas do governo à negativa do Ibama em licenciar a perfuração de um poço para pesquisar
a presença de petróleo na chamada Margem Equatorial parece um retorno ao
passado.
Do mesmo passado parecem vir as discussões
para cortar impostos das montadoras. Se houver medidas nessa direção, será
preciso muito contorcionismo para evitar que se convertam em estímulo ao
consumo de combustíveis fósseis.
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