O Estado de S. Paulo
O modelo sindical brasileiro é único. Recusa-se a admitir que trabalhadores e patrões devem gozar de autonomia de organização e de liberdade de filiação
Há décadas o corporativismo fascista
presente na estrutura sindical repele as regras democráticas. Dirigentes da
velha geração defendem a classificação de empregadores e trabalhadores em
categorias econômicas e profissionais e o princípio da unicidade, adotados na
ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945) e mantidos no Título V da Consolidação
das Leis do Trabalho, que trata da organização sindical.
De outra parte, os defensores das
liberdades democráticas se empenham em campanhas pela modernização do anacrônico
sistema. Enfrentam, porém, cerrada oposição de correntes conservadoras, para as
quais sindicatos, federações e confederações devem continuar colados ao
Ministério do Trabalho, como mexilhões ao rochedo marinho.
O artigo 8.º da Constituição de 1988 procurou solução intermediária entre o modelo corporativo-fascista e o projeto democrático, não alcançando, porém, bons resultados. Prescreve o dispositivo que “é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um município”.
O princípio da unicidade, sob o controle do
Estado, revelou-se incapaz de deter a proliferação de sindicatos profissionais
e patronais de fachada, organizados com o objetivo de receber a Contribuição
Sindical anual obrigatória e de assegurar estabilidade no emprego ao maior
número possível de dirigentes. As taxas de sindicalização permanecem, em geral,
baixas: em torno de 20%. Dados do Ministério do Trabalho indicam a existência
de 11.257 sindicatos de trabalhadores, e de 5.174 sindicatos patronais, além de
centenas de federações estaduais, dezenas de confederações nacionais e várias centrais.
Nos Estados Unidos são 140 e, na Alemanha, 70.
Os defensores da unicidade argumentam com o
hipotético enfraquecimento da vida sindical, no caso de adoção da autonomia.
Pulverizados e fracos eles são. Na verdade, o que se pretende é a adoção dos
princípios universais de autonomia de organização e de liberdade de associação,
expressos na Convenção n.º 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
aprovada por ocasião da 31.ª Conferência, realizada em São Francisco, nos
Estados Unidos, em junho de 1948.
O artigo 1 do referido tratado
internacional determina que “todo membro da Organização Internacional do
Trabalho, para o qual se encontre em vigor o presente convênio, se obriga a
colocar em prática as disposições seguintes”. O artigo 2: “Os trabalhadores e
os empregadores, sem qualquer distinção e sem autorização prévia, têm o direito
de constituir as organizações que julguem convenientes, assim como o de se
filiarem a estas organizações, com a única condição de observarem os
respectivos estatutos”. O artigo 3, por sua vez, ordena: “As organizações de
trabalhadores e de empregadores têm o direito de redigir os estatutos e
regulamentos administrativos, o de eleger livremente os representantes, o de
organizar a administração e suas atividades e o de formular programa de
trabalho”.
A Convenção n.º 87 está entre as quatro
adotadas como fundamentais pela Conferência Geral da OIT realizada em junho de
1998 em Genebra. De um total de 187 paísesmembros, foi ratificada por 145, cada
qual com o respectivo modelo autônomo. O Brasil é o único caso de nação
populosa, com expressiva economia e poderosa força de trabalho que se nega a
aceitar os princípios de autonomia de organização e de plena liberdade de
associação. Preserva os fundamentos corporativofascistas de divisão de
trabalhadores e patrões em categorias profissionais e econômicas, do monopólio
de representação na base territorial, havendo quem pretenda restabelecer a
Contribuição Sindical obrigatória.
O modelo brasileiro é único. Desconhece
similar. Parte do princípio autoritário da unidade, construída de cima para
baixo pelo Estado. Recusa-se a admitir que trabalhadores e patrões devem gozar
de autonomia de organização e de liberdade de filiação.
Disputas judiciais de bases territoriais e
de representação são frequentes. Segundo o disposto pelo artigo 114, III, da
Constituição, a competência para resolvê-las pertence à Justiça do Trabalho.
Caberá ao Judiciário Trabalhista ordenar a categoria em que empregadores e
empregados se enquadram e escolher onde se sindicalizarão. Por se tratar de
matéria constitucional, os processos poderão chegar ao Supremo Tribunal Federal
(STF).
Em 31/5/1949 o presidente Gaspar Dutra
encaminhou à Câmara dos Deputados a Mensagem n.º 256. Pedia o aval do Poder
Legislativo para ratificar a Convenção n.º 87. Em 20/6/1984 a Comissão de
Relações Exteriores aprovou o parecer do relator, deputado Pedro Colin,
autorizando a ratificação. No Senado Federal, está há 40 anos, com parecer
favorável da Comissão de Constituição e Justiça, à espera de decisão.
Assim é o Brasil. Preso ao passado.
*Advogado, ex-ministro do Trabalho e
presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), é autor de ‘Greve – o
grevismo na nova República’
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