sábado, 16 de setembro de 2023

Carlos Alberto Sardenberg - A ditadura equivocada na China

O Globo

Como não há debate sobre a falência de certas políticas, não há base para a procura das mais corretas

O governo da China enfrenta sérias dificuldades naquilo que parecia ser sua especialidade: botar o país para crescer. Há problemas econômicos específicos — como o endividamento das administrações regionais e o esgotamento de grandes projetos de infraestrutura —, mas a questão básica é mais profunda. Trata-se da perda de eficiência do sistema político, aquele que se poderia chamar de ditadura esclarecida.

Ditadura, pelo óbvio. A sociedade vigiada e controlada pelo Partido Comunista. Na economia, ampla abertura para o investidor privado nacional e estrangeiro. Por trás disso, o comando de uma burocracia formada nas melhores universidades ocidentais e treinada em grandes companhias.

Um pequeno exemplo: a política monetária é aplicada pelo Banco do Povo da China. O povo não manda nada. Mandam economistas que trabalham exatamente como os mais eficientes banqueiros centrais do mundo.

Há uma ideologia por trás disso. Sustenta que a democracia política, estilo ocidental, não funciona e, pior, atrapalha o crescimento econômico. Muito debate, parlamentos atrasando a aplicação dos programas, imprensa incomodando, sociedade reclamando e resistindo a medidas do governo — não há como ter eficiência, diz essa doutrina. Mas, para que isso seja verdade, é preciso admitir que a tecnocracia é eficiente e sabe claramente os interesses atuais e futuros dos cidadãos e do país. Logo, não erra.

Pois o governo do presidente Xi Jinping vem cometendo erros sucessivos. O mais desastroso foi o programa Covid Zero. A ideia era bloquear a transmissão do vírus. Um teste positivo numa fábrica — e se fechava toda a fábrica, trabalhadores e funcionários lá dentro, por quantos dias fosse necessário para testar todo mundo e isolar os doentes. Um caso num bairro, e todos os moradores eram simplesmente trancados em suas casas, com barricadas à frente dos prédios. Se o vírus escapava do bairro mesmo assim, regiões inteiras eram isoladas. Um caso num porto, e se fechavam todas as operações ali.

Sendo essa a política, o governo se descuidou da vacinação — e deu tudo errado. A Covid Zero paralisou seguidamente a economia e não impediu a transmissão. Quando, finalmente, se abandonou a política, a economia estava desorganizada, a sociedade cansada e não vacinada. Depois o governo se equivocou em várias tentativas de recuperação, e o resultado aí está: a China crescendo muito pouco, os ganhos de renda bloqueados.

Como se chegou a esse ponto? Pela natureza do regime. Sem democracia, sem livre debate, os médicos e cientistas que alertavam sobre os erros da Covid Zero eram simplesmente presos ou trancados em casa. Incipientes debates em alguma imprensa regional, reportando reclamações de moradores, foram rapidamente abafados.

O mesmo acontece nas decisões de política econômica. Quando o presidente e a administração central erram, a burocracia mantém esse erro, insiste, até que as próprias instâncias superiores, o presidente e a cúpula do partido percebam a besteira. De novo, como não há debate sobre a falência de certas políticas, não há base para a procura das mais corretas. Erro atrai erro.

E quer saber? É bom que isso esteja acontecendo. O povo chinês paga um preço e também muitos países cujas economias se ligaram mais fortemente à China. Mas era preciso desmistificar o sistema e derrubar a ideia de que a democracia atrapalha. É notável também a perda de prestígio da China como parceiro econômico e geopolítico. Se o governo lá muda suas políticas sem consultar seu próprio povo, por que consultaria outros governos?

Assim é que os países ocidentais no sentido amplo, democráticos e desenvolvidos — incluindo Japão, Austrália e Coreia do Sul —, buscam parceiros confiáveis. Países emergentes democráticos são candidatos. Alguns pularam na frente. O México ultrapassou a China como maior fornecedor dos Estados Unidos. Canadá também. A União Europeia, outro exemplo, procura fontes de energia fora da Rússia.

Enquanto isso, o Brasil de Lula, antiamericano, se alinha com China e Rússia.

 

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