O Globo
Como não há debate sobre a falência de
certas políticas, não há base para a procura das mais corretas
O governo da China enfrenta sérias
dificuldades naquilo que parecia ser sua especialidade: botar o país para
crescer. Há problemas econômicos específicos — como o endividamento das
administrações regionais e o esgotamento de grandes projetos de infraestrutura
—, mas a questão básica é mais profunda. Trata-se da perda de eficiência do
sistema político, aquele que se poderia chamar de ditadura esclarecida.
Ditadura, pelo óbvio. A sociedade vigiada e
controlada pelo Partido Comunista. Na economia, ampla abertura para o
investidor privado nacional e estrangeiro. Por trás disso, o comando de uma
burocracia formada nas melhores universidades ocidentais e treinada em grandes
companhias.
Um pequeno exemplo: a política monetária é aplicada pelo Banco do Povo da China. O povo não manda nada. Mandam economistas que trabalham exatamente como os mais eficientes banqueiros centrais do mundo.
Há uma ideologia por trás disso. Sustenta
que a democracia política, estilo ocidental, não funciona e, pior, atrapalha o
crescimento econômico. Muito debate, parlamentos atrasando a aplicação dos
programas, imprensa incomodando, sociedade reclamando e resistindo a medidas do
governo — não há como ter eficiência, diz essa doutrina. Mas, para que isso
seja verdade, é preciso admitir que a tecnocracia é eficiente e sabe claramente
os interesses atuais e futuros dos cidadãos e do país. Logo, não erra.
Pois o governo do presidente Xi Jinping vem
cometendo erros sucessivos. O mais desastroso foi o programa Covid Zero. A
ideia era bloquear a transmissão do vírus. Um teste positivo numa fábrica — e
se fechava toda a fábrica, trabalhadores e funcionários lá dentro, por quantos
dias fosse necessário para testar todo mundo e isolar os doentes. Um caso num
bairro, e todos os moradores eram simplesmente trancados em suas casas, com
barricadas à frente dos prédios. Se o vírus escapava do bairro mesmo assim,
regiões inteiras eram isoladas. Um caso num porto, e se fechavam todas as
operações ali.
Sendo essa a política, o governo se
descuidou da vacinação — e deu tudo errado. A Covid Zero paralisou seguidamente
a economia e não impediu a transmissão. Quando, finalmente, se abandonou a
política, a economia estava desorganizada, a sociedade cansada e não vacinada.
Depois o governo se equivocou em várias tentativas de recuperação, e o
resultado aí está: a China crescendo muito pouco, os ganhos de renda
bloqueados.
Como se chegou a esse ponto? Pela natureza
do regime. Sem democracia, sem livre debate, os médicos e cientistas que
alertavam sobre os erros da Covid Zero eram simplesmente presos ou trancados em
casa. Incipientes debates em alguma imprensa regional, reportando reclamações
de moradores, foram rapidamente abafados.
O mesmo acontece nas decisões de política
econômica. Quando o presidente e a administração central erram, a burocracia
mantém esse erro, insiste, até que as próprias instâncias superiores, o
presidente e a cúpula do partido percebam a besteira. De novo, como não há
debate sobre a falência de certas políticas, não há base para a procura das
mais corretas. Erro atrai erro.
E quer saber? É bom que isso esteja
acontecendo. O povo chinês paga um preço e também muitos países cujas economias
se ligaram mais fortemente à China. Mas era preciso desmistificar o sistema e
derrubar a ideia de que a democracia atrapalha. É notável também a perda de
prestígio da China como parceiro econômico e geopolítico. Se o governo lá muda
suas políticas sem consultar seu próprio povo, por que consultaria outros
governos?
Assim é que os países ocidentais no sentido
amplo, democráticos e desenvolvidos — incluindo Japão, Austrália e Coreia do
Sul —, buscam parceiros confiáveis. Países emergentes democráticos são
candidatos. Alguns pularam na frente. O México ultrapassou a China como maior
fornecedor dos Estados
Unidos. Canadá também. A União Europeia, outro exemplo, procura
fontes de energia fora da Rússia.
Enquanto isso, o Brasil de Lula,
antiamericano, se alinha com China e Rússia.
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