sábado, 16 de setembro de 2023

Adriana Fernandes - O trem da alegria

O Estado de S. Paulo

É inaceitável que o Congresso carimbe mais um custo para todos os contribuintes

Se quiser mostrar compromisso verdadeiro com o corte de despesas, o presidente da Câmara, Arthur Lira, tem de colocar na geladeira a PEC que pode incorporar na folha de pagamento do governo federal até 50 mil servidores dos antigos territórios de Rondônia, Amapá e Roraima, com custo de R$ 6,3 bilhões por ano.

A PEC foi aprovada de forma irresponsável nesta semana pelo Senado, e tramita agora na Câmara – onde, dizem, será enxugada para diminuir seu alcance. Mas o certo, neste momento, é retornar à gaveta, de onde não deveria nem mesmo ter saído.

Lira tem batido na tecla de que o governo precisa cortar despesas, e é hoje o principal fiador, junto ao mercado financeiro, de uma reforma administrativa com viés de redução de gastos. Se não travar a votação, sua palavra em defesa do ajuste fiscal cairá no vazio.

É inaceitável que, em meio ao enorme desafio para as contas públicas que se avizinha em 2024, o Congresso carimbe mais esse custo a todos os contribuintes. O Orçamento está longe de fechar a conta, e o ceticismo com as contas públicas voltou ao cenário econômico.

Para piorar, a arrecadação de União, Estados e municípios está desacelerando, e jogando pressão sobre o ministro Fernando Haddad para liberar ajuda a prefeitos e governadores.

O Congresso, aliados e o próprio governo – que não fez uma articulação política decente para barrar esse “trem da alegria” – parecem estar de brincadeira ao ignorar o risco fiscal e impor mais essa fatura.

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), não poderia ter encabeçado o movimento. Ou ele é líder dos interesses dele mesmo ou o governo Lula fez um acordo com as principais lideranças beneficiadas diretamente pela PEC em troca de algo que só saberemos depois. Ou nunca saberemos. O presidente da CCJ do Senado, Davi Alcolumbre, do Amapá, sem dúvida é uma dessas lideranças.

A PEC foi aprovada por unanimidade no Senado, e com apoio da base do governo. Esse assunto já tinha sido encaminhado em 2015. E a PEC, arquivada em 2022. Por que desarquivar agora? É a pergunta que fica sem resposta.

O próprio governo está ajudando a armar as novas bombas fiscais. Depois não adianta fazer coro contra os juros altos e coordenar ataques ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Haddad está entrando cada vez mais numa arapuca. Não deixa de ter razão, de certa forma, o relator da LDO de 2024, Danilo Forte, que disse “ter dó” de Haddad por ser “quase impossível” zerar o déficit no ano que vem. Quem paga a conta é o contribuinte.

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