Folha de S. Paulo
Avanços da inteligência artificial vão
exigir revolução anímica
Não compro muito a ideia de que a inteligência artificial (IA) vai destruir o mundo. Digo-o não porque tenha conhecimento privilegiado do porvir —em tese, é perfeitamente possível que as IAs sejam nossa ruína—, mas porque sei que, diante do novo, nossa tendência é sempre a de exagerar os perigos. Quem quiser uma confirmação empírica disso pode pegar nas coleções de jornais os artigos catastrofistas dos anos 1970 e 1980 que comentavam o advento dos bebês de proveta, que hoje não despertam mais polêmica.
Daí não decorre que devamos tratar as IAs
com ligeireza. É uma mudança tecnológica de enorme potencial e que terá
impactos, em
especial sobre o emprego. Já vimos antes a chamada destruição criadora em
ação. Mas, ao que tudo indica, desta vez, a aniquilação de postos de trabalho
se dará em escala maior e atingirá também funções criativas ocupadas pelas
elites intelectuais, que foram poupadas em viragens tecnológicas anteriores.
O "big picture", porém, talvez
não seja dos piores. Tanto Marx como Keynes anteviram um mundo em que as
mudanças tecnológicas avançariam tanto que resolveriam o problema econômico da
humanidade, isto é, as máquinas produziriam sozinhas e de graça tudo o que
necessitamos, de comida a bens industrializados, passando por vários tipos de
serviço. A dificuldade é que, como isso não vai acontecer da noite para o dia,
devemos esperar uma transição complicada. E complicada não apenas em termos
econômicos e sociais mas também psicológicos.
Quando conhecemos uma pessoa, uma das
primeiras perguntas que lhe dirigimos é "o que você faz?". Vivemos em
sociedades em que os indivíduos se definem em larga medida por sua profissão.
Tirar isso deles pode provocar um vazio existencial. É até possível que, com o
problema econômico resolvido, passemos a extrair transcendência de outras
atividades. Imagine um mundo de artistas. Mas isso vai exigir uma revolução
anímica.
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