quinta-feira, 26 de outubro de 2023

William Waack - Bem-vindos à selva

O Estado de S. Paulo

O conflito em Gaza vai prosseguir pelas brutais leis da região

Diante do que promete ser a maior operação militar da recente história de Israel – a invasão por terra de Gaza para exterminar a principal base do terrorismo do Hamas –, é bem reduzida a possibilidade de interferência por parte de potências ou instituições “de fora”.

A inefetividade da ONU, por exemplo, é proverbial, mas ela apenas espelha um longo processo de dissolução da ordem internacional, que guerras como as de Ucrânia e Gaza (mas não só) “de repente” expõem e aceleram. Foi desaparecendo o relativo “balanço” de poder entre as principais potências, ancorado nos últimos 20 anos na predominância dos Estados Unidos.

O presidente Joe Biden sugeriu uma volta ao “excepcionalismo” da política externa americana (“farol do mundo”) em seu recente pronunciamento à nação. Mas quão realista é essa arriscada postura no atual Oriente Médio?

Faz 50 anos que um secretário de Estado americano (foi Henry Kissinger) negociou em viagens frenéticas à região o fim da guerra do Yom Kippur, quando Israel estava prestes a destruir a força militar do principal inimigo, o Egito. O “arranjo” acabou sendo visto como um clássico da visão realista das relações internacionais, baseado no equilíbrio dos interesses das principais potências.

O atual secretário de Estado repetiu as mesmas viagens numa paisagem que reflete sobretudo o abandono estratégico da região pelos Estados Unidos, uma Europa voltada para si mesma e o desafio brutal dos “revisionistas”, China e Rússia. Tony Blinken visitou potências regionais “amigas” com alianças e jogo próprio com os “revisionistas” e também em relação ao principal inimigo dos EUA, o Irã.

E um “aliado fundamental” – Israel – que, ao longo de décadas, trouxe a política externa americana para seus interesses e não o contrário. Israel entende que sua sobrevivência é função exclusiva da superioridade militar e da mão de ferro nos territórios que ocupa desde 1967. Assumindo que fatos consumados, como impossibilitar a solução de dois Estados e até eventualmente anexar a Cisjordânia, seriam de um jeito ou de outro engolidos por populações e governos árabes, e endossados pelos americanos.

Até aqui, é a “dinâmica” ou “lógica inerente” do conflito regional que arrasta as potências de fora, e não o contrário. Não parece existir no contexto atual ninguém capaz de articular o que seria o famoso “balance of power”, que implicaria prosseguir com alguma visão política para o conflito no Oriente Médio sem a qual a história demonstra que não perduram as soluções militares “definitivas”.

Bem-vindos à selva.

 

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