O Estado de S. Paulo
O conflito em Gaza vai prosseguir pelas brutais leis da região
Diante do que promete ser a maior operação
militar da recente história de Israel – a invasão por terra de Gaza para
exterminar a principal base do terrorismo do Hamas –, é bem reduzida a
possibilidade de interferência por parte de potências ou instituições “de
fora”.
A inefetividade da ONU, por exemplo, é
proverbial, mas ela apenas espelha um longo processo de dissolução da ordem
internacional, que guerras como as de Ucrânia e Gaza (mas não só) “de repente”
expõem e aceleram. Foi desaparecendo o relativo “balanço” de poder entre as
principais potências, ancorado nos últimos 20 anos na predominância dos Estados
Unidos.
O presidente Joe Biden sugeriu uma volta ao “excepcionalismo” da política externa americana (“farol do mundo”) em seu recente pronunciamento à nação. Mas quão realista é essa arriscada postura no atual Oriente Médio?
Faz 50 anos que um secretário de Estado
americano (foi Henry Kissinger) negociou em viagens frenéticas à região o fim
da guerra do Yom Kippur, quando Israel estava prestes a destruir a força
militar do principal inimigo, o Egito. O “arranjo” acabou sendo visto como um
clássico da visão realista das relações internacionais, baseado no equilíbrio
dos interesses das principais potências.
O atual secretário de Estado repetiu as
mesmas viagens numa paisagem que reflete sobretudo o abandono estratégico da
região pelos Estados Unidos, uma Europa voltada para si mesma e o desafio
brutal dos “revisionistas”, China e Rússia. Tony Blinken visitou potências
regionais “amigas” com alianças e jogo próprio com os “revisionistas” e também
em relação ao principal inimigo dos EUA, o Irã.
E um “aliado fundamental” – Israel – que, ao
longo de décadas, trouxe a política externa americana para seus interesses e
não o contrário. Israel entende que sua sobrevivência é função exclusiva da
superioridade militar e da mão de ferro nos territórios que ocupa desde 1967.
Assumindo que fatos consumados, como impossibilitar a solução de dois Estados e
até eventualmente anexar a Cisjordânia, seriam de um jeito ou de outro
engolidos por populações e governos árabes, e endossados pelos americanos.
Até aqui, é a “dinâmica” ou “lógica inerente”
do conflito regional que arrasta as potências de fora, e não o contrário. Não
parece existir no contexto atual ninguém capaz de articular o que seria o
famoso “balance of power”, que implicaria prosseguir com alguma visão política
para o conflito no Oriente Médio sem a qual a história demonstra que não
perduram as soluções militares “definitivas”.
Bem-vindos à selva.
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