O Estado de S. Paulo
O futuro desenhado pelo Clube de Roma está se concretizando com facetas diferentes, não menos desafiantes
Em 1972 era divulgado o primeiro manifesto
que, relacionado com crescimento econômico, demografia e restrições ambientais,
popularizou preocupação latente entre os que aspirávamos estudar e propor
políticas para reverter o subdesenvolvimento.
Limites ao Crescimento – o conhecido informe do Clube de Roma, ou Informe Meadows –, de cientistas do MIT liderados pelo casal Donella e Dennis Meadows, com a participação de mais 17 colegas, projetava um cenário que beirava a catástrofe caso as tendências então observadas se prolongassem no tempo. Celso Furtado, em O Mito do Desenvolvimento Econômico (1973), chamava a atenção para os limites, em termos de sustentabilidade da biosfera, que desafiavam as estratégias para retirar a maior parte do mundo do subdesenvolvimento e da pobreza e miséria dos seus povos.
As preocupações não se limitavam a um grupo
de cientistas que, num ambiente de riqueza e abundância, brincavam de imaginar
um colapso iminente, com a aspiração do mundo em manter ou aumentar o seu nível
de bem-estar material. Essa angústia permeava a obra de intelectuais
comprometidos com a reversão do atraso. Celso Furtado, em seu Brasil
Pós-Milagre, defende que o dinamismo do desenvolvimento de nosso país
sustentou-se sob dois pilares: “O sacrifício imposto à grande parte da
população e o caráter extensivo da exploração dos recursos naturais”.
O tempo transcorreu, o crescimento mundial
prosseguiu e o colapso esperado não se concretizou. Nações-continente – Índia,
China e, em menor medida, o Brasil – multiplicaram sua renda per capita e
melhoraram seus indicadores sociais. Nos anos 70, quase toda a população
chinesa estava abaixo da linha da pobreza. Hoje, o porcentual de pobres nesse
país é residual e a China atingiu a categoria de nação de renda média-alta. O
informe do Clube de Roma parecia condenado à mesma categoria teórica da obra de
Malthus: datada no tempo e desqualificada pela História. A tecnologia parecia
capaz de ampliar limites e um horizonte de crescimento ilimitado era
vislumbrado pela capacidade criativa dos humanos.
Por meandros pouco conjecturados, talvez mais
desafiantes, as restrições reaparecem e os desafios adquirem novas e
inesperadas facetas. Se no informe do Clube de Roma a bomba populacional
perfilava-se no horizonte como o obstáculo a reverter, hoje é o inverso. A
queda populacional é a preocupação central no mundo desenvolvido. Tentar
aproveitar o bônus demográfico é tarefa das nações de classe média e, nos
espaços estruturalmente pobres de Ásia e África, o crescimento populacional sem
controle continua monopolizando a atenção dos demógrafos.
Em 2007, o Intergovernmental Panel on Climate
Change e Al Gore dividiram o Nobel da Paz por seus trabalhos sobre mudança
climática. Não seria o receio do esgotamento dos recursos que circunscreveria
nosso futuro, uma vez que as esperanças na tecnologia ampliariam infinitamente
(talvez) sua disponibilidade. Contrariamente, hoje, o crescimento estaria
limitado pelos resíduos de nossas atividades na exploração dos recursos
naturais. O expresidente George Bush caracterizou nossa civilização como
viciada em combustíveis fósseis, adjetivação curiosa vindo de um político cuja
base é o Texas e o país, o maior emissor de CO2 per capita.
O futuro desenhado pelo Clube de Roma está se
concretizando com facetas diferentes, não menos desafiantes. Devemos continuar
com os esforços para superar o subdesenvolvimento ao qual está sendo condenada
boa parte da humanidade. O tema que ocupou mentes e corações, meus e de tantos
economistas nas décadas de 60, 70 e 80, continua atual. Melhorar o bem-estar
material e os indicadores sociais, sobretudo do segmento mais vulnerável da
população, continua sendo nosso combate. Mas a engenharia é mais complexa agora.
Articular a melhoria de condições materiais
no cotidiano com problemas ambientais já não é mais tarefa desejável de um
futuro distante. No lugar de um horizonte possível identificado por acadêmicos
de vanguarda, as limitações ambientais são um presente concreto, uma restrição
vigente dos nossos dias. A seca na Amazônia e as enchentes no centro-sul
exemplificam.
Parafraseando Furtado, o nosso
desenvolvimento já não pode ter como alicerce o sacrifício da população ou de
nossos recursos naturais. Este é um combate planetário.
Aspirações por melhor bem-estar material de
todos são legítimas e sua frustração tem custos também para os espaços
desenvolvidos. Os problemas que a imigração descontrolada gera nos EUA e na
Europa testemunham a contemporaneidade da busca pelo desenvolvimento que
monopolizava nossas atenções há 50 anos. Em paralelo, os problemas ambientais
não estão limitados pelas fronteiras dos Estados nacionais. A questão da
Amazônia é de interesse primordial do Brasil, mas contribui para regular o
ecossistema do planeta.
Não há espaço para o terraplanismo em matéria
climática. Não há possibilidades de isolamento dentro de nossas fronteiras e de
esquecermos nosso compromisso com o desenvolvimento. É o desafio que o futuro
coloca no presente.
*Economista
Um comentário:
Boas reflexões!
Postar um comentário