quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Maria Cristina Fernandes - Mediação da paz depende de lugar de fala

Valor Econômico

Legitimidade do Brasil como mediador da paz depende do enfrentamento do crime organizado

Indagado, antes da cirurgia, sobre a agenda de seu chefe em 2024, um auxiliar próximo do presidente Luiz Inácio Lula a Silva, listou, nesta ordem, o que são suas prioridades: o G-20, cujo comando o Brasil assume na próxima semana, as visitas de chefes de Estado ao país, em retribuição àquelas que Lula lhes fez este ano, e a preparação para a COP 30 e a cúpula dos Brics, em 2025. E a lojinha? Fica por conta dos ministros.

Neste quase um mês em que Lula convalesceu, Brasília parou. O mundo é que andou, sob o fogo cruzado do Oriente Médio. A política externa seguiu a cartilha do Itamaraty à qual Lula, à distância, se incorporou, tropeçando aqui e ali, e se corrigindo acolá. A política interna é que mostrou o quanto é dependente de Lula. Se o presidente se valeu de sua cirurgia para postergar nomeações, o presidente da Câmara, Arthur Lira, respondeu na mesma moeda com o adiamento de votações. Até o relatório da reforma tributária, no Senado, só saiu depois que Lula reapareceu.

O jogo é manjado. O presidente represa as nomeações para garantir que o Congresso lhe entregue o caixa para 2024. Mal saiu a nomeação de seu indicado para a Caixa Econômica Federal, o presidente da Câmara marcou a votação do projeto que taxa as “offshores” e, em seguida, enforcou a próxima semana inteira no feriado de Finados.

A data limite deste jogo é 31 de dezembro, quando o Orçamento e a grade de impostos que permitirão girar o caixa em 2024 têm que estar aprovados. O cenário externo dramatiza a necessidade que Lula tem dessas votações porque o conflito no Oriente Médio só aprofunda as dificuldades da economia nos mercados externos do Brasil.

O governo aposta todas as fichas na recuperação da economia para estancar a perda de popularidade do presidente. Isso só reforça o poder de retranca do Congresso. A pesquisa Quaest / Genial confirma a preocupação com a economia como âncora mas mostra que nem tudo depende de mais dinheiro no bolso. Como vai receber os chefes de Estado que já visitou, pode desfazer a impressão de que viaja demais, mas terá que adaptar, antes tarde que nunca, o discurso em política externa para a era da polarização.

O bolsonarismo sem Bolsonaro que resiste no país é tão útil para a direita quanto perigoso para Lula. Como seu mentor, além de inelegível, está calado, resta ao atual presidente correr sozinho o risco de se desgastar pelo que fala.

Lula subiu o tom contra o Hamas, na mesma correção de rota que fez em relação à Rússia na guerra da Ucrânia, mas o país continua dividido ao meio e a banda que lhe faz oposição continuará reverberando aquilo que as redes sociais propagam, não o que o jornalismo informa.

A pesquisa já estava pronta quando a zona oeste do Rio foi tomada pelo terror da milícia. Talvez por isso não haja notícias de segurança pública entre as mais lembradas, mas o problema é latente. Era a quinta preocupação na posse. Hoje é a terceira, empatada com saúde e ultrapassado pela economia e pelo combo “questões sociais” (pobreza, fome e miséria).

O ministro Flávio Dino informa que a taxa de homicídios é declinante, que a apreensão de armas dobrou e aquela de bens do crime organizado pela Polícia Federal foi multiplicada por 10 do ano passado para cá. Tudo isso fica encoberto pela imagem que correu o país do bandido que ateou fogo num ônibus com passageiros na zona oeste do Rio.

A primeira reação de Lula para conter a repercussão deste ataque foi acenar com a divisão da Pasta da Justiça. Ficou claro que jogou para a plateia. No dia anterior, tinha tido uma reunião de uma hora e meia com Dino em que o tema não foi tratado.

Já ficou claro que o Rio não tem um secretário de segurança pública porque é a Assembleia Legislativa quem a comanda. O governador Cláudio Castro se omite não apenas para não ser derrubado mas também porque teria que explicar porque o ex-chefe da Polícia Civil do Rio Alan Turnowski disputou uma vaga de deputado pelo PL, na coligação que o reelegeu e pela qual Bolsonaro disputou no Rio. O esquema de Turnowski, que está preso por associação com milícias, nunca foi desbaratado.

Quem poderia fazê-lo, diz Luis Eduardo Soares, secretário de secretário de segurança nacional de Lula I, é o Ministério Público, que tem a atribuição do controle externo da atividade policial. Mas, se nunca o fez até aqui, não o faria agora sem um titular na Procuradoria-Geral da República.

Podado o MPF e descartadas intervenção federal ou operação de garantia da lei e da ordem, resta a ampliação da Operação Ágata, que prevê a atuação das Forças Armadas no combate ao crime organizado nas fronteiras, para portos e aeroportos do Rio.

O tema, que foi discutido nesta quarta entre Dino, os ministros Rui Costa (Casa Civil) e José Múcio (Defesa), além dos três comandantes militares, já havia sido pauta de conversa, duas semanas atrás, do mesmo grupo, à exceção de Costa.

Entre aquela reunião e a desta quarta, saiu o relatório da CPI do 8/1, que abespinhou a cúpula das Forças Armadas pelo pedido de indiciamento de militares, entre os quais três ex-comandantes. Como a relatora da CPI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), é aliada de Dino, resolveram concluir que agia sob suas ordens.

De lá para cá, porém, a PF descobriu a participação de militares no furto de armas do próprio Exército que tinham como destino o crime organizado. E eis que os militares resolveram colaborar para mostrar que o Brasil não está a caminho da “mexicanização”. É desta cartada que Lula depende para ter lugar de fala como mediador da paz.

 

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