Limitar passageiros no Santos Dumont é alternativa sensata
O Globo
Objetivo é reequilibrar tráfego com o Galeão
sem abrir margem a questionamento jurídico
Faz sentido o governo mudar a estratégia para
reequilibrar o tráfego entre os principais aeroportos do Rio. O Tom
Jobim/Galeão opera abaixo da capacidade, enquanto o Santos Dumont é conhecido
por filas e atrasos. Em agosto, o Conselho de Aviação Civil (Conac) publicou
resolução limitando, a partir de 2 de janeiro de 2024, os voos do Santos Dumont
a um raio de 400 quilômetros. A medida, bem-intencionada, suscitou
questionamentos de técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU)
e foi parar na Justiça.
Com apoio do governador Cláudio Castro (PL) e do prefeito Eduardo Paes (PSD), o governo pretende agora revogar a resolução e quer, no lugar dela, restringir a movimentação anual no Santos Dumont a 6,5 milhões de passageiros (hoje 10 milhões têm viajado pelo aeroporto). Será preciso ainda chegar a um consenso sobre a melhor forma de pôr isso em prática. Haverá pressão para transformar os 6,5 milhões em 7,5 milhões, 8,5 milhões etc. Ao governo, não restará opção senão ser rigoroso. É fundamental zelar pelo equilíbrio entre os dois aeroportos — o regional e o internacional —, como ocorre em toda grande cidade.
Garantir a segurança jurídica é condição
básica para qualquer mudança. A RioGaleão, concessionária do aeroporto
internacional, planeja investir R$ 15 milhões até o final do ano em adaptações
para atender ao aumento de demanda. Não teria lógica promovê-las para, mais
adiante, as decisões do governo serem derrubadas na Justiça. As empresas aéreas
já deram início aos planos de transferência de voos do Santos Dumont para o
Galeão, mas a situação não gera tranquilidade. A Prefeitura de Guarulhos (SP)
entrou com processo no TCU contra a resolução do Conac, sob a alegação
discutível de que ela prejudica o aeroporto localizado no município da Grande
São Paulo.
Além de acabar com a indefinição e encerrar a
ação judicial, o teto para passageiros tem a vantagem de transferir às empresas
aéreas a responsabilidade de decidir que rotas mudar, de modo a preservar a
gestão de suas malhas. A ideia é que todos os destinos atuais possam ser
mantidos, inclusive aeroportos internacionais em voos de conexão.
Evidentemente, será preciso zelar para que haja voos de conexão chegando ao
Galeão, cuja vocação natural é ser um hub de acesso ao Brasil para
estrangeiros. A fiscalização dos limites no Santos Dumont será fundamental para
revitalizar o terminal internacional.
O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio
Costa Filho, afirmou que pretende apresentar a proposta de limitação à Casa
Civil em duas semanas. Ainda não está definido como será encaminhada, se por
portaria, projeto de lei ou medida provisória. Os contatos com o TCU para
avaliar antecipadamente as mudanças já começaram, um bom sinal. Costa Filho diz
querer construir uma solução “coletiva e definitiva”.
Com certeza, governador, prefeito,
representantes das empresas aéreas e dos aeroportos precisam ser ouvidos. Porém
o governo não deve esquecer que pode haver interesses conflitantes. Por isso é
essencial sempre lembrar a meta: acabar com o desequilíbrio entre os dois
aeroportos. Cumpri-la significa aproveitar plenamente a infraestrutura
aeroportuária do Rio, aliviar a sobrecarga na malha do resto do país, aumentar
o fluxo de voos internacionais e, assim, oxigenar o setor de turismo da cidade,
principal vitrine do Brasil.
Aperfeiçoamento da Lei de Cotas tenta
corrigir distorções no sistema
O Globo
Legislação renovada pelo Congresso precisa
agora ser acompanhada para que se avalie sua eficácia
Com um ano de atraso, o Congresso aprovou por
mais uma década a Lei de Cotas para ingresso nas universidades federais. As
cotas se firmaram como política eficaz para reduzir desníveis sociais,
ampliando a diversidade no ensino superior. Como toda política de Estado, exige
ajustes periódicos. Foi o que os congressistas tentaram fazer. Quilombolas
foram incluídos entre os grupos sociais contemplados, e houve mudanças para
tentar acabar com situações injustas.
Um estudo constatou que, em 2019, 10 mil
candidatos inscritos como cotistas no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) — por
meio do qual as faculdades públicas oferecem vagas com base no Enem — foram
rejeitados ainda que tivessem obtido notas maiores que os inscritos na
categoria de ampla concorrência. Isso ocorre porque, em certos casos, há mais
postulantes por uma vaga dentro das cotas que fora delas. No ano passado, em
25% dos cursos a nota de corte do Enem foi mais alta para cotistas que para não
cotistas.
Para evitar que a profusão de subcotas e as
regras da competição continuem criando distorções, a nova lei estabelece que,
se um cotista superar a nota de corte dos não cotistas, sairá do grupo de
cotistas e terá vaga garantida. Tendo em vista que o objetivo da lei é
facilitar o acesso ao ensino superior a grupos historicamente desfavorecidos, é
uma mudança mais que necessária.
Apesar de as cotas terem contribuído para
ampliar a diversidade no ensino superior, em 2022 caiu pela primeira vez o
número de cotistas (13%), ao mesmo tempo que aumentou o de não cotistas (9%),
segundo o Censo da Educação Superior. Enquanto a oferta de vagas nas
universidades federais para não cotistas permaneceu estável, as reservadas para
cotistas diminuíram 9%. As estaduais ampliaram em 9% as vagas de ampla
concorrência e cortaram as de cotas em mais de 13%, revelou o “Levantamento das
políticas de ação afirmativa nas universidades públicas brasileiras”, da Uerj e
do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp).
A atratividade das cotas pode ter caído em
razão das distorções que dificultavam o acesso às universidades por essa via —
e a nova lei pode ter corrigido o problema. Ou pode haver outras dificuldades.
É preciso que os pesquisadores se debrucem sobre as causas do recuo para
entender o que fazer.
Uma mudança positiva promovida pelos
congressistas foi a redução na renda familiar per capita usada como limite para
candidatos a cotas sociais. Era uma medida necessária, pois o patamar anterior
(um salário mínimo e meio) garantia acesso a estudantes de famílias de renda
média, em detrimento dos mais pobres. Será preciso avaliar quanto o novo limite
(um salário mínimo) corrige essa distorção.
Além disso, a evasão entre cotistas costuma
ser maior, sugerindo a necessidade de apoio pedagógico e incentivos para que
não abandonem a faculdade. De nada adianta facilitar a entrada se não houver
como retê-los. Não se pode esquecer que o objetivo das cotas é fornecer aos
desfavorecidos educação de qualidade, para reduzir as desigualdades. Ela
precisa ir até o fim.
Consumidor fica fora do debate sobre juro do
cartão de crédito
Valor Econômico
A discussão contábil deixa de lado lógica
elementar: não há o menor sentido cobrar hoje perto de 500%, quando a inflação
é de 5%
A disputa entre bancos, empresas de cartões,
de meios de pagamento e o varejo em torno do crédito rotativo e do parcelado
sem juros ganhou escala, com argumentos de parte a parte. O risco que correm é
o governo ou o Congresso arbitrar uma saída longe da desejável. Faltam
interlocutores do lado dos clientes dos bancos, dos cartões e do varejo, os
principais afetados. Apesar dos argumentos razoáveis de todos os participantes
desse mercado, juros de mais de 445% no crédito rotativo ao ano (embora só
possam ser cobradas por um mês) são uma anomalia que deveria acabar. Os
supostos prejuízos que isso acarretaria deveriam ser repartidos ao longo da
cadeia de crédito.
O Congresso e o governo tentam fazer esse
papel com resultados nem sempre satisfatórios. O ponto de partida da atual
discussão foi o projeto de lei do deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) que
limitava a taxa do rotativo a 8% ao mês, pouco mais de 150% ao ano. O mesmo
limite foi aplicado no passado ao cheque especial, outrora campeão de juros.
Essa linha de crédito acabou praticamente extinta depois disso.
Em abril, Ministério da Fazenda, Banco
Central e Febraban se reuniram para negociar uma solução. Foi criado um grupo
de trabalho que até agora não chegou a uma conclusão. Os bancos culparam o
parcelado sem juros praticado pelo varejo - sancionado pelas bandeiras dos
cartões emitidos pelos próprios bancos - pelas taxas elevadas.
A recente legislação do Desenrola, programa
de negociação de dívidas, buscou abordar o problema do juro do rotativo ao dar
aos bancos até o fim do ano para apresentar uma solução, caso contrário seria
fixado um teto de 100% do valor do principal. De novo, veio à baila a proposta
de se limitar o parcelado sem juros como compensação. O BC sugeriu restringir o
parcelado sem juros a 12 prestações.
Os envolvidos expuseram a briga ao público. A
Abrasel, entidade que reúne bares e restaurantes, reagiu com propaganda dizendo
que os bancos queriam “aleijar” o parcelado. A Associação Brasileira das
Empresas de Internet (Abranet), que representa instituições de pagamento e
empresas de maquininhas, rejeitou proposta para se limitar as compras
parceladas, pontuando que o debate era sobre o teto das taxas do rotativo do
cartão e que os bancos eram anticompetitivos. A Febraban diz que as maquininhas
querem preservar uma dinâmica insustentável para o consumidor e pretende levar
o caso à Justiça.
A Associação Brasileira de Defesa do
Consumidor (Proteste), uma das poucas vozes dos usuários, se manifestou
contrária às restrições e ao fim do parcelado sem juros. A entidade afirma que
não encontrou relação entre o parcelamento sem juros e as taxas do crédito
rotativo. Os bancos argumentam que o rotativo financia o parcelado e defendem
que os juros só cairão de forma estrutural se o parcelamento for restrito.
Não há consenso a respeito disso. Em artigo
no Valor (18/9), o ex-presidente do BC Gustavo Loyola diz que o
parcelado sem juros pode ser considerado um herdeiro do cheque pré-datado, que
se tornou um instrumento de pagamento à vista em título de crédito a prazo
pelas distorções do mercado. Segundo ele, praticamente metade das compras com
cartões de crédito é feita no parcelado sem juros. Rebate a afirmação de que,
ao descontar os recebíveis, o lojista paga juros que remuneram as instituições
financeiras pela operação. Salienta que o risco de crédito é sempre tomado
pelos emissores dos cartões ou instituições a eles ligadas, independentemente
de terem concedido ou não adiantamento aos lojistas.
Os dados mais recentes do BC, referentes a
agosto, registraram que a taxa do rotativo do cartão estava em 445,7% ao ano em
comparação com 57,7% ao ano na média do crédito com recursos livres. A
inadimplência nessa linha chega a 49,5% em comparação com a média de 6,1%. Não
é de hoje que a taxa do rotativo é exorbitantemente alta. Por isso, desde 2017,
quem fica no rotativo por mais de 30 dias migra automaticamente para um
parcelamento, cuja taxa em agosto era de 194,5%, a segunda mais elevada da
oferta com recursos livres.
Em agosto, o volume do rotativo era de R$
75,4 bilhões, o equivalente a 4% do crédito total em recursos livres, de R$ 1,9
trilhão. Segundo a Abecs, três quartos do dinheiro movimentado pelo cartão é
pago no vencimento da fatura e apenas um quarto é pago a prazo. Para alguns
especialistas, porém, também a parcela paga no vencimento deveria ser
considerada crédito, porque parte - metade, segundo Loyola - tem o pagamento
parcelado. Daí a importância de se ouvir o consumidor nesse debate.
A discussão contábil, com bons argumentos de todos os lados, deixa de lado lógica elementar: não há o menor sentido, seja qual for a linha de crédito, cobrar hoje perto de 500%, quando a inflação é de 5%. É algo que o BC deveria coibir, exigindo uma solução civilizada para o problema. Tabelar é saída que manteria as distorções. As bandeiras, que usaram como marketing o não pagamento em 45 dias nos cartões, poderiam pagar o ônus de uma solução equilibrada, que pode passar pela redução do prazo de quitação sem juros. A ginástica retórica dos bancos é pouco útil, se os devedores se sentirem, não sem razão, espoliados.
BC na mira, de novo
Folha de S. Paulo
Economia esfria e governo está longe de
mostrar projeto crível de ajuste fiscal
Pela primeira vez em seis meses, economistas
ouvidos regularmente pelo Banco Central diminuíram
nesta semana a previsão para o crescimento do PIB deste ano,
passando a estimá-lo em 2,9%.
O resultado se seguiu à divulgação do IBC-Br,
índice da autoridade monetária considerado prévia do Produto Interno Bruto. O
indicador caiu 0,77% em agosto em relação a julho, em recuo muito acima do
projetado pelo mercado.
Na mesma direção, o Índice de Confiança do
Consumidor da FGV-Ibre, que apura o humor das famílias em relação à economia e
sua propensão ao consumo, cedeu 3,8 pontos em outubro, após quatro meses de
altas consecutivas.
Os dados não sinalizam uma freada, mas
desaceleração que pode ter maiores consequências a médio prazo, pois há quatro
meses a arrecadação do governo federal, em grave crise fiscal, está em queda.
Quanto mais a economia esfriar, pior para as contas públicas.
Boa parte do crescimento da atividade até o
terceiro trimestre deveu-se, principalmente, ao dinheiro público despejado por
Jair Bolsonaro (PL) no período eleitoral, ao desempenho da agricultura no
começo do ano e aos gastos bilionários do governo Lula (PT) autorizados pelo
Congresso na chamada PEC da Transição, de dezembro de 2022. Aparentemente, os
efeitos desta gastança chegam ao fim.
Como resposta à desaceleração, o ministro
Fernando Haddad (Fazenda) ensaiou repetir a estratégia deletéria do início do
ano de culpar o
Banco Central e os juros altos para o combate da inflação.
Recentemente, disse que Estados Unidos e Europa não estão buscando a todo custo
baixar os preços para não "liquidar a economia real".
As declarações vieram um dia depois de o
presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmar que ainda há preocupações em
relação ao equilíbrio das contas públicas. Segundo ele, sem o ajuste fiscal, a
queda dos juros pode demorar.
Para complicar, consolida-se a percepção de
que os juros nos EUA permanecerão elevados por um bom tempo, refletindo o
aumento da dívida pública do país e sua necessidade de financiamento. Neste
cenário, títulos do Tesouro americano atrairão dólares do mundo todo, elevando
sua cotação e pressionado a inflação de países como o Brasil. Para o BC, é mais
um obstáculo para a redução dos juros.
Anunciando novos gastos quase que
diariamente, o governo Lula colocou, de forma irresponsável, todo o peso do
ajuste fiscal no aumento da arrecadação, que se frustra. Outras ações nesta
linha dependem do Congresso, mas são incertas perto do fim do ano legislativo.
Com a deixa de Haddad, parece questão de
tempo para a volta dos ataques de Lula ao Banco Central.
Liberdade sem terror
Folha de S. Paulo
Progressismo precisa separar a causa
palestina do radicalismo teocrático
Após o ataque brutal do Hamas a Israel,
seguiu-se uma onda de protestos a favor da causa palestina não apenas no mundo
árabe, mas em países
do Ocidente, como Inglaterra, Alemanha, França e EUA.
A partir de uma versão do conceito de
interseccionalidade, parte do campo da esquerda acredita numa espécie de
comunhão na luta de todas as minorias contra um opressor comum universal.
Assim, feministas, LGBTQIA+ e demais
progressistas deveriam se unir em torno de qualquer grupo que enfrente o
colonialismo representado por Israel e pelos EUA.
Confunde-se, no entanto, uma demanda legítima
—contra a opressão dos palestinos na região— com atos do Hamas, um grupo
terrorista apoiado pela teocracia do Irã, que, de modo contumaz, viola
liberdades individuais e direitos humanos que movimentos progressistas afirmam
defender.
No último dia 22, a Justiça do país condenou
as jornalistas Elaheh Mohammadi e Niloofar Hamedi a penas de sete e seis anos
de prisão, respectivamente. As duas participaram ativamente da cobertura da
morte de Mahsa Amini sob custódia da polícia moral iraniana em setembro do ano
passado.
A jovem fora presa por violar o código de
vestimenta, isto é, por não usar o véu da forma que as autoridades entendem ser
a correta. Segundo a polícia, ela pereceu devido a doença preexistente, mas há
claros indícios de que foi espancada. Uma série de
protestos, muitos violentamente reprimidos, se seguiram à notícia da morte de
Amini.
As acusações contra Mohammadi e Hamedi
incluíram colaboração com os EUA e propaganda contra a República Islâmica, que
poderiam render penas de prisão perpétua. Elas ainda podem recorrer.
ONGs de defesa da liberdade de imprensa
classificaram o episódio como uma farsa e pedem a imediata libertação das
jornalistas.
O caso não é isolado. Mais de 90
profissionais de imprensa foram presos ou detidos para interrogatório desde os
protestos. Estima-se que quase 20 mil pessoas foram encarceradas; sete foram
condenadas à morte e executadas.
Por isso é importante lembrar, neste momento, a real natureza da ditadura iraniana e de outras organizações de cunho teocrático radical como o Hamas. Elas não são amigas das mulheres, da comunidade LGBTQIA+, nem de nenhum grupo que preze pelas liberdades individuais garantidas por um Estado laico, democrático e de Direito.
Vem aí o novíssimo Ensino Médio
O Estado de S. Paulo
Espera-se que a partir de agora o País possa,
enfim, ter um currículo definitivo ou ao menos um que seja mais duradouro, sem
ser alterado ao sabor da ideologia do governo de turno
O Ministério da Educação (MEC) enviou ao
Congresso um projeto de lei (PL) que reformula a Política Nacional do Ensino
Médio. O PL revoga dispositivos da Lei 13.415/2017, que instituiu o chamado
Novo Ensino Médio, e estabelece outras diretrizes para essa fase da
aprendizagem. Vem aí, portanto, o “novíssimo” ensino médio, pouco depois
daquele que era o “novo” ter começado a ser implementado no País, em 2022, até
ser suspenso pelo ministro da Educação, Camilo Santana, em abril deste ano.
Espera-se que a partir de agora o País possa,
enfim, ter um currículo definitivo para o ensino médio ou ao menos um que seja
mais duradouro, sem ficar ao sabor da ideologia do governo de turno. É uma
enorme insensibilidade submeter milhões de jovens já aflitos pela premência de
ter de escolher uma carreira à insegurança de não saber nem sequer qual é a
grade pedagógica que deverão seguir até prestar o Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) e ingressar numa faculdade.
As mudanças propostas pelo MEC para a grade
curricular do ensino médio, que decerto ainda refletirá as contribuições feitas
pelos parlamentares, devem ser objeto de um debate iluminado pela técnica, não
pela ideologia. Devem dar azo a uma concertação suprapartidária que leve em
conta, em primeiríssimo lugar, o melhor interesse dos jovens estudantes, não as
convicções ideológicas de parlamentares e membros do governo, sejam quais forem
as suas afiliações políticas.
O ministro da Educação enfatizou que a
proposta da pasta para o ensino médio “é fruto de ampla consulta e debate
público, como devem ser os processos democráticos”. Camilo Santana acrescentou
que, “na busca pelo consenso, o que nos une é a certeza de que nossa juventude
merece mais oportunidades, com ensino médio atrativo e de qualidade”. Merece
mesmo. Daí por que a grade curricular que se pretende mais moderna deve ser
construída com muita cautela e não menos espírito público. Estará fadado ao
fracasso o currículo que não privilegiar a técnica e as melhores práticas na
área de educação.
Para o bem do País e dos cerca de 8 milhões
de jovens matriculados no ensino médio, não há sinal, ao menos por ora, de que
isso vai acontecer. O projeto de lei gestado no MEC, após a realização de
audiências públicas que contaram com especialistas em educação e organizações
da sociedade civil, traz melhorias ao projeto do Novo Ensino Médio aprovado em
2017, malgrado contribuir para a perpetuação do estigma negativo que marca o
ensino técnico no Brasil, tratando essa modalidade, na prática, como menos importante
do que a acadêmica. De toda forma, esse é um dos pontos que podem ser
melhorados no Congresso.
Entre as mudanças positivas contidas no PL, a
principal, não resta dúvida, é a retomada da carga horária de 2.400 horas para
Formação Geral Básica, isto é, para as disciplinas comuns do ensino médio, como
língua portuguesa e matemática. Não é incomum que jovens cheguem ao ensino
superior, sabe-se lá como, sem serem capazes de acompanhar os estudos propostos
pelos professores porque carecem de formação sólida em disciplinas elementares.
Outra boa medida é a retomada do ensino de
disciplinas antes obrigatórias para todos os alunos do ensino médio, como
sociologia, filosofia, artes e educação física, entre outras. De acordo com o
texto, o ensino de espanhol também passará a ser obrigatório, o que faz sentido
à luz da relação do Brasil com outras nações da América Latina. Além dessas
mudanças, haverá uma reorganização dos “itinerários formativos”, que são
chamados de Percursos de Aprofundamento e Integração de Estudos Propedêuticos,
a fim de evitar o que o ministro Camilo Santana classificou como “dispersão”.
Hoje são cinco e passarão a ser quatro, sendo obrigatória a oferta de ao menos
dois deles por escola.
Essas mudanças no ensino médio são
promissoras. Mas é importante ter em mente que, por melhor que seja, só uma
reforma curricular não resolve os problemas crônicos da educação brasileira.
Ainda é preciso ir muito além para superar o atraso de décadas que separa os
estudantes brasileiros dos jovens das nações desenvolvidas.
A incoerência da política fiscal
O Estado de S. Paulo
Crescimento real das despesas primárias neste
ano mostra a diferença entre objetivo e direção da política fiscal e a
distância entre o discurso e a prática do governo e do Congresso
Cumprir a meta fiscal e resgatar o equilíbrio
estrutural das contas públicas será um objetivo bem mais desafiador do que se
espera. Sem alterar a dinâmica do gasto público ou reduzir a rigidez das
despesas obrigatórias, o buraco no Orçamento não apenas não será coberto, como
tende a crescer.
A edição mais recente do Relatório de
Acompanhamento Fiscal da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado traz
uma reflexão importante sobre a diferença entre o objetivo e a direção na
análise da evolução das despesas primárias no curto prazo. As metas expressas
pelo novo arcabouço fiscal simplesmente não se coadunam com o comportamento do
gasto público.
Em setembro, segundo a IFI, a despesa
primária do governo central alcançou a marca de R$ 157,5 bilhões, um aumento
real de 10,7% em relação ao mesmo mês de 2022. Os gastos previdenciários
tiveram alta de 7,1%, um crescimento relacionado tanto ao crescimento no número
de benefícios quanto ao aumento do salário mínimo. Desembolsos com pessoal e
encargos sociais subiram 2,1%, em razão do reajuste dos servidores. Dispêndios
obrigatórios com controle de fluxo, como o Bolsa Família, avançaram 49,7%, em
parte porque o antigo Auxílio Brasil, em vigor até o ano passado, havia sido
pago com crédito extraordinário.
Não foi um comportamento pontual. De janeiro
a setembro, a despesa primária somou R$ 1,487 trilhão, alta real de 5,1% em
relação aos nove primeiros meses do ano passado. Gastos com abono salarial e
seguro-desemprego cresceram 7,3%; a complementação da União ao Fundeb, para
bancar o piso dos professores da rede pública, avançou 10,6%; e o Bolsa Família
aumentou 20,5%.
De janeiro a setembro, a maior redução nos
gastos se deu nas despesas discricionárias, de 17,39%. Mas essa queda não
significa cortes definitivos, mas apenas bloqueios orçamentários temporários e
o cronograma de desembolsos dessa despesa, concentrada no fim do ano. Não é uma
manobra nova. Diante da impossibilidade de mexer nos gastos obrigatórios, as
despesas discricionárias costumam pagar o preço imediato da política fiscal –
ao menos nos primeiros meses do ano.
Isso explica muito sobre o movimento que os
parlamentares têm feito para segurar a aprovação da Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) de 2024. Entre os artifícios que o relator, Danilo Forte
(União-CE), cogita adotar estão limites para o contingenciamento de emendas, um
calendário para o pagamento dessas indicações e até a criação de um novo tipo
de emenda impositiva – a emenda de liderança.
Para o ano que vem, o governo pressupõe que
as despesas primárias serão mantidas praticamente estáveis, em 19,2% do Produto
Interno Bruto (PIB), ante 19,1% neste ano. Tal projeção parte de premissas no
mínimo questionáveis, como uma redução de 8% nos gastos previdenciários
motivada por um pente-fino nos cadastros, operação cujo sucesso, segundo a IFI,
é “crucial” para a materialização do cenário esperado pelo governo.
Não é apenas no comportamento das despesas
que é possível perceber a diferença entre objetivo e direção da política
fiscal. Há, na verdade, uma incoerência entre o discurso e a prática do
Executivo e do Legislativo nesse tema. Quando as principais despesas da União
crescem acima da inflação, não há maneira de dourar a pílula: é preciso
aumentar a arrecadação para bancá-las e propor reformas para reduzi-las.
O governo fala em recuperar receitas, o que
dá na mesma, mas suas medidas para taxar fundos exclusivos e offshore e para
acabar com a dedutibilidade dos juros sobre capital próprio (JCP) repousam no
mesmo Congresso que deu aval ao arcabouço fiscal. Até agora, o plano de caça
dos jabutis tributários do ministro Haddad não saiu do papel, mas o Legislativo
trabalha intensamente para mantê-los e até ampliá-los na reforma tributária.
Assim, resta ao governo recorrer aos
tradicionais contingenciamentos, que retroalimentam o desgaste na relação com o
Legislativo, e torcer para que o Congresso não cumpra a ameaça de engessar
ainda mais o Orçamento por meio das emendas parlamentares. Até quando?
Retrocesso na Petrobras
O Estado de S. Paulo
Proposta de mudança no estatuto fura a blindagem que impede ingerência política na empresa
O baque do valor da Petrobras na bolsa após o
anúncio da aprovação de mudanças no estatuto pelo Conselho de Administração não
foi à toa. Mais do que o temor de ganhos menores na distribuição de dividendos,
o mercado financeiro enxergou o retrocesso embutido na medida. O atual comando
da petroleira prepara a abertura de um buraco na blindagem da empresa para
liberar a passagem da ingerência política e sua deturpada estratégia de fazer
da Petrobras um instrumento a serviço dos interesses do governo.
Alterar o estatuto reformulado há seis anos
para dotar a companhia de parâmetros rigorosos de governança diante dos
estragos escancarados pela Lava Jato é, por si só, uma atitude controversa. O
fato de ocorrer durante um governo petista, mesma gestão que esteve na origem
do escândalo que transformou a Petrobras em vítima de um dos maiores casos de
corrupção do mundo, piora a situação. Por fim, pinçar no estatuto artigos que
cercam de cuidados a escolha dos administradores responsáveis pela condução da
empresa deixa patente o caráter político da medida.
Aprovado em abril de 2017, o estatuto seguiu
as diretrizes da Lei das Estatais, sancionada no ano anterior. Além de filtrar
indicações de integrantes do Conselho de Administração e diretoria executiva,
exigindo, por exemplo, quarentena para líderes partidários e sindicais e
excluindo a possibilidade de participação de integrantes do governo, o novo
regulamento tornou explícita a responsabilidade individual de conselheiros e
diretores por atos que, de alguma forma, acarretem prejuízos à empresa.
A triste realidade brasileira revela que
estatais sempre estiveram à mercê de uso político, seja para promover
compadrios, favorecer esta ou aquela região com obras – necessárias ou não – ou
adotar estratégias que tragam retorno político e/ou financeiro aos
apadrinhados. A Lei 13.303, ou Lei das Estatais, procurou resguardar
minimamente essas empresas padronizando procedimentos de contratação e adotando
novas modalidades de licitação pública.
Misto de estatal e empresa privada, a
Petrobras ficou no meio do caminho, mas procurou, por via estatutária,
adequar-se à nova realidade. Recorre, porém, a inúmeros artifícios para driblar
as obrigações. A mudança na política de preços é uma delas. Em maio, numa
confusa explicação, o presidente da empresa, Jean Paul Prates, disse que não
haveria mais paridade internacional, as referências do mercado seriam o custo
alternativo do cliente e o valor marginal da Petrobras. Noves fora, o critério
de reajuste passou a ser desconhecido. E não há como desvincular a ingerência
na política de preços dos prejuízos amargados por quatro anos a partir de 2014.
Outro estratagema permitiu a nomeação de dois conselheiros que haviam sido rejeitados pelo órgão interno de governança. Uma liminar do então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, em decisão monocrática, permitiu que a norma fosse driblada. Agora, com o novo estatuto, o comando da Petrobras pretende perpetuar a firula.
Guinada de 180º na educação
Correio Braziliense
Sem desfavorecer as universidades federais e
as demais etapas do ensino, o governo federal está focado na educação básica, a
fim de reduzir o analfabetismo entre as crianças e a evasão escolar. Hoje, o
analfabetismo é realidade para cerca de 32 milhões de crianças
Levantamento recente — "Education at a
Glance 2023 —, feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), revelou que os investimentos do Brasil no ensino superior
chegam à média dos países desenvolvidos. Em contrapartida, são três vezes
menores em relação à educação básica. Uma discrepância que fica ainda mais
acentuada com um histórico de descontinuidade de investimentos no setor. Sem
desfavorecer as universidades federais e as demais etapas do ensino, o governo
federal está focado na educação básica, a fim de reduzir o analfabetismo entre
as crianças e a evasão escolar. Hoje, o analfabetismo é realidade para cerca de
32 milhões de crianças.
Entre 2019 e o ano passado, mais do que
dobrou o número de crianças entre 7 e 9 anos que não sabem ler, segundo estudo
do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com base em dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD Contínua), do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma das causas dessa triste
realidade foi a pandemia da covid-19, que eclodiu no início de 2020 e impôs o
isolamento social. Escolas foram fechadas, a educação a distância não foi
acessível a todos, entre outras dificuldades que romperam com a normalidade no
processo educacional, bem como em todos os setores e na vida dos brasileiros.
Outra razão foi o desmonte do Ministério da Educação nos últimos quatro anos.
Em entrevista ao Correio, o ministro Camilo
Santana coloca a alfabetização das crianças, na idade certa, como a etapa mais
importante do ensino. Segundo ele, uma criança que não aprende a ler e a
escrever terá seu ciclo escolar comprometido. O ministro acrescenta que esse é
também um dos motivos da evasão escolar, da distorção idade e série, do aumento
do abandono e da reprovação. Para vencer esse desafio, o ministro cita o
diálogo com os governos estaduais e municipais; os programas sociais, como
Bolsa Família, Primeira Infância e outros exemplos cunhados da sua experiência
como governador do Ceará. Os avanços conquistados pelo Ceará na educação,
colocou o estado como exemplo a ser seguido por outras unidades federadas.
Mas, além dessas medidas, a educação em tempo
integral ganha posição de destaque na revisão da política educacional do país.
O propósito é tornar a escola um ambiente atraente para crianças e jovens,
oferecendo não só o conteúdo da grade curricular, mas também alimentação,
atividades criativas, esportivas, culturais e acesso ao mundo do virtual. Na
visão do ministro, trata-se de uma política de segurança e de prevenção da
violência. O modelo prevê que, no ensino médio, as escolas ofereçam ensino
técnico, atendendo a uma demanda dos jovens.
A estratégia do governo, sustentada no tripé
alfabetização, escola de ensino integral e conectividade tem fortes indicativos
que poderá suprir as necessidades do país. Uma mudança de 180º em relação ao
que vinha sendo projetado em governos passados. Nesse aspecto, a política de
educação não pode ser de autoria desta ou daquela administração. Mas
instrumento indispensável para a erradicação das mazelas sociais e econômicas
que envergonham o país.
Impõe-se como importante que os bons
resultados alcançados se tornem política de Estado, dissociada de matizes
ideológicos e partidários. Está mais do que comprovado que a educação, em todos
os níveis, é o pilar do desenvolvimento de um país. Aos 523 anos, o Brasil está
atrasado. No cenário internacional, ainda é visto como país em desenvolvimento,
quando poderia, há muito, estar no patamar das nações desenvolvidas.
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