O Estado de S. Paulo
É preferível gastar mais tempo para gestar uma reforma que resolva, para valer, os problemas estruturais do ICMS: guerra fiscal e tributação concentrada na origem
Para salvar a proposta de reforma tributária,
será preciso resolver os problemas cabeludos do texto. Não é à toa que o
cronograma está atrasado. Aliás, é melhor caminhar devagar ou vamos fazer
grandes e custosas bobagens. O lema dos ideólogos da PEC 45 é um só: nada pode
ser pior do que o quadro atual. Ledo engano. O pecado mortal, de apostar numa
reforma megalômana, não foi ainda expurgado. Tenta-se superá-lo com
penduricalhos, cedendo a múltiplas pressões. O resultado é um monstrengo
tributário. Eu avisei.
No segundo governo do presidente Lula, tentou-se avançar com uma reforma similar à atual. São Paulo exerceu papel importante, à época, para barrar aquela aventura, com o governador José Serra e o secretário da Fazenda Mauro Ricardo Costa. Na etapa de tramitação na Câmara dos Deputados, o governador Tarcísio de Freitas apresentou uma alternativa ao chamado Conselho Federativo, órgão que comandará o novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), baseada em sistema de compensações entre os Estados. Essa discussão precisa ser feita.
A teimosia de quem nunca experimentou as
dificuldades dos Estados na pele fundamenta-se numa aposta cega no conhecimento
teórico da matéria. Questões como o sistema de créditos e débitos do novo
tributo subnacional; a dissolução de conflitos entre Fisco e contribuinte; a
garantia da autonomia federativa; o cálculo das alíquotas; a gestão dos novos
impostos criados; a lógica do chamado Imposto Seletivo (IS); o número de
exceções à alíquota de referência; o desenho dos regimes específicos; o
desdobramento das exceções do artigo 9.º da PEC; o custo impeditivo dos fundos;
entre outras, ficarão todas para lei complementar.
Há um risco enorme de dar besteira. Cada
discussão, no bojo dos futuros projetos de lei complementar, vai ensejar a
abertura de mais e mais trincheiras. As intermináveis negociações só poderão
redundar, prevejo, numa conformação pior do que a atual. Já falei neste espaço:
trata-se do Teorema da Impossibilidade de Arrow, segundo o qual o resultado do
atendimento de demandas individuais resulta num equilíbrio ruim para a
coletividade.
Nas democracias consolidadas, as reformas são
incrementais. Foi assim com as questões previdenciária e trabalhista, por
exemplo. Na tributária, não deveria ser diferente. Ao optar por uma revolução
no capítulo tributário da Constituição, a PEC 45 vai conseguir a proeza de
piorar o sistema vigente. Por isso, melhor atrasar a tramitação a colocar em
risco a economia e o equilíbrio federativo.
A reforma tributária deveria resolver a
guerra fiscal entre os Estados e a concentração do ICMS na origem das operações
interestaduais. A migração para o destino depende de uma mudança na Resolução
do Senado Federal n.º 22, de 1989.
Por meio de um projeto de resolução, teríamos
um cronograma de redução das alíquotas interestaduais a zero, acordando-se a
devida compensação. Na PEC 45, essa compensação existe e é gigantesca, mas sem
a garantia do destino. A guerra fiscal persistirá e a promessa de transição, a
partir de 2029, até 2032, tende a morrer na praia.
Para ter claro, as alíquotas do ICMS só
começarão a ser reduzidas em 2029, por quatro anos, à razão de 10% ao ano. Isto
é, em dezembro de 2032, às vésperas da extinção completa do ICMS e da fixação
do IBS no destino, as alíquotas do primeiro ainda figurarão em 60% das atuais!
É evidente que não se vai reduzir coisa alguma a zero, ainda mais partindo-se
de 60%. O mais provável será a proposição de uma prorrogação de prazos. Vamos
tomar esse risco?
Sem dissolver a guerra fiscal, a reforma será
um tiro n’água. Os incentivos já circundam os R$ 210 bilhões, pelas minhas
contas. Ilude-se quem imagina um cenário de novo sistema tributário justo e
simples se essa questão não for devidamente endereçada.
Os equívocos da Lei Complementar n.º 160/2017
não foram corrigidos. Ao contrário, o que hoje mobiliza corações e mentes é a
ampliação do fundo regional previsto na PEC. Já o outro fundo, para compensar a
redução de incentivos, vai vigorar desde 2025, repleto de recursos públicos,
mesmo a transição ocorrendo só a partir de 2029. A soma dessa brincadeira vai
representar, até 2033, centenas de bilhões de reais. Imagine, caro leitor, se
tem cabimento a aprovação de uma reforma com um custo explícito dessa magnitude
e, pior, para não se conseguir avançar na simplificação. Em 2026, vamos
conviver com: IBS, CBS, ICMS, ISS, PIS, Cofins, IPI e IS.
Ainda há tempo para corrigir a rota. Este
clima de “agora ou nunca”, de “não se pode perder a oportunidade”, de “pior do
que está não fica” poderá nos levar diretamente para o precipício. Se virou
moda falar em “manicômio tributário”, então como classificaríamos o novo
sistema, com um Conselhão em Brasília para a todos governar?
Devagar com o andor, porque o santo é de
barro puro. Melhor não parir este monstrengo tributário. É preferível gastar
mais tempo para gestar uma reforma que resolva, para valer, os problemas
estruturais do ICMS: guerra fiscal e tributação concentrada na origem.
*Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor executivo da IFI
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