Valor Econômico
Grupos de pressão terão que ser organizar
para tentar repactuar os termos da reforma em um ambiente de muito maior
controle pela cúpula
De 837 emendas recebidas o relator da reforma
tributária, senador Eduardo Braga (MDB-AM), acatou 285. É um número
significativamente maior do que as 158 emendas acolhidas na Câmara pelo relator
daquela casa, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Não se pode por si só considerar que o
senador foi mais flexível do que o deputado porque há uma diferença de universo
nos pareceres. A questão é estrutural.
No caso da Câmara, Ribeiro opinou sobre 219 propostas de modificação. Fica nítido com esses números que a discussão da reforma tributária na Câmara foi mais centralizada e com menor capacidade de pressão de grupos organizados para buscar tratamento diferenciado.
Houve ramos empresariais, como o do
saneamento, que só se mobilizaram quando a PEC chegou ao Senado. As montadoras
instaladas no Nordeste, Centro-Oeste e Norte tentaram e não conseguiram se
garantir na Câmara, mas emplacaram a prorrogação de incentivos na outra Casa do
Congresso.
Proporcionalmente a possibilidade de um grupo
interessado produzir uma emenda no Senado foi 20 vezes maior do que na Câmara.
Em média foram apresentadas 10 emendas por senador e 1 emenda a cada 2
deputados. O processo decisório na Câmara é muito mais restrito a um pequeno
núcleo de líderes e de articuladores ligados ou ao Palácio do Planalto, ou ao
presidente da Casa, Arthur Lira. Fora desse núcleo, que verdadeiramente manda,
o parlamentar está na categoria descrita por Max Weber em “A Política como Vocação”:
são “carneiros votantes, perfeitamente disciplinados”. A disciplina que é
possível quando se tem 20 partidos representados. E quando há pelo menos duas
bancadas transversais que se superpõem aos partidos em determinadas questões: a
dos ruralistas e a dos evangélicos.
No Senado há mais porosidade e o cabresto da
dupla Rodrigo Pacheco (presidente) e Davi Alcolumbre (ex-presidente, em
campanha antecipada para voltar ao cargo) corre mais frouxo.
Nada mais lógico, portanto, que o leque
aberto pelos senadores em relação à reforma tributária seja fechado pelos
deputados. Essa é a tendência. Ainda que tendência não seja destino.
Os grupos de pressão terão que ser organizar
para tentar repactuar os termos da reforma em um ambiente de muito maior
controle pela cúpula e onde o governo tem mais poder de fogo. É visível que o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem uma relação fluida com o presidente
da Câmara.
Municípios
Nem todos os lobbies conseguiram emplacar
suas teses. O dos municípios que devem perder receita com a reforma tributária,
por exemplo, ficou para trás. Joga contra o grupo o fato de ser minoria tanto
em quantidade quanto em população: a proposta atual aumenta a renda para a
maior parte dos municípios e para os mais populosos.
A reforma tributária tem um caráter
redistributivo entre os municípios, porque transfere a cobrança do futuro IVA
da origem para o destino. Com isso, saem ganhando os que são eminentemente
consumidores e perdem aqueles menos populosos e que geram alto valor
adicionado.
Os municípios recebem hoje 25% do ICMS,
tributo estadual. As cidades que sediam empreendimentos levam vantagem, já que
65% dessa cota é distribuída conforme o valor adicionado fiscal (VAF). O
restante é disciplinado por lei estadual, sendo que 10% precisa ser distribuído
conforme despesas relacionadas à educação. A reforma tributária elimina o VAF.
A Câmara dos Deputados aprovou em julho que 85% deve ser distribuído de acordo
com a população dos municípios. Outros 10% são destinados para atender o Fundeb
e 5% são rateados igualmente entre todos os municípios. No Senado o relator
Eduardo Braga diminuiu a porcentagem vinculada ao critério populacional para
80%, destinando 5% para compensação ambiental.
O economista Sergio Gobetti, do Ipea,
apresentou nota técnica em agosto calculando que a nova cobrança poderá trazer
perdas para 1.030 municípios, ou 18% do total. Ele identifica 32 cidades que
correriam mais risco, como Cubatão (SP), Paulínia (SP), Guamaré (RN) e São
Francisco do Conde (BA), sedes de refinarias.
Gobetti estimou que R$ 50,5 bilhões anuais se
deslocarão de municípios com alto valor adicionado para os mais pobres. Entre
os maiores ganhadores com a reforma estão cidades periféricas, atuais bolsões
de pobreza.
Uma emenda votada no plenário da Câmara
tornou mais drástico o caráter redistributivo. Na versão original do parecer de
Nogueira, o critério populacional tinha peso de 60% e havia uma margem de 35% a
ser disciplinada por lei estadual. Da lavra do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ),
ligado ao prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), houve a supressão
dessa margem. A quantidade de municípios que perdem receita sobe de 605 para
1.030, mas a população beneficiada vai de 61% para 67% dos brasileiros, de acordo
com Gobetti. “As Assembleias Legislativas muitas vezes criam critérios que
fogem do razoável”, diz Pedro Paulo. No caso do Rio, de acordo com o
parlamentar, uma briga entre o então governador Marcello Alencar e o então
prefeito do Rio Cesar Maia, em 1996, prejudica a capital fluminense até hoje.
Na ocasião, a Assembleia Legislativa reduziu o repasse de ICMS da capital,
alterando o Índice de Participação dos Municipios (IPM). A cidade perdeu 2,2%
de participação no ICMS distribuído pelo Estado.
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