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Qualquer reforma é melhor do que o sistema
tributário que temos. Ele é iníquo, dispendioso para a sociedade e para a
economia. É muito ineficiente e a montanha de incentivos que ele abriga exige
uma carga tributária muito alta
O relatório da reforma tributária apresentado
pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) é um ótimo exemplo de como os interesses da
elite penetram as decisões no Congresso brasileiro, sempre com efeitos
distributivos negativos. As exceções criadas primeiro na Câmara, agora no
Senado, inoculam a lógica do velho e complexo sistema tributário em vigor no
novo imposto sobre valor adicionado.
Toda elite usa seu poder político para manter seus privilégios e interesses “especiais”. No Brasil, porém, alguns setores da classe dominante têm se perenizado no poder. É quase impossível eliminar qualquer privilégio no Brasil. A ruptura consumada em 2018 reduziu a fragmentação partidária no plano eleitoral e provocou a redução do tamanho médio das bancadas no Congresso. O encolhimento das grandes bancadas deu ao Centrão o domínio do plenário. A força do conservadorismo, cuja prioridade é a manutenção do sistema de privilégios tal como está, se ampliou com essa miniaturização das bancadas parlamentares.
Não é por acaso que o Brasil tem a estrutura
tributária muito complexa e desigual, cheia de “gatos”, aqueles puxadinhos que
dão isenções e alíquotas diferenciadas para beneficiar setores específicos da
elite econômica e social.
Os puxadinhos tornam o sistema mais
regressivo, aumentando as desigualdades e penalizando os assalariados. A rede
de privilégios atende, principalmente, aos setores mais tradicionais da elite
que têm representantes diretos ou intermediários em todo o sistema político,
particularmente no parlamento.
O processo legislativo sobre temas
tributários e fiscais envolve sempre conflito distributivo. Decide-se sobre
quem financiará a receita e para quem irão os gastos do Estado. É sempre uma
discussão sobre de quem tirar e a quem dar.
No plano fiscal, as emendas parlamentares ao
orçamento emagrecem o estoque de recursos nas mãos do Estado que poderiam e
deveriam ser gastos em benefício da maioria e engordam os recursos sobre
controle de parlamentares e interesses especiais. O gasto público destinado
pelos parlamentares a seus redutos aumenta a desigualdade.
Qual a lógica? A focalização do gasto nos
municípios com-parlamentar, em detrimento dos sem-parlamentar, promove áreas de
influência e voto e aumenta as desigualdades entre as cidades.
O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias,
deputado Danilo Forte, propôs a criação de mais uma emenda redundante para
controle do Centrão, a emenda de partido. Teríamos, então emendas individuais,
de bancadas, de comissão, da relatoria e, agora, de partido. Elas tornam o
gasto público desigual e discricionário, além de prejudicarem o financiamento
de políticas estratégicas universais pelo governo federal.
Na reforma tributária, os puxadinhos criados
pelos relatores na Câmara e no Senado redistribuem a carga tributária para
setores da elite econômica e social. A União fica tolhida e o Executivo à mercê
do Congresso. Opera-se uma distorção no presidencialismo, que não pode ser
igualada à parlamentarização do modelo político. Como o parlamento não é
responsável pelo governo, a irresponsabilidade política, a falta de
transparência e a arbitrariedade da gestão orçamentária aumentam.
O estranhamento entre Executivo e Legislativo
se deve às diferenças de colégio eleitoral entre o presidente da República e os
congressistas. O presidente da República é eleito em todo o país. Presidentes
não se elegem sem ter a maioria em pelo menos 13 estados, entre eles os grandes
estados do Sudeste e do Nordeste. O Legislativo tende a ser mais conservador do
que o Executivo. Realmente, com a exceção de Bolsonaro, um governante
incidental, todos os presidentes foram eleitos para promover mudanças, em geral
mitigadas ou recusadas pelo Congresso.
O núcleo mais progressista do sistema
político para obter mínima governabilidade tem que se aliar à parte da maioria
que representa as elites conservadoras. O custo dessa aliança se dá sob a forma
de concessões tributárias e fiscais que preservam a maior parte do statu quo,
com repercussões na estrutura de privilégios e na desigualdade
econômico-social.
No caso da reforma tributária, os puxadinhos
do luxo estão sendo inscritos no texto constitucional nomeadamente. É uma forma
de cristalizar os privilégios de parcelas da elite na constituição tornando
muito mais difícil eliminá-los no futuro.
Não faz sentido que os incentivos e isenções
estejam na Constituição.
Incentivos devem ser temporários. Eles devem
ser objeto parcimonioso de leis complementares. O texto constitucional deveria
abrigar apenas princípios gerais associados aos direitos fundamentais.
Um ponto positivo da reforma é que os
incentivos e isenções devem ser revisados a cada cinco anos.
O relatório do senador Braga ampliou os
puxadinhos exclusivos criados pela Câmara dos Deputados. Significa dizer que
alargou o campo de privilégios que resultam em isentar de tributos, no todo ou
em parte, determinadas atividades.
Os segmentos da sociedade que não estiverem
abrigados nos puxadinhos premium da proposta tributária pagarão alíquotas
maiores para financiar os mais ricos e poderosos para compensar a perda de
arrecadação. Reduz-se a justiça tributária que a reforma objetiva.
Estou dizendo que não tem espaço para os mais
pobres? Não. Há, sim, benefícios para os mais pobres. Um deles é a isenção da
cesta básica nacional. O senador Braga propôs a ampliação a uma cesta regional
para incluir produtos das dietas típicas de cada região. A medida barateia o
custo de alimentos essenciais que pesam mais no orçamento dos assalariados de
baixa renda. Outro, é o mecanismo de cashback, que devolve o imposto pago aos
mais pobres.
Vamos ser sinceros. Qualquer reforma é melhor
do que o sistema tributário que temos. Ele é iníquo, dispendioso para a
sociedade e para a economia. É muito ineficiente e a montanha de incentivos que
ele abriga exige uma carga tributária muito alta.
Um ponto que prejudica os objetivos da
reforma é que ela só diz respeito aos tributos indiretos. Há uma determinação
para que o governo apresente em 90 dias a reforma dos impostos sobre a renda e
o patrimônio. Se dela sair um sistema redistributivo que favoreça os
assalariados e reduza os benefícios aos capital, o quadro tributário geral vai
melhorar muito mais.
Um comentário:
É bem isto!
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