Reforma acaba com aberração do sistema tributário
O Globo
Deputados devem fazer uma análise criteriosa
das exceções introduzidas pelo Senado e ser ágeis na aprovação
O Senado
aprovou enfim a reforma tributária. Não se trata apenas da
maior mudança no sistema de impostos do país em quatro décadas. Uma vez
chancelada pela Câmara, ela porá fim ao manicômio tributário que atormenta
empreendedores, trava o crescimento da economia e faz do Brasil motivo de
chacota mundo afora. Mesmo com todos os defeitos, coloca o país noutro patamar.
Espera-se que os deputados não percam tempo para analisar as mudanças feitas no
Senado e a aprovem quanto antes.
O Brasil é o país onde as empresas gastam mais tempo tentando administrar os impostos que têm a pagar devido à barafunda de normas e leis. O IPI é o paraíso das exceções e o inferno para quem tenta entender as regras. A alíquota para bombom é de 5%. Para wafer, zero. Perfume paga 40%. Água- de-colônia, 10%. Cada uma das 27 unidades da Federação tem regulamentos próprios de ICMS. Os de São Paulo têm mais de 600 artigos e 20 anexos, com centenas de itens e incisos. No restante do país, a situação é semelhante.
As consequências da confusão não se resumem
ao tamanho desproporcional dos departamentos de contabilidade nas empresas,
sugando recursos que poderiam ser destinados a novos investimentos. A cada
etapa da produção, impostos são pagos de forma cumulativa, gerando uma cascata
de tributos. A cumulatividade encarece a produção e torna o Brasil menos
competitivo internacionalmente. Interpretações conflitantes entre o Fisco e
departamentos jurídicos das empresas são comuns, por isso a Justiça acumula um
contencioso tributário trilionário. Toda a economia paga o preço.
Para atrair investimentos, os estados lançam
mão de isenções e alíquotas mais baixas. Na guerra fiscal, a maior vítima é a
racionalidade econômica. As empresas não decidem onde instalar uma operação com
base em estudos de eficiência, mas em vantagens tributárias. Caminhões rodam
milhares de quilômetros entre fábricas e centros de consumo apenas em razão dos
benefícios. O sistema tributário brasileiro é arcaico, injusto e
contraproducente.
O texto à espera de nova análise dos
deputados contribui para desmontar a insanidade ao unificar três impostos
federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS) em dois
novos: CBS (federal) e IBS (estadual e municipal), com regras válidas em todo o
país. Produtos pagarão a mesma alíquota. As 27 legislações do ICMS
desaparecerão. A cumulatividade, também. O espaço para a guerra fiscal será
mínimo. O mesmo deverá acontecer com litígios na Justiça. São avanços
inquestionáveis.
Não significa que a reforma seja a melhor
possível. Na primeira passagem pela Câmara e, mais recentemente, pelo Senado, a
lista de exceções à alíquota única cresceu acima do razoável. Grupos de pressão
fizeram fila em Brasília para levar vantagem. Seus argumentos são facilmente
desmentidos pela literatura econômica. Quanto mais setores pagarem menos, maior
ficará a alíquota para os demais, já que a arrecadação precisará ser mantida. O
Ministério da Fazenda estima 27,5%, mas há projeções de até 33% (o valor final
só será definido depois que a reforma estiver em vigor). O que os deputados
devem fazer agora é reduzir a lista de exceções ao mínimo necessário para
aprovar a reforma quanto antes. O Brasil tem pressa para deixar no passado um
sistema tributário que não passa de uma aberração.
Operação da PF que desbaratou plano
terrorista foi trabalho exemplar
O Globo
Não é de hoje que presença do Hezbollah no
Brasil traz preocupação. Episódio deveria servir de alerta
A Operação
Trapiche, da Polícia Federal (PF), felizmente desbaratou uma
tentativa de atentado contra alvos judaicos no Brasil. Dois brasileiros
suspeitos de tramar os ataques foram presos, e os policiais cumpriram 11
mandados de busca e apreensão (há dois mandados de prisão em aberto). Os detidos
são acusados de vínculo com o Hezbollah (Partido de Deus), um híbrido de
organização religiosa xiita, partido político e milícia que controla o sul do
Líbano, volta e meia entra em choque com os israelenses e já foi implicado em
ataques terroristas dentro e fora de Israel. Na investigação, a PF contou com o
apoio dos serviços de inteligência de Israel e dos Estados Unidos.
O episódio, reflexo do acirramento do
antissemitismo em todo o mundo na esteira do conflito entre Israel e o grupo
terrorista Hamas, deve servir de alerta. Embora até hoje o Brasil não tenha
sofrido nenhum atentado terrorista de grandes proporções promovido por grupos
jihadistas, não estamos imunes. Nos anos 1990, o próprio Hezbollah foi acusado
de promover as explosões que deixaram dezenas de mortos na embaixada de Israel
e na Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em Buenos Aires.
Desde então, as agências de inteligência
investigam as ramificações do grupo na América Latina, em particular no Brasil.
Em 2008, um relatório de autoridades americanas apontou a presença de suspeitos
de terrorismo na
região da tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai. A partir daí,
as investigações se ampliaram. Em 2018, a PF deteve no Brasil um cidadão
libanês suspeito de financiar o Hezbollah com atividades em solo brasileiro.
Também identificou uma associação do grupo com a principal facção criminosa de
São Paulo.
A aprovação da Lei Antiterrorismo antes da
Olimpíada de 2016 tornou mais eficaz o combate aos grupos extremistas
violentos. Na época, a PF desarticulou uma célula do Estado Islâmico que
trocava informações pela internet, com o objetivo de tramar atentados durante
os Jogos. A diligência dos federais diante desse tipo de ameaça tem sido
exemplar, como mais uma vez revela o resultado da Operação Trapiche.
No campo diplomático, a ação do governo
merece mais atenção. A tradição de neutralidade do Brasil em relação aos
conflitos no Oriente Médio é frequentemente usada como argumento para alegar
que estamos protegidos de atentados. Infelizmente, a lógica dos terroristas
costuma ser outra, como demonstram os fatos desta semana. O governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria aproveitar a oportunidade para
refletir mais detidamente a respeito do Irã, país de onde emanam financiamento
e armamento tanto para o Hezbollah quanto para o Hamas.
Câmara deveria cortar exceções e melhorar
reforma tributária
Valor Econômico
Foram criadas muitas exceções e o custo da
reforma será alto para a União
A reforma tributária chegará agora à Câmara
dos Deputados para aprovação final repleta de emendas, mas mantendo ainda seu
espírito original, de não-cumulatividade, da cobrança no destino e da
simplificação. As exceções foram bem além do que seria o ideal, porém seus
aspectos positivos superam ainda os negativos. Pôr um fim ao labirinto
tributário atual, que colocou o país entre os sete piores regimes fiscais do
mundo - após 30 anos de tentativas infrutíferas de fazê-lo - é um feito
histórico. Para melhorar o projeto, a Câmara deveria reduzir as benesses
aprovadas, embora seja improvável que isso aconteça.
O relator da reforma no Senado, Eduardo Braga
(MDB-AM), aceitou emendas até a hora da votação da PEC 45. Com isso, o texto
aprovado trouxe a criação de regimes com redução de alíquota de 60% para pelo
menos 15 setores, isenção total de impostos para 10 outros e alíquota reduzida
em 30% para profissionais liberais. Houve a usual pressão por lobbies de
interesses setoriais, que será incessante até a votação final na Câmara. A
reforma se tornará real a partir daí. Pelo menos 63 temas necessitarão de leis
complementares para serem executados, entre eles a definição das alíquotas do
Imposto sobre Bens e Serviços e Contribuição sobre Bens e Serviços.
Pelos cálculos do Ministério da Fazenda e de
analistas privados, a ampliação das exceções e das alíquotas reduzidas elevará
a alíquota total de IBS e CBS para entre 26,9% e 27,5%, podendo ultrapassar
essas cifras dada a última rodada no Senado, e eventuais adendos no que resta
da tramitação no Congresso. Será um dos mais altos IVAs do mundo, mas nada
distante do que o consumidor brasileiro já paga de forma não inteiramente
explícita. Pelo projeto original da PEC 45 esta conta poderia ter ficado entre
20% e 22%, mas o aumento deve ser relativizado pelos benefícios que a reforma
proporcionará. A infernal complexidade do cipoal hiperativo legiferante que
brota de 27 Estados e o número de horas e pessoas especificamente dedicadas nas
empresas a manter-se em dia com o pagamento de tributos têm tudo agora para
tornar-se o passado.
Advogados e tributaristas dedicados à
reforma, apesar da ação vitoriosa de lobbies, não consideram que as exceções
abertas na PEC 45 destoem muito das consagradas pelo sistema tributário europeu
ou de outros considerados mais avançados, como o da Austrália (Valor, 7 de
novembro), que também as contemplam, em vários casos para alguns dos mesmos
setores que serão brindados agora pela reforma.
O esgotamento da bizantina legislação vigente
e sua paralisante disfuncionalidade deram o estímulo que o Congresso precisava
para atuar. Consideradas as características do federalismo brasileiro e da
representação parlamentar, uma obra dessa envergadura, além de difícil, só
prosperaria com ampla negociação política, e com seu respectivo custo - que
será pago e é elevado.
Uma conjunção de interesses políticos,
frequentemente dissonantes, tornou a reforma viável. O governo tem interesse em
sua aprovação e nos dividendos que isso trará, assim como o presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que quer marcar sua passagem pelo comando da Casa
com uma mudança histórica. A reforma, com duas PECs que vieram do governo
anterior bem adiantadas, na Câmara e no Senado, aguardavam o aval político para
deslanchar, um sinal que não veio, apesar da vontade do Legislativo, do governo
Bolsonaro, empenhado em criar uma versão modernosa da anacrônica CPMF.
Mas ainda há muitos riscos rondando a
renovação tributária. Lira sugeriu que ela deveria ser fatiada, promulgando-se
já tudo que no projeto recebeu aprovação da Câmara e do Senado. As alterações
feitas no Senado seriam deixadas para depois, isto é, pode ser nunca, pelo que
a experiência passada indica. Seria o rompimento desnecessário de um consenso
possível construído.
A reforma corre riscos na regulamentação, que
ocorrerá em 180 dias após a promulgação, no detalhamento das regras, de onde
frequentemente emergiram benefícios e vantagens indevidas para lobbies. O tempo
a decorrer até o início paulatino da junção de ICMS e ISS, em 2029, pode ser
usado para desistências ou mais protelações.
A reforma terá alto custo para a União. Foram
criados pelo menos dois fundos que exigirão despesas permanentes pesadas. O
Fundo de Desenvolvimento Regional é o principal, com acréscimo de R$ 8 bilhões
anuais a partir de 2029, de R$ 40 bilhões, mais R$ 2 bilhões ao ano até atingir
R$ 60 bilhões em 2043. Até lá, a União dispenderá R$ 580 bilhões. O segundo é o
Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais do ICMS, para cobrir custos das
guerras fiscais completamente ilegais realizadas pelos Estados. A União contribuirá
com acréscimos de R$ 8 bilhões anuais até 2029 e decréscimos da mesma quantia
até 2032 - são mais R$ 128 bilhões.
A conta é salgada e para ela não há fonte de
recursos. A menos que o crescimento acelere e avance para além dos 3% por anos
a fio, a fatura da reforma será paga com o aumento do endividamento, cuja
trajetória voltou a preocupar depois que o presidente Lula disse que não era
preciso zerar o déficit.
Batalha tributária
Folha de S. Paulo
Reforma continua vantajosa, mas é crucial
evitar mais enfraquecimento do texto
O atual sistema brasileiro de impostos
provoca ineficiência econômica, confusão jurídica e injustiça social de tal
nível que mesmo a reforma
enfraquecida e aprovada pelo Senado na quarta-feira (8) ainda
pode ser um grande progresso.
Mudanças em tributos sempre intensificam
disputas por recursos públicos e privilégios. É inevitável, mas cumpre impedir,
enquanto há tempo, que tais pressões esvaziem os méritos do projeto.
Aos representantes dos interesses gerais dos
cidadãos, cabe barrar tais avanços contra a equidade e o desenvolvimento
econômico. Nesse sentido, ainda há um longo trabalho pela frente.
A emenda constitucional será votada outra vez
na Câmara dos Deputados. Sem acordo sobre o texto, voltaria ao Senado. Se
houver acordo parcial, a reforma seria fatiada, com aprovação imediata dos
artigos de consenso.
Existe, portanto, oportunidade para a criação
de ainda mais regimes especiais de tributação ou alíquotas diferenciadas —na lista de
exceções que foi ampliada de modo daninho pelos senadores.
Promulgada a emenda, o Executivo terá 180
dias para enviar ao Congresso os projetos de lei complementar que a
regulamentarão; serão fixadas as alíquotas de referência. Haverá grande
oportunidade para interpretações criativas dos regimes especiais e de sua carga
de tributos. Parte importante da reforma ainda está por fazer, pois.
A implementação da mudança será demorada. O
Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o ICMS e o ISS, passa a
vigorar parcialmente apenas em 2029. Até 2032, os velhos ICMS e ISS conviverão
com o IBS.
A Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a
parte federal do novo imposto sobre valor agregado, vigora em 2027. Até lá, o
oportunismo de governantes, parlamentares e lobbies privados pode modificar e
piorar o novo sistema tributário.
Na prática, benefícios da guerra fiscal foram
estendidos; outros serão compensados por meio de um fundo bancado pelo governo
federal (de R$ 160 bilhões de 2025 a 2032, corrigidos pelo IPCA). Por serem, em
tese, impedidos de conceder favores, estados e municípios levarão também R$ 630
bilhões de 2029 a 2043, a título de recursos para o desenvolvimento regional.
A carga de impostos sobre o consumo
continuará alta, pois a mudança de impostos sobre bens e serviços não foi
articulada com a reforma da tributação sobre a renda, que deveria ter mais
peso.
Mais importante agora é evitar a desfiguração
adicional do projeto, mantendo o que restou de uniformização e simplificação.
Os lobbies estão animados pelo sucesso no Senado, o que significa a
continuidade da disputa nos próximos anos.
O risco Trump
Folha de S. Paulo
Ex-presidente dos EUA mostra vigor eleitoral
que ameaça democracia e geopolítica
A possibilidade de Donald Trump voltar à Casa
Branca no próximo ano é assustadoramente real. Pesquisa do New York Times e do
Siena College mostrou que, se o pleito
fosse hoje, o republicano venceria em 5 dos 6 "swing states" (estados-pêndulo)
—os quais não têm preferência partidária consolidada e acabam decidindo a
eleição no sistema americano .
Ressalve-se que sondagens feitas um ano antes
da eleição devem ser vistas com cautela, já que estão contaminadas por eventos
presentes que talvez não atuem com tanta intensidade mais à frente.
O forte apoio do presidente Joe Biden a
Israel, por exemplo, lhe custou preciosos pontos em Michigan, estado com grande
população de origem árabe. Mas, a menos que a guerra em Gaza escale para algo
muito maior, esse fator pode não ser tão preponderante para o eleitorado em
2024.
O problema do democrata é que nem todos os
elementos a pesar contra si são transitórios. Ele vem encontrando dificuldades
para converter fatos positivos de sua gestão, notadamente na área econômica, em
intenções de voto.
O etarismo
parece contribuir para esse processo. Parte dos americanos se
convenceu de que Biden, 80, está velho para o cargo e, por isso, não reconhece
suas realizações.
Já Trump, somente três anos mais novo do que
o adversário, é líder inconteste da ala mais radical dos republicanos. A
probabilidade de que ele perca a indicação do partido para concorrer é quase
nula, e o fato de responder a vários processos, inclusive por atentar contra a
democracia, até agora não afastou seus eleitores.
Difícil afirmar, porém, que uma eventual
condenação não abalará sua posição, principalmente entre os independentes, que
têm papel relevante no resultado —nos EUA, a punição judicial por si só não
inabilita o postulante a concorrer.
Seria má notícia para os EUA e para o mundo a
volta de Trump, que conspirou duplamente contra a democracia, ao não reconhecer
os resultados da eleição e insuflar apoiadores a invadir o Capitólio.
No cenário global, o momento é
particularmente complexo, com uma escalada em conflitos bélicos que envolvem
atores autocráticos, como Rússia e Irã, e a ascensão da China, uma nova
potência econômica com apetites hegemônicos.
Se enfrentar tal contexto já é difícil em condições normais, fazê-lo com uma liderança irresponsável na Casa Branca é temerário.
Vitória da sociedade
O Estado de S. Paulo
Aprovada a reforma tributária sobre bens e
serviços no Senado, País caminha para abandonar um sistema confuso, injusto e
regressivo, que onera a produção e penaliza os consumidores
Em um feito histórico para o País, o Senado
aprovou a reforma tributária sobre o consumo. Foram 53 votos a 24, um placar
mais apertado do que o governo esperava, mas suficiente para vencer mais uma
etapa do processo de extinção de um sistema confuso, injusto e regressivo, que
onera investimentos, penaliza os consumidores e é uma enorme fonte de litígio e
insegurança jurídica.
Foram muitas as tentativas de mudar um modelo
proposto na década de 1960 e que sobreviveu à Constituição de 1988. Por
diferentes razões, essas iniciativas nunca conseguiram alcançar o necessário
consenso político em torno delas. Enquanto isso, a competitividade da economia
despencava perante a de outros países e numerosos regimes diferenciados eram
criados para compensar os produtores.
Tais mudanças acabaram por agravar as
distorções do sistema tributário e, pior, não geraram os resultados almejados
em termos de crescimento e geração de empregos. Foi o esgotamento desse modelo
que proporcionou as condições para a aprovação da reforma tributária pelo
Senado. “A reforma se impôs porque o Brasil não poderia mais conviver com o
atraso”, disse o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O texto original da Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 45/2019 era mais ousado do que a redação final que sairá do
Congresso. Já de saída, a proposta incorporou boa parte das sugestões da PEC
110/2019, entre as quais a divisão do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em um
modelo dual, com uma parcela administrada pela União e outra, por Estados e
municípios.
O projeto já havia sido desidratado pelos
deputados, perdeu um pouco mais de vigor na tramitação no Senado e, muito
provavelmente, será mais desbastado na segunda passagem pela Câmara. Seu
espírito, no entanto, foi preservado, o que não é pouco.
Com décadas de atraso, o País terá um IVA de
base ampla que não mais distingue bens e serviços, unifica tributos federais,
estaduais e municipais, deixa de incidir na origem e passa a ser cobrado no
destino e acaba com a absurda cumulatividade que drenou a produtividade da
indústria.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
reconheceu que a reforma poderia ser melhor. De zero a dez, deu ao texto final
nota 7,5. Foram muitas as concessões que o governo teve de fazer para angariar
os votos necessários na Câmara e no Senado – seis delas realizadas na última
hora, em plenário. Ampliou-se a lista de setores com direito a tratamento
especial e a União teve que aceitar bancar até um novo fundo para contemplar
áreas de livre comércio de Estados da Amazônia Ocidental.
Cada uma das benesses concedidas por
deputados e senadores deve majorar a alíquota padrão do imposto final, ainda
desconhecida. Na última estimativa feita pelo Ministério da Fazenda, calculada
antes da votação no plenário do Senado, ela estaria em 27,5%. Assim que a
proposta for promulgada, será possível iniciar a contagem dos prazos de
transição do novo sistema, quando se espera que os ganhos de produtividade
comecem a aparecer na economia.
A reforma não se encerra agora. Sua
regulamentação demandará vários projetos de lei complementar que tratarão dos
regimes específicos. A tramitação dessas propostas precisará ser acompanhada
com rigor. Talvez o maior teste a que a reforma será submetida seja a revisão
quinquenal das benesses. A experiência prévia do País prova que os benefícios,
uma vez concedidos, são eternamente prorrogados.
Desde o início, sabia-se que não se aprovaria
a reforma ideal. Isso não diminui o tamanho da conquista, que não é apenas do
governo ou do Congresso, mas de toda a sociedade. Como disse o relator, Eduardo
Braga (MDB-AM), o que se viu foi a construção coletiva do texto possível e o
respeito à correlação de forças da democracia.
Essas forças eram muitas: deputados e
senadores dos mais variados espectros políticos, representantes de setores do
agronegócio, da indústria e dos serviços, governadores de Estados com situações
muito distintas e prefeitos de pequenos municípios e de grandes capitais. Além
da reforma em si, essa união de forças também é algo a celebrar.
Washington delineia seu plano de paz
O Estado de S. Paulo
Mas o sonho dos dois Estados está distante e,
além do Hamas, ele tem contra si o Irã, Netanyahu e os sionistas extremistas, a
direita trumpista, a esquerda anti-Israel e o próprio tempo
Após uma rodada de encontros com lideranças
israelenses, palestinas e de países árabes, o secretário de Estado dos EUA,
Antony Blinken, traçou, numa cúpula com seus pares do G-7, o plano de
Washington para solucionar o conflito israelo-palestino. De imediato, os EUA
pressionam Israel a aceitar pausas humanitárias condicionadas à gradativa
liberação de reféns. Segundo Blinken, é “crucial” que a plataforma militar do
Hamas seja desmantelada, mas também que não haja uma ocupação pós-guerra de
Gaza, nem o deslocamento forçado de palestinos, nem bloqueios, assédio ou
redução de seu território. A solução “deve incluir um mecanismo sustentável
para a reconstrução em Gaza e um caminho para israelenses e palestinos viverem
lado a lado em seus próprios Estados”.
O plano é uma tentativa de ressuscitar os
Acordos de Oslo, dos anos 90, o passo mais significativo de israelenses e
palestinos para solucionarem seu conflito. Gaza e Cisjordânia formariam um
Estado palestino. Israel trocaria “terras por paz”, retirando tropas e colonos
da Cisjordânia. Em contrapartida, a Palestina restaria desmilitarizada.
Jerusalém seria dividida. Alguns refugiados palestinos poderiam voltar a Israel
e a maioria, para a Palestina. É a única solução digna para os palestinos e, se
bem implementada, a única que garantiria a segurança duradoura de Israel e
impediria a degradação de sua democracia.
Mais fácil dizer do que fazer. A
assertividade incomum da administração de Joe Biden sugere que, a um ano das
eleições nos EUA, ela corre contra o tempo para pressionar Israel ao mesmo
tempo que resiste a pressões internas.
As dissonâncias com o governo de Benjamin
Netanyahu são evidentes. Passado um mês do conflito, só agora Israel concedeu
algumas pausas. Mas seus estrategistas ainda ponderam criar uma “zona de
segurança” em Gaza e recentemente Netanyahu disse que Israel pode se ocupar da
segurança de Gaza por um “período indefinido”.
Desde sua primeira administração, nos anos
90, Netanyahu sabota os Acordos de Oslo, de um lado, sendo complacente com o
Hamas em Gaza e, de outro, expandindo os assentamentos na Cisjordânia e
desmoralizando a Autoridade Palestina, a herdeira de Oslo dominada pela facção
rival do Hamas, o Fatah. A estratégia foi intensificada com a coalizão de
Netanyahu com radicais nacionalistas e religiosos. Os conflitos na Cisjordânia,
que já vinham escalando antes da guerra, aumentaram exponencialmente com ela. A
maioria dos israelenses culpa Netanyahu pela crise, mas por diversas vezes ele
desafiou a lei da gravidade política com sucesso.
Nos EUA, o ultraje com a ofensiva de Israel
nas bases de esquerda de Joe Biden também aumenta. Segundo pesquisa da
Associated Press, 58% dos democratas pensam que a resposta de Israel foi longe
demais. Entre o eleitorado árabe-americano, a aprovação de Biden despencou. Se
as eleições fossem hoje, as pesquisas indicam que Donald Trump venceria. O
“acordo do século” para o conflito palestino-israelense apresentado por Trump
durante sua gestão era flagrantemente enviesado a favor de Israel, e os
palestinos se recusaram terminantemente a sequer abrir negociações.
Uma coalizão de países árabes para revigorar
a Autoridade Palestina, instaurá-la no governo de Gaza e financiar sua
reconstrução será indispensável. Esses países têm interesse em erradicar
extremistas como o Hamas e estabelecer alianças com Israel aptas a dissuadir o
Irã. Mas tudo depende da capacidade de Israel de minimizar o horror dos civis
palestinos e manter aberta sua “janela de legitimidade”. A Autoridade Palestina
não abriria mão de compromissos substanciais de Israel com a instauração de seu
Estado, mas, para exercer uma autoridade crível, ela mesma precisaria ser
renovada.
No momento, esse é um sonho distante. Em
tese, Joe Biden tenta fazer a sua parte para que a região desperte do pesadelo
da guerra. Mas – além da esquerda anti-Israel, da direita trumpista, de
Netanyahu e os sionistas extremistas, do Irã e suas milícias jihadistas, como o
Hezbollah e, claro, o Hamas – Biden tem contra si o tempo.
Um descrédito fiscal contratado
O Estado de S. Paulo
Déficit público de setembro descredencia
agenda fiscal e expõe diferenças entre BC e Tesouro
O rombo de R$ 18,1 bilhões apurado pelo Banco
Central (BC) nas contas públicas de setembro, aliado à expectativa de que a
Casa Civil vença a disputa com o Ministério da Fazenda para alterar a meta de
déficit zero em 2024, descredencia de vez a agenda de ajuste fiscal do governo.
Pelas contas do BC, nos 12 meses encerrados em setembro, o setor público
consolidado – que além das contas do governo federal inclui Estados e
municípios – está em R$ 101,9 bilhões, ou 0,97% do Produto Interno Bruto (PIB).
Tudo bem que, na prática, o resultado que
vale de fato para balizar a meta fiscal é o do governo central, cálculo que
exclui Estados e municípios, já que a União não está mais obrigada a compensar
os resultados dos governos regionais. Mas não faz tanta diferença, pois o
estouro continua enorme, com R$ 16,5 bilhões no vermelho em setembro. Isso
pelas contas do BC, porque para o Tesouro Nacional o resultado para o mesmo mês
foi positivo em R$ 11,5 bilhões.
A mágica bilionária entre o déficit de um
lado e o superávit de outro ocorre pela contabilização, pelo Tesouro, de
recursos não sacados do PIS/Pasep por anos, uma conta que o Banco Central não
avaliza. O BC chegou a classificar de “altamente incomum” o registro de
receitas extraordinárias como primárias. Resta saber como o Tribunal de Contas
da União (TCU), que avalia oficialmente o cumprimento das metas fixadas pelo
governo, vai analisar esses lançamentos.
Deixando de lado as diferenças de
contabilidade – seja ela criativa ou não, o que ainda promete gerar muita
polêmica –, o resultado de 2023 caminha para comprovar a forte deterioração das
contas públicas, com receitas muito aquém do que pretendia o governo e despesas
públicas muito além do que gostaria o contribuinte. E o rombo tende a aumentar
em 2024, levando ao descrédito o governo e jogando por terra todo o esforço
para a definição do arcabouço fiscal.
Os últimos resultados anunciados pelo BC
foram especialmente impactantes por terem vindo bem abaixo do previsto por
analistas do mercado financeiro. De agosto para setembro, a relação entre o
déficit público e o PIB em 12 meses saltou de 0,7% para quase 0,97% do PIB. Os
números tornam mais depreciada a retórica do governo de manutenção da
estabilidade fiscal e mais acirradas as divergências entre ministros sobre o
rumo a seguir.
Os sinais que chegam da Casa Civil, de Rui
Costa, e de parlamentares, principalmente do PT, é de que o ajuste da meta
poderá ser de 0,5%, 0,75% ou até 1% do PIB. O ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, por sua vez, mantém o discurso de zerar o déficit em 2024, mesmo
abatido pelo petardo lançado pelo próprio presidente Lula, que em declaração
pública recente disse que essa meta “dificilmente será cumprida”.
Lula da Silva continua dando uma no cravo e outra na ferradura. Afaga seu ministro da Fazenda enquanto pede aos demais para serem “os melhores gastadores de dinheiro em obras”. O governo precisa, antes de tudo, unificar o discurso e definir suas reais prioridades. Ao que tudo indica, infelizmente, a austeridade fiscal não é uma delas.
Atenção ao "segundo cérebro"
Correio Braziliense
O que chama a atenção é que nunca a palavra
"intestino" foi tão pesquisada pelos brasileiros como neste ano. Nos
últimos 12 meses, o Brasil ocupou a terceira posição entre os países com mais
interesse pelo assunto
Sabemos que o Google Trends, entre outras
atribuições, é um norteador de popularidade das informações que estão em alta
em determinado momento. É muito comum que os usuários queiram saber quais são
os tópicos mais procurados em uma hora específica, na manhã de determinado dia
ou na semana passada, por exemplo.
Algumas pesquisas, inclusive, diferem das
buscas mais tradicionais. É o caso, por exemplo, de um levantamento recente do
Google Trends. O que chama a atenção é que nunca a palavra
"intestino" foi tão pesquisada pelos brasileiros como neste ano. Nos
últimos 12 meses, o Brasil ocupou a terceira posição entre os países com mais
interesse pelo assunto. Ao compararmos os primeiros quatro meses de 2023 —
janeiro a abril — com o mesmo período há 10 anos, as investigações pela palavra
"intestino" triplicaram.
Buscas pelas principais doenças inflamatórias
intestinais, como doença de Crohn e retocolite ulcerativa, cresceram,
respectivamente, 210% e 220% no último ano. A pesquisa por síndrome do
intestino irritável, outra patologia comum, aumentou 190%. Entre as perguntas
mais frequentes, destacam-se: "O que é constipação intestinal?" e
"Como soltar o intestino?".
Não é à toa que os especialistas consideram o
intestino como o "segundo cérebro". Contendo mais de 500 milhões de
células nervosas e até nove metros de comprimento, o órgão não tem apenas a
função de digerir alimentos, absorver e transportar nutrientes, mas também é
parte pensante do corpo humano, como explicam especialistas. Isso porque,
conforme estudos, o intestino atua sobre nossas emoções, nosso sono e
comportamento.
Cada vez mais, cientistas têm atrelado o bom
funcionamento do intestino à saúde mental. Estudos recentes mostram que ele tem
influência sobre o estado emocional e até mesmo sobre o desequilíbrio mental
das pessoas.
Em parte, isso se deve ao que comemos. E os
excessos têm forte ligação com o mau funcionamento. Açúcar, alimentos
ultraprocessados, carboidratos refinados e pouca fibra — aliados ao
sedentarismo e a longas jornadas laborais em que as pessoas passam horas
sentadas — contribuem em alto grau para a redução de movimentos peristálticos
e, portanto, para um intestino "preguiçoso".
Além disso, os quadros emocionais, como
estresse e insônia, e sentimentos negativos, como raiva e insegurança, quando
somatizados, são mais um ingrediente maléfico para o órgão. As estimativas
mostram que 50% da dopamina existente no corpo humano e 90% da serotonina sejam
processadas nessa parte do corpo. O mau funcionamento dessa engrenagem acaba
servindo de gatilho para quadros de baixa autoestima, compulsão alimentar,
ansiedade e alucinações.
Em se tratando do país mais ansioso do mundo
— no caso, o Brasil —, não é de se espantar que o trato gastrointestinal do
brasileiro esteja pedindo socorro. Fato é que, embora sejam bastante
repetitivas as falas dos médicos, alimentação saudável, prática de atividades
físicas, redução de álcool, boas horas de sono, consumo de água e redução dos
níveis de estresse continuam na receita da longevidade.
A exemplo do Março Azul-marinho, dedicado à prevenção ao câncer colorretal, é importante chamar a atenção para a saúde do intestino. Cabe ao poder público e a entidades médicas a união de esforços para convocar a população a se cuidar. Interesse em relação ao assunto existe — e muito —, como mostram as pesquisas de busca no Google.
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