Folha de S. Paulo
Maior mudança tributária em quase 60 anos
seguirá sujeita a lobbies contrários
A reforma dos impostos que se aproxima da
aprovação no Congresso será tratada, com bons argumentos, como histórica. A
última mudança tributária de tal profundidade, afinal, foi promovida em 1965,
sob os fuzis da ditadura militar.
Trata-se de intervir na mais básica relação
entre os cidadãos e o poder público, o que impulsionou não poucas insurreições
e revoluções ao longo da evolução do Estado.
Fazê-lo em uma democracia, e sobretudo em um
país de forças políticas tão fragmentadas, é um feito raríssimo —e, pelos
mesmos motivos, ainda incerto.
A reforma em curso parte de um diagnóstico quase consensual na academia, no empresariado, na administração pública e no meio político. A convergência se desfaz, porém, quando se avança da teoria à prática.
Há amplo entendimento de que o atual sistema
tributário brasileiro resulta numa carga não apenas elevada como mal
distribuída, concentrada em tributos indiretos que encarecem demais o consumo e
oneram desproporcionalmente os mais pobres.
Todos concordam que é uma excrescência haver
cinco grandes tributos diferentes —PIS, Cofins e IPI, federais, ICMS, estadual,
e ISS, municipal— incidentes sobre a venda de mercadorias e serviços, cada qual
com suas alíquotas, múltiplas exceções e variações regionais.
Esse emaranhado caótico leva a burocracia
custosa, disputas judiciais intermináveis, disputas entre os governos regionais
e decisões empresariais de baixa eficiência econômica.
Quando se propõe uma mesma regra para todos,
no entanto, surgem as divergências. Atividades e setores que gozam de
benefícios não querem abrir mão dos privilégios; governos estaduais e
municipais não querem abrir mão de arrecadação e poder de definir tributos.
Mesmo minoritários na sociedade, os
prejudicados pela reforma têm ampla capacidade de mobilização política —e
interesses mais facilmente perceptíveis que os da maioria silenciosa.
Desde a redemocratização do país, inúmeras
tentativas de reforma buscaram negociar concessões em troca de um sistema
tributário ainda muito imperfeito, mas menos disfuncional. Não é diferente
agora.
O risco, em todos os casos, é que as
concessões —regras especiais para regiões ou setores produtivos e fundos
generosos para compensar estados e municípios, por exemplo— se multipliquem a
ponto de tornar nebulosas as vantagens da mudança.
Pelo julgamento da maior parte dos
especialistas, isso não ocorreu desta vez —ainda.
A tramitação da proposta de emenda
constitucional não terminou. Depois, haverá pela frente uma complexa
regulamentação em lei, quando será necessário descer aos detalhes da taxação.
Também para dissipar resistências, a reforma
prevê uma transição gradual rumo ao novo sistema. Os lobbies contrários
permanecerão ativos no Congresso pelos próximos anos.
No melhor cenário, os benefícios esperados da
mudança —em especial, maior atividade econômica e ganhos saudáveis de
arrecadação— logo ficarão evidentes e contribuirão para esvaziar as oposições.
Por ora, entretanto, essa hipótese está no terreno pantanoso das previsões
econômicas.
A carga tributária permanecerá elevada e
injusta. Será explicitado que a taxação do consumo no Brasil é uma das maiores
do mundo, se não a maior entre os principais países.
O sistema ficará menos complexo, espera-se,
mas estará por ser superada a tradição nacional de intervenção estatal por meio
de incentivos e subsídios. Outras reformas e contrarreformas serão tentadas.
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